sexta-feira, 20 de janeiro de 2017

CRÔNICA POÉTICA
DOS HERDEIROS DE GARVAIA
(Modo 1)



Vocal denan vocal
flan hyat sobremal
lãs cinch vacals te do:
a, e, i, o, u, so.

Hás de cantar á veira do rio,
ó son d’as olinas do campo frolido...

Cornet deu a Paay Charinho
passarinho trobador.

Muy sem vergonha irey per u for
ora com graça de vós, mya senhor.

Dom Diniz, oh lavrador!
Encheu o reino de cantar d’amigo
as midonetes de louçã senhor.
Encheu o Tejo e o d’Entre-Douro-e-Minho,
o Alentejo, a Península, a Ocitânia e o Pireneus...
Oh, Pireneus! Prazer-pesar morrer cantor:
– quer’eu em maneira proençal
fazer agora esse cantar d’amor!

Afonso Estebanez
CRÔNICA POÉTICA
DOS HERDEIROS DE GARVAIA
(Modo 2)



(Oh, Pireneus! Prazer-pesar morrer cantor:
– quer’eu em maneira proençal
fazer agora esse cantar d’amor!)

Encheu a Torre do Tombo
encheu a Torre de Pisa
a Torre Velha da outra Banda
encheu a Torre de Eiffel
mais a Torre de Belém...
Encheu a Torre de Londres
mais a Torre de Babel
e a Torre de Quixeramobim
(se é que havia torre de Quixeramobim)
e não havendo mais torre
nem na terra nem no céu,
encheu a Torre do Reino
que era Torre de Marfim...

Encheu de dobles mazdobles do bom riir
daquela grei
que El-Rei em trobas não sabia mais
ser rei:
– se fosse assi que ela veese
das que Alá sou, ca o non sey...

Afonso Estebanez 
CRÔNICA POÉTICA
DOS HERDEIROS DE GARVAIA
(Modo 3)



(– se fosse assi que ela veesse
das que Alá sou, ca o non sey...)

Froissart deu a Fernão Lopes
que passou para Deschamps
que passou para Boccaccio
que passou para Chaucer
que passou para Villon
que passou a Dom Manuel
que mandou passar a D(i)ante
o que dantes já sabia...

Raquel, Francesca... Quimera!
– Nessun maggior dolore
che recordarsi Del tempo
fellice nella miséria.

Ó naturaleza Del dire!
Ó Lauras! Ó Eneidas! Ó Beatrizes!
Amantes infelizes, posto que amadas,
Desamadas porém, pois que felizes!
O leito de Procusto, a língua e o látego.
A concepção mundana sublimada.
O parto natural, “la prima-donna”.
Umbral da renascença latinada...

Afonso Estebanez 
CRÔNICA POÉTICA
DOS HERDEIROS DE GARVAIA
(Modo 4)



(O parto natural, “la prima-donna”.
Umbral da renascença latinada...)

Petrarca estava no Lácio.
Tomara-lhe o laço Virgílio que roubou o sono de Horácio
que acordara Quintiliano que tirara Tito lívido
do dormitorium romano...
Pé de ouvido ouvira Ovídio
Tacitamente chamar a Tácito de cicerone de Cícero.
O que deu a Bessarion o contorno bizantim
do gazel do buono stil adornado de latim.

Langue d’oc! Oh, Bernardim!
Ó crisfalbernardimento!
Bom mesmo é botar na língua
um cantar de veira de rio
ó son d’as oliñas ó vento
rimas leixas no jardim...
Êh, esperança coisificada
do Eu virado pra dentro (doeu)
só contemplado por Mim...

Afonso Estebanez 
CRÔNICA POÉTICA
DOS HERDEIROS DE GARVAIA
(Modo 5)



... Falar de veira de rio
rir-beirão que se dizia
da língua que se falava
se falava e se entendia...

Bernardimente se ouvia
a quem gilvicentemente
falasse samirandando
e ouvisse ferreiramente:

– Floresça, fale, cante, ouça-se e viva
a portuguesa língua e, lá onde for,
vá senhora de si, soberba e altiva...

Afonso Estebanez 
CRÔNICA POÉTICA
DOS HERDEIROS DE GARVAIA
(Modo 6)



Cegado, “peregrino vago errante
vendo nações linguagens e costumes
céus vários qualidades diferentes”...

