terça-feira, 31 de janeiro de 2017

TRABALHO COMO ESCREVENTE DE PEQUENOS PRÍNCIPES


Crônica Vencedora do 1º Concurso Literário do Tribunal Regional do Trabalho da Primeira Região – TRT-Rio – Rio de Janeiro-RJ – julho/2007

Afonso Estebanez Stael

          Trabalho como escriturário de rua de pequenos príncipes. Escrevente juramentado da última página de vida das almas que emigram para além de onde os pássaros alcançam. Bastam-me uma pequena mesa e uma cadeira, numa beira de calçada, na esquina de uma avenida ou entre os canteiros de um jardim. Meu salário depende do tamanho da ventura que o tempo lhes reservou. Se tão breve como um leve aceno de adeus ou eterno como o perfume da brisa no crepúsculo...

          Ele era nosso velho juiz de paz. Nada tão breve nem mais eterno quanto um velho juiz de paz. Quando ele me pediu que redigisse aquela carta, sentei-me à sua frente e logo percebi que suas memórias se abriam como páginas de um livro de esperança, como o espírito de Marcos abriu-se em pergaminho para o novo testamento. Que meu trabalho, então, não precisava de mais nada merecer além do sopro criador de um acendrado agradecimento, rendido a título de remição de última vontade.

          Pequenos príncipes nunca pretendem de mim, mero escrevente do evangelho secreto das almas, desempenho que devesse ir muito mais além de onde os pássaros alcançam. Como nosso velho juiz de paz, eles esperam registro das coisas simples da vida como um caso de amor vivido para sempre. Era assim entre os antigos colonos da fazenda de meu avô. Lembrar-me destas coisas é mais do que reler as páginas desarquivadas de uma velha cartilha de alfabetização à luz da lamparina à querosene. Como acender com um tição o cigarro de palha no final de uma história debulhada à beira do fogão de lenha. Ou emprestar a montaria à noite para um mensageiro levar a notícia da passagem de um parente distante que morreu em pleno estágio terminal de uma saudade. E sempre havia nisso uma sensação de recompensa como a do velho jardineiro que não necessita de que as rosas lhe agradeçam.

          Ele apenas queria que eu redigisse aquela carta.  Era muito pouco para quem testemunhou as aventuras e desventuras da desvairada geração de 30. Para quem aquele tempo não deu muita chance de sacar seu lenço branco no último duelo ao pôr-do-sol do estado novo. Para quem ajudou a tomar a si a honra do martírio pessoal da emancipação daquele pequeno município, atordoado ainda pelo doping-crack da burguesia cafeeira. Para quem, no celibato das honrarias pessoais, rendeu-se ao ímpeto de abrir os braços no alto da montanha e esbravejar ao vento da integração política para que soprasse a favor de nossas esperanças. No tempo em que fazer política por aquelas bandas era como engrossar fileiras de alguma cruzada santa para receber a bênção papal na clandestinidade.

          Deixei-me ficar ali parado, perplexo, ouvindo e registrando atentamente o segredo daquela receita de extremado afeto caboclo-português. Era tão pouco o que eu podia fazer ao pé daquela gigantesca sequóia de sabedoria emigrada por instinto de além-mar até nosso desconhecido santuário de palmeiras onde canta o sabiá. Ele queria apenas que eu redigisse aquela carta, para agradecer a tantos quantos a ele mais deviam. A ele, que até aquele certo dia de certo mês de algum certo ano passado, ainda ignorava que a ponte de safena que lhe introduziram no peito foi para conter a torrente de solidariedade que lhe transbordava o coração, aonde vinham matar a sede os iniciados do apego às grandes causas do amor ao próximo, os colegiais da educação política de resultados coletivos e os neófitos da consagração pessoal através do aplauso popular discreto e silencioso. Ele, que por isso mesmo foi recuperado, porque nasceu com a alma vestida de cabelos brancos, para trazer para nossas vidas o destino dos grandes sacerdotes.

          Desde as épocas jamais remotas aquele pequeno príncipe foi o melhor guardião de vinte e quatro horas por dia que a cidadela da liberdade já aplaudiu. Sua única obra múltipla nasceu perpétua como um testemunho bizantino para a História. No alto das colinas de nossas esperanças, ergueu aquela cruz de braços abertos para os quatro horizontes de nosso verde vale. Para iluminar mais longe do que os faróis de todos os depois de amanhãs...

