sexta-feira, 31 de março de 2017

A SENTENÇA


Salomão certamente apraz-se proclamado
quando lança a primeira pedra o acusador:
‘...cometera um delito hediondo o acusado
ao despojar de honra a pátria, sem pudor’.

Consta que o réu é um canhoto rebaixado
por arcanjos promíscuos como um delator
Judas sem rosto que jamais foi enforcado
para poupar o abutre em frentes de terror.

Por indecência de perder-se de si mesmo
só por malícia de afundar a pátria a esmo
pelo desmonte da consciência nacional...

Mude-se a competência para Deus julgar
por tanto desamor que houver de avaliar,
e para sempre nos blindar de tanto mal...

Afonso Estebanez
DEPRESSÃO
O QUINTO CAVALEIRO


No apocalipse não restou descrito
o armagedom do quinto cavaleiro
o algoz cabal do espírito proscrito
no cárcere do gênio em cativeiro.

Transtorno catastrófico e maldito,
a mente abate quieto e traiçoeiro
e induz o ser humano o anticristo
a destruir-se em séquito ceifeiro.

Depressão é perder-se da alegria
do mago que se lembra da magia
e vive medicado com lembrança.

Ao espelho permita-se espedace,
não se renove a máscara da face
e se afligir só seja de esperança!

Afonso Estebanez

quinta-feira, 30 de março de 2017

PASTOREIO V


Numa vida eu fui pastor
noutra vida fui a ovelha
hoje sou como centelha
de dar paz ao desamor.
Pastor, eu tive o relento
ovelha, os fios do vento
com um sopro de calor.

Hoje sou meu jardineiro
cortejando a minha flor,
a quem dei o meu amor
na orla do meu canteiro.
Lá restei-me ao coração
que foi vinho e foi o pão
do convívio hospitaleiro.

E quando recorro ao fim
sobre o vazio dos meios
e seus meros devaneios
de rosa nascida em mim
vejo que nada é perfeito
ou talvez seja meu peito
algum canto de jardim...

Afonso Estebanez

quarta-feira, 29 de março de 2017

A MAGIA DA EXPRESSÃO LITERÁRIA
OFICINA – MODULAÇÃO INTERATIVA - 14
*A POESIA NO SANGUE DO UNIVERSO* 


O texto que ora privilegio – “A POESIA NO SANGUE DO UNIVERSO” - é afirmação de uma percepção incomum da poesia nos tempos atuais, merecendo ser lido, refletido, compartilhado e divulgado no âmbito das iniciativas para credenciamento da arte da poesia. Aproveito para levar o belo e oportuno texto de Sheilla Corrêa, por manifestação do grupo “Sulla Fernandes Poesia” para o blogger da Magia da Expressão Literária - oficina - ao qual espero se incorpore, bem como se integre à nossa página de natureza cultural. Fico agradecido ao grupo “Sulla Fernandes Poesia” pelo envio desta pérola!

 “A POESIA NO SANGUE DO UNIVERSO” POR SHEILA CORRÊA - “A Poesia é um vírus de sentimento, de percepção aguda, de energia premonitiva, que circula na veia do universo. E se infiltra às vezes como soda cáustica, carcomendo as hemáceas das certezas ideológicas, explodindo as plaquetas da manipulação dos espíritos, das vontades e das consciências. Ao Poeta, com a seringa na mão, não cabe controle, não cabem indicativos de comportamento; não adiantam sangrias para livrarem-se de sua contaminação. Poeta perturba a ordem no rebanho, simplesmente por não entender a linguagem do berrante. Ele brinca com o berrante. Usa-o como caneta para escrever poesia no capim. Espia curioso na boca do berrante, quebra-o em pedacinhos só para ver o que tem dentro. Poeta fica louco, como Holderline; se mata, como Mishima; xinga heróis da Pátria, como Benigna; expõe-se à violência e ao exílio, como os poetas palestinos. Sem nem saber por que razão faz isso. Faz porque faz. A minha grande pergunta para a sociedade é esta: E agora? A Modernidade Eletrônica chegou e ainda estamos aqui, riscando na pedra da alma. O que é que vocês vão fazer com a gente? Vão nos usar como brinquedinhos de controle remoto? Vão nos paralisar à guisa de símbolos midiáticos? Vão nos fragmentar para cabermos no site? Bom! Se vão fazer isso tudo, façam com cuidado, porque a gente tem vírus”.