Arma virunque cano Troiae... pá!
Não que virasse o cano da arma... pá!
E virou a História como queria ao viraire o vira-vira
das páginas da Odisséia
e dividiu a crônica de El-Rei em aC. e dC.
Pelo Mártir do Góçgota... pá!

Viu o auto da barca do inferno do alto da barca.
Navegou do alto ao baixo Nilo sem o selo ou a alforria.
Perdeu-se no alto e no baixo meretrício do Bairro Alto.
Embebedou-se no Alto e Baixo Leblon dos goliardos turistóides.
Foi tentado 40 dias no Alto Pavão e 40 noites no Baixo Pavãozinho.
Conheceu a Cidade Alta e a Baixa do Sapateiro
E naufragou no extremo oriente da vida como quem recebe
a extrema unção,
porque era chegada a hora de pagar pedágio a São Tanáz
para escapar do barco que levava ao alto da boceta de Pandora.
Êta hora! Êta hora...

Afonso Estebanez 
CRÔNICA POÉTICA
DOS HERDEIROS DE GARVAIA
(Modo 7)


O gajo escreveu na guerra
o que homem nenhum logrou
escrever durante a paz...
Perdeu um olho na terra
porque enxergava demais.

? E si subesse da margarina
da carolina
da gasolina
da cocaína
da marijuana
da coca-cola
do macunaíma
da malunacama...

? E si subesse da veiby, a sol
veiby
veiby...

? E si subesse di sum paulo
? E si subesse da capei, a lua...
? E si tumasse um sorvete
? E si tumasse um pileque
daquela canção do roberto...
? E si subesse inglês
da américa do sul...
? E si subesse brasileirim
a praga tupiniquim...

? E si subesse da urticária do ortega...
? E dum andu-sarará da bolívia...
? E du pique-nique no pico de itabira
(na época havia pico de Itabira)
? E si subesse de mim...

upa-lelê
upa-lalá
believe or not, pá!...

Afonso Estebanez 
CRÔNICA POÉTICA
DOS HERDEIROS DE GARVAIA
(Modo 8)



Mas o provedor da Cochinchina
não tinha lá essa maturidade
aristocrítica
para saber se todo esse manancial
consumolingüístico
que faz da carta de Caminha
o melhor achabundismo nativista
já cultivado na terra do em-que-se-plantando-nela-
tudo-dá!...
– Até políticos bananas e alices...

A medo vivo, a medo escrevo, a medo falo,
a medo digo. Hei medo do que falo só comigo.
Mas inda a medo ciodo, a medo calo...


Afonso Estebanez 
CRÔNICA POÉTICA
DOS HERDEIROS DE GARVAIA
(Modo 9)



A boca não é cárcere da língua
nem os dentes muralha da palavra...
Oh, cantai! Mas não canteis apenas uma época,
que o tempo é a estalagem do futuro dissidente
onde tereis somente descoberto o caminho para a América.

Fui cúmplice de Laura nos triunfos de Petrarca,
de Tétis conheci o que de Eneida o Virgílio ignorava.
Eu amava Beatriz no leito de todas as mulheres
que a Dante contemplá-las era só o que bastava...

Mais louco do que Tasso tolerante como Gôngora divino como Herrera.
Mais sincero que Miranda mais puro que Anchieta e belo como Marini.
Mais humilde que Montaigne e sábio como Zurara
mais austero que Ferrera.
Corajoso como Bellay, paciente como Shakespeare e fiel como Guarini.

Se vos parece muito e preferis ser apenas um Restelo,
ao menos o estudo com o vosso desterro cumulado
deveis deixar em paz ao modernismo bem-te-vi
que o inexorável romantismo inda não é chegado...


Afonso Estebanez 
CRÔNICA POÉTICA
DOS HERDE IROS DE GARVAIA
(Modo 10)



Perguntai a Glauceste, a Daliana,
a Critilo, a Minésio, a Doroteu,
perguntai ao Gonzaga, a Juliana,
perguntai a Marília de Dirceu...

Sabei dos conjurados matastásios,
das nisas pastoris e alcimodontes,
se os ventos que bafejam estes vales
não bafejam primeiro o trás-os-montes?

Sim, que para lisonja do cuidado
testemunhas serão de meu gemido
este monte, aquele vale, aquele prado...

O negro a galope
atrás o chicote
seu grito de morte...
Meninos, eu vi!...

Eu vi o menino correndo...
Vi muitos e muitos galopes.
Vi o rei dar um golpe no tempo
e um trote no Solano Lopes...

Afonso Estebanez