          Talvez seja por isso que aquela espécie de seringueira florescida no marco inicial de nosso itinerário simbolize um estágio primário da vida além da morte. Bem mais além de onde os pássaros alcançam. Onde o sangue alviverde das amazônicas não se ressente do holocausto apocalíptico. Onde as flores selvagens submetidas na mortalha do inferno prematuro cumprem seu destino inexorável de renascer entre os espaços dos paralelepípedos.

          Foi assim que pude ver o meu pequeno príncipe pela última vez. Caminhando como um flamboyant multiplicado ao longo daquela rua. Cabelos brancos, distribuindo cumprimentos e versículos proféticos de vida eterna ou jogando amarelinha de afeto público no seu mais íntimo parque infantil. Ele e sua bengala curvada ao peso daqueles bem vividos oitenta e oito anos.

          Mas ele só queria que eu redigisse aquela carta. Que acabei não redigindo. Não tive como desincumbir-me daquele encantamento. Acho que não deu tempo de me contar tudo sobre todos os dias de solidariedade que nos dedicou e que Deus, para marcar as suas obras, fez de prata cada fio de cabelo com que ele distribuiu a todos nós a sua paz.

          Um de nós desistiu. Tenho que fui eu.  Não estive mais com ele. Nem ele a mim me procurou. Penso que simplesmente aconteceu. E é esta agora a única maneira que me acudiu de levar a termo a redação daquela carta, numa escritura que não podia pertencer apenas a alguns. Mas a todos nós...


          Afinal, somos todos responsáveis por aquilo que cativamos. Exupéry diria que o personagem que me gratificou com o salário desta crônica era um desses pequenos príncipes que regressou ao seu planeta de origem. Levado pela revoada dos pássaros selvagens. No dia em que isso aconteceu, soubemos que nosso pequeno príncipe aproveitou para evadir-se, pássaro selvagem que emigrou....

segunda-feira, 30 de janeiro de 2017

DUETO DE CONCEPÇÃO DA FLOR


Sob o viço do amor pelo amor pressentido
de súbito veio à luz das entranhas do nada
a semente da flor de um amor não perdido
no rescaldo das cinzas da chama apagada.

Talvez de algum deserto ainda não sabido 
por nós dois percebido ao final da jornada 
a semente brotou como o sonho cumprido
desde a aurora do outono da vida passada.

E em silêncio morremos com esse segredo
convertendo paixões num ritual sem medo
até que a flor se exulte eterna na alvorada

Até que o passamento ao fim seja sem dor 
enquanto a exaltação da morte seja o amor
que se ufana de amar tua alma apaixonada!


Afonso Estebanez & Analuz Carvalho
(Concebido em 29/01/2017)

sábado, 28 de janeiro de 2017

MEUS ANJOS FALAM

Quando meu anjo te fala
teu anjo fica em silencio.
Quando meu anjo se cala
teu anjo fala o que penso.

Quando teu anjo me fala
meu anjo fica em silencio.
Quando teu anjo se cala
meu anjo fala o que penso.

Tudo o que teu anjo fala
meu anjo fala em silêncio.
Cada anjo então se cala
para falar o que penso.

Tudo o que meu anjo fala
teu anjo fala em silêncio.
O anjo que então se cala
é o que fala o que penso.

Anjos são dois dialetos
de uma única linguagem
quando falam dos afetos
no silêncio da mensagem.

Eles são esses dois lados
das canções e seu cantor
que juntos falam calados:
“Como te amo, meu amor!”.

Afonso Estebanez
FLAGRANTE DE AMOR


Quantas vezes fui pecador reincidente
ao me flagrar à sós na beira do oceano
exilado no hospício do amor penitente
da paixão delinquente sem fito profano.

Frequentemente a vida me julgou insano
se eu tentava vencer a morte subjacente
no condoente funeral de um desengano
que se cria nascer do amor sobrevivente.

A sós eu cria ser minh’alma esse deserto
na linha do horizonte cruelmente incerto
para espalhar aos ventos os delitos meus

e eu nem mesmo podia cogitar que assim
o exílio voluntário desse amante em mim
era uma forma de falar a sós com Deus!...