Sheilla Corrêa
(Colaboração Interativa de “Sulla Fagundes Poesia”).

Afonso Estebanez
VIDENTE


Tudo claro como o raio
e simples como a serpente
evidente como a morte
que há na sorte da vidente.
A cruz à beira da estrada
porteira que não se move
o cantar das corredeiras
tão cansado me comove.

E meu corpo hirto na relva,
horto de eras ao relento
pensamentos nos abrigos
dos remoinhos do vento.
Cerca de arame farpado
e esse entulho no jardim
milho novo replantado
nas vertentes de alecrim.

Duas ovelhas no aprisco,
um cão magro na cadela
dois jacintos pendurados
nos dois lados da janela.
Tudo certo como a morte
esperando simplesmente
evidente quanto a sorte
desse escorte da vidente....

Afonso Estebanez

terça-feira, 28 de março de 2017

HAIKAIS


Do seio materno
goteja o leite aquecido...
Nascente de amor.

Querias um homem,
mas fazes de mim um deus
na cruz de teus braços.

Saciada de beijos,
entregas-me, enfim, a taça
do teu melhor vinho!

Soutien no leito...
Onde o refúgio dos pássaros
distantes do ninho?

Afonso Estebanez
HAIKAIS


Milagre da vida.
O sêmen alcança o óvulo.
O embrião, a luz!

Ceia de Natal.
Na cabeceira da mesa,
o lugar vazio...

Ah, de beijo em beijo,
quero ver onde vai dar
teu mapa de sardas...

Dorme... Os seios nus...
Pulsa uma cruz nos calvários
da minha paixão...

Plantando em teu corpo,
lanço sementes de beijos
no alto das colinas...

Afonso Estebanez 
HAIKAIS


Maktube... Atração
pelo amor que não se sabe.
Mas se reconhece.

Aquela libélula
pousada na orquídea roxa.
A mulher ausente...

Refúgio de lágrimas,
meu velho salgueiro ensina-me
a chorar sozinho...

Decepado o tronco,
o carvalho renasceu
em forma de berço.

Afonso Estebanez
HAIKAIS


Para que as flores
se me feres com espinhos
quando te dou rosas?

Ah, nunca dei rosas
sem ferir com os espinhos...
Celerado amor!

Deixa-me tocar
com as mãos a tua boca...
Eu sei colher rosas!

Pétala cor púrpura
no linho branco do leito...
O primeiro amor.

Afonso Estebanez
HAIKAIS


E a lua reflete
nas águas calmas do lago
um cisne de prata...

Deus pôs as estrelas
no céu... E quem pôs a lua
no fundo das águas?

Inverno... E ainda colho
no tronco daquele corpo
dois pomos maduros.

Teu aniversário.
As rosas são sempre iguais...
Porém, nunca as mesmas.

Afonso Estebanez
HAIKAIS


O menino morto.
A mulher tece o quimono
com fios de lágrimas...

Numa casa em Kioto.
A dor discreta... Na esteira,
o menino morto.

Sol nascente... As mãos
do dia vão desdobrando
a luz da alvorada...

Sol poente... As mãos
da noite vão redobrando
a luz do crepúsculo...

Afonso Estebanez
JUDAS


Os que venderam a fórmula
da bomba e da talidomida
mataram mais do que Judas
com o beijo da traição.

O Mestre expiou-se na forca,
mas os discípulos, não!

Os mercadores de armas
os caçadores de índios...
Todos renegam a forca.
Os sadânicos satãs
os fratricidas armados
os algozes travestidos
de juízes da multidão...

Todos mataram mais cristos
do que o mestre vendilhão...
Mas se passam naturalmente
por Judas – o bom ladrão!

Afonso Estebanez
(Poema dedicado à poetisa de Poetas Del Mundo
– MEG KLOPPER)

segunda-feira, 27 de março de 2017

A MAGIA DA EXPRESSÃO LITERÁRIA
OFICINA – MODULAÇÃO INTERATIVA - 13
*FASCINAÇÃO PELA DESCOBERTA DA POESIA*


Ouvi de uma ilustre amiga virtual: “Aprendi a gostar de poemas no dia em que percebi que era possível fazer poesia na prosa e que a poesia vai além daqueles versinhos que eu nunca gostei de fazer, quando as professoras da escola pediam. Poesia pra mim também é um jeito de ver a vida, uma maneira diferente e reveladora de entender (ou não) o mundo. Tem um livro do qual eu gosto muito que adverte: “Quando nem Freud explica, tente a poesia”, em que Ulisses Tavares seleciona poemas que passam por temas estudados pela psicanálise. É fascinante ver que, às vezes, mesmo antes da criação da psicanálise, os poetas conseguiam expressar em versos conceitos tão difíceis de entender racionalmente ou logicamente”. Uma poetisa, de quem prefaciei o primeiro livro de poemas, indagou-me sobre a arte de escrever sem medo: "NÃO SERIA EXATAMENTE ESTA A ESSÊNCIA DA ARTE DE ESCREVER (SEM MEDO), SEJA A COMUNICAÇÃO ENTRE NOSSO INCONSCIENTE (A CAVERNA) E AS EMOÇÕES NELE CONTIDAS E A VIDA CONSCIENTE E, POR CONSEGUINTE, O ATO DE ESCREVER EM SI? COMUNICAÇÃO ESTA QUE SE DÁ POR “BRECHAS" POR ONDE ESCAPAM NOSSAS SENSAÇÕES E ENCONTRAM A LUZ ONDE SE MANIFESTAM AS PALAVRAS ESCRITAS? A NECESSÁRIA INTER-RELAÇÃO ENTRE O MUNDO “ESCURO" DE NOSSAS PROJEÇÕES INCONSCIENTES E O MUNDO DA LUZ POR ONDE ESCAPAM EMOÇÕES, REPRESENTAÇÕES E IDEIAS?”... Isto mesmo! – uma atitude do potencial das forças interiores (inconscientes, psíquicas ou espirituais) que se materializa ‘conscientemente’ em espécie poética (propósito estético). Fazer poema não é um ofício de prerrogativa acadêmica. É uma ATITUDE DA INDIVIDUALIDADE HUMANA. É consequência da descoberta de si mesmo. Não é para ser discutido nem criticado, desde que a crítica é ‘julgamento de valores’, nem sempre objetivo. Os valores da renascença dos séculos XIV a XVI somente foram julgados e reconhecidos a partir da segunda metade do século XIX: Ernest Hemingway, Gertrude Stein, William Faulkner. S. Eliot, Virginia Woolf, James Joyce, Mário de Sá-Carneiro, Fernando Pessoa, Cesar Vallejo, Pablo Neruda, Franz Kafka, Marcel Proust ou Vladimir Maiakovski. Atitude!

Afonso Estebanez

domingo, 26 de março de 2017

VALSA DE VERSOS
(Hendecassilábicos)


Não quero uma valsa que seja plangente
que engana a nobreza se for orquestrada
mas quero uma valsa que seja indolente,
decerto ao compasso da pátria enlutada.

Se morto, eu espero o silêncio eloquente
do amor descontente da vida engessada,
nem quero uma valsa dançada por gente
de ação indecente em torpeza enterrada.

Sepultem meu corpo no outeiro das aves
sem valsa que imite seus cantos suaves,
e chega do estresse dos sonhos mortais.

Eu quero uma valsa embriagada de azul
da altura das nuvens do céu de Stambul
bem onde o infinito me alumbre de paz...

Afonso Estebanez

sábado, 25 de março de 2017

AMORES ADQUIRIDOS


Devo empenhar-me em declarar agora
meus direitos aos sonhos não remidos,
pomos maduros que inda há na aurora
dos meus jardins de amores já vividos.

São premissas de enlaces não havidos
canções que se calaram desde outrora
ou encontros de amor não prometidos
que não voltam ou nunca vão embora.

Reclamo as sensações da rosa ausente
no ocaso de minh’alma ainda prudente
de tal forma a aprazer-me de saudade.

Por fim, já ouço a derradeira orquestra
que aos sons dos violões numa seresta
talvez me encantem para a eternidade!

Afonso Estebanez
(Poema que dedico à minha irmã
guerreira Mary Stael Gracine)

TUDO MENTIRA - AMORES ADQUIRIDOS


sexta-feira, 24 de março de 2017

TUDO MENTIRA


Eu não fico de mal com minhas rosas
pois que é tudo mentira dos espinhos
que há na intriga das flores invejosas
das urtigas que beiram
meus carinhos.