Afonso Estebanez
(Carinhosamente dedicado à amiga
Lenice Ebert Maziero, por mérito).

‘DOCEPOEMA’:
UM TRIBUTO A CORA CORALINA


Eu sou o amor fiel das coisas simples
das conversas da brisa com a aurora.
Os realces dos brilhos sem requintes
que há nos rubis dos brincos 
das amoras...
E eu sou a flor servil daqueles pomos
que saciam os sonhos das quimeras,
os frutos de verão dos meus outonos
entre o último estio 
e as primaveras...
Guardo no corpo de jardins agrestes
as linhas de um poema à flor da pele 
escrito pelas mãos do amor silvestre
para que em mim o amor
mais se revele...
Fiz com saudade a ponte da subida
deixei rosas na encosta das colinas.
Com coisas simples confeitei a vida
na doce lida de ser 
Cora Coralina...

Afonso Estebanez
(Dedicado à comunidade *Poemas à Flor
da Pele* - Ger. Poetisa Soninha Porto/BR)
DEPOIS DA FESTA



É preciso, pelo menos uma vez na vida, 
ser o último a deixar a festa... 
Dispensar os convidados antes de chegar a aurora. 
Exorcizar os aposentos com galhinhos de arruda. 
Desligar o som, fechar janelas e cortinas, 
desenlaçar os reposteiros, 
varrer da memória a algazarra das crianças 
na calçada... 
Dissipar o perfume das adolescentes. 
Dispensar as frivolidades dos últimos abraços. 
Recolocar no jarro aquela rosa 
que esqueceram sobre a mesa. 
E, finalmente, quando a noite 
trouxer de volta o silêncio numeroso, 
apagar definitivamente a luz... 
Depois dormir... 
Sonhar... 
Despertar... 
Viver... Viver...
Depois dormir... 
E morrer... Como quem morre
definitivamente... 
Para não incomodar 
ninguém...

Afonso Estebanez
CAMINHANDO COMIGO


Se minhas rosas não ouvirem mais
o que delas compus como canção,
é tempo de convir que estes sinais
são contornos finais de uma ilusão.

Vou levando nos sonhos terminais
restos mortais das luas sem clarão 
dessas noites já mortas nos beirais
do alpendrado sem luz do coração.

Jamais fui nada além de jardineiro.
Nunca me vi além de meu canteiro
que ao invés de martírio foi paixão.

Peno de minhas rosas indo embora
vou caminhar sozinho pela aurora, 
que andar sozinho não é solidão!

Afonso Estebanez

terça-feira, 24 de janeiro de 2017

FIINDA DE AMOR À PAAY CHARINHO



Eu, senhor, d’amor coitado
por voss’alma fremosia
foi de tan enamorado
qu’eu chorand’assi dizia:

Suidade, suidade minha,
quando, quando vos veria?

Procurei-te pelos montes
pelas grutas santuários...
(dedos aflitos nas contas
profanas de meus rosários)
Ai, Deus! as águas das fontes
como as ninfas flutuantes
choravam nos estuários...

Quem viss’assi com’eu vi
com tal coita e tan velia,
ness’amor que padeci
de mi (n) tormenta diria:

Alma gêmea de mi (n)’alma,
quando, quando vos teria?

Mays estaveis na cidade
que dos campos não se via
no asfalto da puberdade
dos anjos da mais-valia...
Ai, Amanda de Saudade,
minha vasta claridade
aos poucos se apagaria...

Fremosura d’alvorada
mui louçana senhor mia
e tan muit’enamorada
que, partind’assi dizia:

Barqueiro do meu destino,
quando, quando vos veria?


Não enquanto morra tanta
a esperança conselheira
dos enforcados na ponta
do pau-brasil da bandeira...
Ai, cruzado em terra santa
o Amadis não se alevanta
de chorar a companheira!

Senhor mia, fin rosetta,
non me metta em romaria,
tanto amor em Leonoreta
de suidad’eu morreria...

Que baixinho perguntava:
quando, quando vos veria?

O remate da cantiga
foi à fonte e logo vem,
que cantiga sem remate
já nenhuma graça tem...

Dess’amor de mim senhor,
tendes voss’essa meestria...
Mas a vós, senhor, d’amor!
quando, quand’eu vos teria?

Afonso Estebanez

segunda-feira, 23 de janeiro de 2017

NÃO ACORDEM MINHA MORTE


Não acordem minha morte
que descansa adormecida.
E que à alma não importe
se a morte é sono da vida.

Minha carne não acordem
e nem do sangue exaurido
o fluído que em desordem
deixa-me o corpo esvaído.

Deem pó para minh’alma
que de mais nada precisa
senão do canto da calma
que de amor não agoniza.

Não acordem minha vida
que está só desacordada 
e que a alma amortecida 
só me acorde despertada.

E da morte não desperte
a minh’alma adormecida
e da vida ainda me reste
o outro lado desta vida...

Afonso Estebanez

domingo, 22 de janeiro de 2017

FLAGRANTE DE AMOR IMPRÓPRIO


Quantas vezes fui pecador reincidente
ao me flagrar à sós na beira do oceano
exilado no hospício do amor penitente
da paixão delinquente  sem fito profano.
 
Frequentemente a vida me julgou insano
se eu tentava vencer a morte subjacente
no condoente funeral  de um desengano
que se cria nascer do amor sobrevivente.
 
A sós eu cria ser  minh’alma esse deserto
na linha do horizonte cruelmente incerto
para espalhar aos ventos os delitos meus
 
e eu nem mesmo podia cogitar que assim
o exílio voluntário desse amante em mim
era uma forma de falar a sós com Deus!...
 
Afonso Estebanez
(Carinhosamente dedicado à amiga
Lenice Ebert Maziero, por mérito).

sábado, 21 de janeiro de 2017

MEESTRIA A LEONORA DE PROENÇA
(Cantiga de Amigo)



Um dia brisa no campo
um dia a asa no vento
enviei meu pensamento
ferido de desencanto...

Leonora, Leonora,
ess’amor assi non fora
qu’outro bem me fora tanto?

Uma vez brisa soprada
uma vez asa partida
minha ilusão tam velida
voará desencontrada...

Leonora, min tormenta!
Non torn’ess’amor qu’eu senta
em coita tam desamada...

Leonora, eu cuidaria
desse amor com tal desvelo
qu’outro bem pra merecê-lo
de ser mor que o meu teria.

Mays se vós visseis, Senhor,
com tal coita mia dor,
dess’amor vos morreria...

Quanto mais a dor doesse
mais esse amor veveria...

Afonso Estebanez
(Do livro Antologia Poética do
Grupo Salina de Niterói – 1969)
ONDE VIVEM AS CANTIGAS



Preciso de que me fales
onde guardas o silêncio
o mistério guarda onde 
os segredos do relento
e na brisa destes vales
preciso de que me fales
das horas de desalento

e que luz veio do olhar
onde vive o teu silêncio
no segredo da alvorada
da brisa solta no vento
é preciso que me digas
onde vivem as cantigas
já perdidas pelo tempo

será no choro dos rios
nas flautas anoitecidas
nas ameias das garoas 
na saudade da partida
é preciso que aconteça
e o amor ainda mereça
retornar à minha vida.

Afonso Estebanez
(Poema dedicado à poetisa 
Clau Assi )

sexta-feira, 20 de janeiro de 2017

CRÔNICA POÉTICA
DOS HERDEIROS DE GARVAIA
(Modo 1)



Vocal denan vocal
flan hyat sobremal
lãs cinch vacals te do:
a, e, i, o, u, so.

Hás de cantar á veira do rio,
ó son d’as olinas do campo frolido...

Cornet deu a Paay Charinho
passarinho trobador.

Muy sem vergonha irey per u for
ora com graça de vós, mya senhor.

Dom Diniz, oh lavrador!
Encheu o reino de cantar d’amigo
as midonetes de louçã senhor.
Encheu o Tejo e o d’Entre-Douro-e-Minho,
o Alentejo, a Península, a Ocitânia e o Pireneus...
Oh, Pireneus! Prazer-pesar morrer cantor:
– quer’eu em maneira proençal
fazer agora esse cantar d’amor!

Afonso Estebanez
CRÔNICA POÉTICA
DOS HERDEIROS DE GARVAIA
(Modo 2)



(Oh, Pireneus! Prazer-pesar morrer cantor:
– quer’eu em maneira proençal
fazer agora esse cantar d’amor!)