É meu fado entre as flores amorosas
cuidar que os desencantos do jardim
reencantem-se das flores generosas
do canteiro de rosas
que há em mim.

Tudo mentira, as urzes são formosas
se como as rosas são compadecidas
da flor entre as escarpas pedregosas
do deserto de amor
de nossas vidas.

Afonso Estebanez
(Dedicado à minha querida e doce irmã
Vera Lúcia Stael Paris – Ver@ P@ris)

quinta-feira, 23 de março de 2017

PORTA DE SONHOS


Fiz uma porta de sonhos
com duas partes viradas 
para as portas do jardim 
os dias foram tamanhos
e de todos fiz os sonhos 
que vivi dentro de mim...

Naquelas partes viradas
para as rosas do jardim
inventei uma esperança
de viver de quase nada
e minha vida inventada
do nada restou assim...

A alma nua e penitente
com a calma da manhã
e a memória do jardim
no sonho da primavera
convivendo de quimera
as duas partes de mim...

Afonso Estebanez

quarta-feira, 22 de março de 2017

SONETO DA REMISSÃO


O anacronismo sempre foi uma bandeira
para os fleumáticos amantes da saudade,
a cortesã do saudosismo, a companheira
dos que perderam pela vida a mocidade.


Já não existem mais os pomos na videira
ainda imaturos consumidos por vaidade
e se admite então o quanto é verdadeira
a sintonia entre a velhice e a puberdade.


Nada se opõe a que viver seja passagem,
e que morrer se mostre parte da viagem
onde os idosos têm o ofício de aprendiz.


É imperioso o despojar-se dos passados
que melancólicos embora são versados
em impedir que a alma cante mais feliz.


Afonso Estebanez

terça-feira, 21 de março de 2017

MEU CANTEIRO DE SONHOS


Uma grande construção foi demolida
No canteiro de obras de minha vida...
Outra construirei ainda que pequenina
Naqueles traços deixados na despedida.


Entre trapos, farrapos e entulhos, 
Posso encontrar matéria prima... 
Começarei fazendo a reciclagem
Da alma acostumada com o clima
Das tarefas diáfanas das miragens.


Posso aproveitar o que sobrou de mim
E dar início a uma renovadora construção, 
Do jeito que me faça ainda ser feliz.

O aprendizado da experiência e do velho 
Sofrimento serão os meus instrumentos 
De superação da minha fase de aprendiz.


Recomeçar pelo alicerce, preparar o terreno, 
Novamente, aterrando, plainando onde a areia
Movediça um dia afogou-me os pés sem chão... 
Quero reconstruir na rocha para que os sonhos
Solidificados não possam desmoronar. 
Fortes colunas sobre o alicerce de minhas 
Decisões compostas de atitudes duradouras, 
Paredes que só guardem vozes sem chorar.

Minha sala terá um cantinho acolhedor
Com plantas orientais, anjos, duendes,
Uma pequena fonte com aves cantando
Ao redor das águas borbulhantes...
Aí vou receber os amigos, falar poemas
Desconhecidos e meditar sobre alguma
Coisa provável como a eternidade.


Erguerei um quiosque de verão com
Plantas exóticas de algum Éden que
Ainda não foi inventado nesta vida,
Terei um corredor com decorações de sol, 
Estrelas, astros, luas e asteróides nunca 
Dantes descobertos...


Não haverá desertos em meus projetos
De inocentes animais de estimação...
Os anõezinhos brincalhões conversarão
Ao redor da pequena piscina onde lírios
Dividirão comigo e meus amigos um drink
De orvalho como num brinde a todas
As manhãs que trazem sempre
Algum eterno recomeço...