Encheu a Torre do Tombo
encheu a Torre de Pisa
a Torre Velha da outra Banda
encheu a Torre de Eiffel
mais a Torre de Belém...
Encheu a Torre de Londres
mais a Torre de Babel
e a Torre de Quixeramobim
(se é que havia torre de Quixeramobim)
e não havendo mais torre
nem na terra nem no céu,
encheu a Torre do Reino
que era Torre de Marfim...

Encheu de dobles mazdobles do bom riir
daquela grei
que El-Rei em trobas não sabia mais
ser rei:
– se fosse assi que ela veese
das que Alá sou, ca o non sey...

Afonso Estebanez 
CRÔNICA POÉTICA
DOS HERDEIROS DE GARVAIA
(Modo 3)



(– se fosse assi que ela veesse
das que Alá sou, ca o non sey...)

Froissart deu a Fernão Lopes
que passou para Deschamps
que passou para Boccaccio
que passou para Chaucer
que passou para Villon
que passou a Dom Manuel
que mandou passar a D(i)ante
o que dantes já sabia...

Raquel, Francesca... Quimera!
– Nessun maggior dolore
che recordarsi Del tempo
fellice nella miséria.

Ó naturaleza Del dire!
Ó Lauras! Ó Eneidas! Ó Beatrizes!
Amantes infelizes, posto que amadas,
Desamadas porém, pois que felizes!
O leito de Procusto, a língua e o látego.
A concepção mundana sublimada.
O parto natural, “la prima-donna”.
Umbral da renascença latinada...

Afonso Estebanez 
CRÔNICA POÉTICA
DOS HERDEIROS DE GARVAIA
(Modo 4)



(O parto natural, “la prima-donna”.
Umbral da renascença latinada...)

Petrarca estava no Lácio.
Tomara-lhe o laço Virgílio que roubou o sono de Horácio
que acordara Quintiliano que tirara Tito lívido
do dormitorium romano...
Pé de ouvido ouvira Ovídio
Tacitamente chamar a Tácito de cicerone de Cícero.
O que deu a Bessarion o contorno bizantim
do gazel do buono stil adornado de latim.

Langue d’oc! Oh, Bernardim!
Ó crisfalbernardimento!
Bom mesmo é botar na língua
um cantar de veira de rio
ó son d’as oliñas ó vento
rimas leixas no jardim...
Êh, esperança coisificada
do Eu virado pra dentro (doeu)
só contemplado por Mim...

Afonso Estebanez 
CRÔNICA POÉTICA
DOS HERDEIROS DE GARVAIA
(Modo 5)



... Falar de veira de rio
rir-beirão que se dizia
da língua que se falava
se falava e se entendia...

Bernardimente se ouvia
a quem gilvicentemente
falasse samirandando
e ouvisse ferreiramente:

– Floresça, fale, cante, ouça-se e viva
a portuguesa língua e, lá onde for,
vá senhora de si, soberba e altiva...

Afonso Estebanez 
CRÔNICA POÉTICA
DOS HERDEIROS DE GARVAIA
(Modo 6)



Cegado, “peregrino vago errante
vendo nações linguagens e costumes
céus vários qualidades diferentes”...

Arma virunque cano Troiae... pá!
Não que virasse o cano da arma... pá!
E virou a História como queria ao viraire o vira-vira
das páginas da Odisséia
e dividiu a crônica de El-Rei em aC. e dC.
Pelo Mártir do Góçgota... pá!

Viu o auto da barca do inferno do alto da barca.
Navegou do alto ao baixo Nilo sem o selo ou a alforria.
Perdeu-se no alto e no baixo meretrício do Bairro Alto.
Embebedou-se no Alto e Baixo Leblon dos goliardos turistóides.
Foi tentado 40 dias no Alto Pavão e 40 noites no Baixo Pavãozinho.
Conheceu a Cidade Alta e a Baixa do Sapateiro
E naufragou no extremo oriente da vida como quem recebe
a extrema unção,
porque era chegada a hora de pagar pedágio a São Tanáz
para escapar do barco que levava ao alto da boceta de Pandora.
Êta hora! Êta hora...

Afonso Estebanez