Mary Lovely

(Em homenagem especial à poetisa autora,
em agradecimento à sua generosidade no
desenvolvimento do meu blogger)

Afonso Estebanez
A MAGIA DA EXPRESSÃO LITERÁRIA
OFICINA – MODULAÇÃO INTERATIVA - 12
*REPASSANDO ‘POEMA x POESIA’*


O estágio mais importante de nossos estudos iniciais nossos acompanhantes já devem ter alcançado: a CONSCIÊNCIA e o RECONHECIMENTO de que ‘Poesia & Poema’ são muito mais importantes do que as espécies, os gêneros ou as formas fixas que os possam identificar ou distinguir. Já elaboramos o mencionado Módulo 05 exatamente sobre o assunto levantado, que já foi postado. Mas são os Módulos 05/06 exatamente que têm a função de DESCOMPLICAR DEFINITIVAMENTE essa questão, mesmo que com as inevitáveis conceituações de ordem técnica. Após, nos embrenharemos no ‘sertão e veredas’ das milhares de formas – MILHARES MESMO – de ESCREVER POEMAS SEM MEDO. Temos lembrado que ‘poema e poesia’ estão quase sempre onde menos esperamos: num bilhete de despedida para o trabalho, numa redação escolar, nos olhos do sapo, numa florzinha do jardim, na sombra noturna de uma árvore, na brisa passageira, na água fervendo na panela, no barulho da vassoura recolhendo o lixinho do quintal... e, às vezes, até no ronco noturno da pessoa amada. Em tudo estão o poema e a poesia! Mas se essa ‘dupla’ divina estiver no seu atento coração, nada mais sublime. É só celebrar de forma que convença mais a sua própria alma do que a dos outros...

Afonso Estebanez
A METÁFORA PERDIDA


Uma simples figura de linguagem
teria transformado a minha vida,
não fora a destituição da imagem
da alma humana desconstituída.

Meu vício de empreender viagem
por milhares de autores repetida
coisificou meu ego e a mensagem
que se alinha à metáfora perdida.

Metáfora é um modo de entender
o que me diz do amor sem o dizer
a alma onde nada se há perdido...

Vê! a metáfora do amor responde
que o paraíso é um lugar de onde
eu nunca deveria ter saído!...

Afonso Estebanez
(Poema que dedico ao meu heterônimo
Julis Calderón d’Estéfan – 21.03.2017)
SORTILÉGIO DO POEMA


Aprendi com palavras a esculpir poemas
ainda que sensíveis ao primeiro instante
mas todas se jubilam cósmicas e plenas
e cada uma se proclama minha amante.

Aprendi a sonhar com palavras amenas
a dançar com palavras de povo distante
e aprendi a viver com palavras e tremas
as palavras inúteis da língua implicante.

E palavras são bússolas para-sensíveis
ao reconhecimento dos versos incríveis
os entes da magia de toda experiência.

Portanto, eu aprendi a contornar os rios
e a desassombrar o mar com os navios
e viver de sonhar à luz da consciência.

Afonso Estebanez

sábado, 18 de março de 2017

A CASA DE ENGENHO


Essa casa de engenho abandonada
guarda um segredo trágico de amor,
fora o final de uma paixão sangrada
segundo um rude escrito sem autor.

Notava-se que a noite amedrontada
num silêncio embuçava a etérea dor
se a morte dos amantes foi tramada
sem que do amor restasse desertor.

Todos da casa então foram embora.
Hoje é jazigo onde só vem a aurora
despertar do veneno seus amantes.

Ô cenário de amor shakespeariano
que mata por prazer ou desengano
e morre por impulsos provocantes!

Afonso Estebanez

segunda-feira, 13 de março de 2017

A MAGIA DA EXPRESSÃO LITERÁRIA
OFICINA – MODULAÇÃO INTERATIVA – 11
* UM PINGO DE “OS SERTÕES” *



UM PINGO DE “OS SERTÕES” – Mais do que um meticuloso resumo de autoria da notável professora, poetisa e escritora cantagalense Ruth Farah Nacif Lutterback, Um Pingo de “Os Sertões” supera a expectativa autoral de que o conteúdo desta obra significasse apenas mais uma vertente didática na introdução ao estudo de “Os Sertões” – essa inestimável herança cultural que o cantagalense *Euclydes Rodrigues Pimenta da Cunha legou à humanidade. Não se trata apenas de um “pingo” literário nos mares estagnados da literatura do pré-modernismo brasileiro. Porém, em se tratando de Euclides da Cunha, a iniciativa da professora Ruth Farah se transforma em ‘atitude-denúncia’ dotada de eficácia bastante a aumentar o volume do oceano cultural que banha os espaços continentais alcançados pela obra do autor de “Os Sertões”.

Estão aqui preservados a ordem do itinerário – A Terra, O Homem e A Luta – e a denúncia social, política, jornalística e antropológica dos contrastes culturais entre os dois “brasis” cruelmente revelados: o do sertão e o do litoral. Ruth Farah lança luzes sobre a crítica ao nacionalismo exacerbado da população litorânea que, cega para a realidade da sociedade mestiça produzida pelo deserto, agiu com ferocidade criminosa contra a própria raça: a autora chama a atenção sobre o grande tema de “Os Sertões” e sobre o tom crítico com que se analisa o que séculos de atraso e miséria são capazes de produzir em regiões geográfica e temporalmente separadas do resto do país – lideranças fanáticas, delírios coletivos e inconformismos sociais.

A intenção de Ruth Farah até poderia ter sido a de trazer a lume – numa síntese possível e fiel aos aplausos dos estudiosos – o somatório dos três elementos fundamentais da tragédia nacional que, jornalisticamente relatada por Euclides da Cunha nas páginas de “Os Sertões”, ainda hoje haveria de levar a consciência da sociedade brasileira ao patíbulo do tribunal de julgamento da História, por crime coletivo contra a humanidade. Aos nossos olhos, Ruth Farah o conseguiu ao expor, com transparência e evidente conhecimento de causa, os fatos, os importantes questionamentos e as grandes formulações sociológicas, antropológicas, históricas e políticas, para que compreendamos, com espírito mais crítico, o país de antes e de depois da República, segundo os embriões sócio-políticos revelados por Euclides através do processo de DENÚNCIA contra a realidade brasileira, então ainda deitada no berço esplêndido do romantismo decadente.

Da síntese da autora extrai-se ainda o que a partir de 1902 (publicação de “Os Sertões”) tornar-se-ia evidente na literatura brasileira, como os traços e condições reais do sertanejo, o ‘jagunço’, o ‘cangaceiro’, a ‘sub-raça’ do nordeste brasileiro: o herói determinista que resiste à tragédia de seu destino fatalista e irreversível.
É inevitável a constatação de que “Os Sertões” é uma das obras-primas da literatura brasileira. Como repórter de O Estado de São Paulo, Euclides da Cunha testemunhou a Campanha de Canudos, uma luta sangrenta contra os fanáticos que, chefiados por Antônio Conselheiro, ‘ameaçavam’ a segurança das povoações vizinhas. Mas em “Os Sertões”, admiráveis foram os estudos da terra e do homem do sertão nordestino, de suas ATITUDES na demonstração da capacidade de resistência.

A exposição de Ruth Farah deixa claro que “Os Sertões” foram uma obra que até hoje incomoda. Provoca e instiga. Estimula a pesquisa, a investigação da verdade, as reações contra o conformismo, as idéias de renovação de valores, os questionamentos político-sociais e a busca de soluções.

Estamos, assim, diante de um Euclides da Cunha cienticifista, historicista e naturalista – de um lado – que rompeu com o imperialismo literário da época – de outro lado – e, em suma, deu início a uma análise científica sem precedentes em benefício dos aspectos mais importantes da sociedade brasileira. Nossos incondicionais aplausos...

Afonso Estebanez
Cônsul de Poetas del Mundo para Cantagalo/RJ

*RUTH FARAH NACIF LUTTERBACK (1932-2017), mais conhecida apenas como Ruth Farah, escritora, trovadora emérita, professora e incentivadora da cultura regional, nasceu no município de Cantagalo-RJ em 11 de abril de 1932. Seus três amores culturais: Cantagalo, Educação e Euclides da Cunha. Já participou do Colóquio Internacional “Caminhos da Memória” e recebeu convite da UNESCO pela sua opinião sobre a Paz Mundial expressa em versos. Seu nome muito festejado se encontra em várias Antologias Literárias, entre as quais a “Devemos Ver com os Olhos Livres”, com destaque para “Um Pingo de os Sertões”, ressaltando a memória literária legada por Euclides da Cunha, obra lançada em 2009, com apresentação de capa pelo poeta e escritor  cantagalense Afonso Estebanez Stael, Cônsul de Poetas del Mundo em Cantagalo. Ruth Farah foi Delegada da UBT (União Brasileira de Trovadores) em Cantagalo. Faleceu em 21 de fevereiro de 2017 e continua sendo celebrada em todos os movimentos culturais promovidos na cidade.