sexta-feira, 13 de novembro de 2009

ALLEGRO MA NON TROPPO

ALLEGRO MA NON TROPPO

Fica a paz de um canto triste
dos riachos que vão embora,
vem a tarde e o canto insiste
nos meus ouvidos de aurora.

Resta uma chama encostada
numa sombra sem memória,
fica a noite e um quase nada
do que fora a minha história.

Não sou mais aquela infância
debruçada em teus terraços...
Vais!... E deixas a Esperança
desmaiada nos meus braços.

O homem nasce e vira glória
quando é pedra e vira a flor:
Deus então mais comemora
quando é barro e vira amor.

Afonso Estebanez

RANCORAMOROSAMENTE

Se tiveres que passar
pela porta de minha vida,
não o faças indiferentemente.
Faze-o rancoramorosamente
e deixa-me algo que pareça paz
ou coisa menos ou mais eterna
do que a aurora de um sorriso.
Se for uma hora de despedida
que seja vestida com a ternura
do arco-iris de purpurina
do colo de uma flor.

Deixa-me alguma coisa
como lembrança de partida.
Se possível, deixa-me o amor
martirizado pelo espinho
da extrema felicidade
com que (não mintas)
sempre sonhei.

Pelo tamanho da minha dor
talvez tu sintas o tamanho
do amor com que te amei...

Afonso Estebanez

ABRIR OS BRAÇOS NÃO BASTA

Não adianta só abrir os braços
para o mundo e uivar ao vento
como lobo num cio sem razão.

Isso é somente abrir os braços
para o mundo e uivar ao vento
como lobo num cio sem razão.

É necessário fechar os braços
ao redor dos próprios abraços
numa oferta própria da razão.

Abrir os braços para o mundo
e fechar com o amor profundo
do abraço no próprio coração.

Afonso Estebanez

CORPO A CORPO

CORPO A CORPO

Na escalada de teu corpo
bem no cume das colinas
me descanso no conforto
com que tu me desatinas
num abismo de cavernas
com orifícios em chamas
nas profundezas eternas
onde sei que tu me amas
e que escalas minha vida
como flores transalpinas
como quem espera a lida
nas janelas das neblinas.

Afonso Estebanez

Canto Só

Canto Só

Chorei tanto
desencanto
que o canto
só por pena
se espantou
e do pranto
pelo quanto
por encanto
toda a pena
me levou...

Afonso Estebanez

CANÇÃO RITMADA

CANÇÃO RITMADA

Não basta ser uma pétala,
é preciso ser a flor: a face
do lírio é a parte desperta
da face da aurora coberta
de partes da festa da flor.

Não basta o flerte da rosa
sem a volúpia da flor: ser
uma rosa é ser uma fome
desse amor que consome
e vive em nome do amor.

Não basta uma ideologia,
é urgente que haja amor:
o amor doido fado magia
profundo como uma rosa
e simples como uma flor.

Afonso Estebanez

A CANÇÃO DE BÁRBARA

A CANÇÃO DE BÁRBARA

Vou percorrer os corações
até onde suporta a espera
essa busca de explicações
para o estio da primavera.

Espero que não seja culpa
o que de ti me leva ao céu
restando da vida tão curta
só um barquinho de papel.

A ti privaram dos sentidos
a mim da doação humana,
do juízo os casos perdidos
e da luz o brilho na lama...

Eis ainda há lírios e rosas
o campo verde de alecrim
há a ternura das mimosas
do perdão dentro de mim.

Afonso Estebanez

ANIVERSÁRIO

ANIVERSÁRIO

Hoje eu quero de presente
as perdas que nós tivemos
daquele encontro marcado
a que não comparecemos.

As marcas dos nossos pés
naquela estrada impedida,
os rumos daqueles passos
que jamais demos na vida.

O sonho que nem tivemos
e o que temos sem querer
ao acordarmos de sonhos
que sonhamos sem saber.

Ternuras para o consumo
das nossas almas abertas
ao instinto mais profundo
de nossas vidas desertas.

Ô! rosa que não me deste
esta flor ausente em mim
ô! o crepúsculo apagando
tão cedo no meu jardim...

Afonso Estebanez

MEU SER EM CONSTRUÇÃO

MEU SER EM CONSTRUÇÃO

Os meus sonhos de criança
(andorinhas das campinas)
eu deixei na minha infância
entre as pedras das colinas
mas ficou o contentamento
de lembrar da voz do vento
nos bailados das cortinas...

De mim mesmo o lavrador
fui como o cabo da enxada
cujo horizonte era o chão.
Fui meu próprio professor,
e aprendi que toda escada
tem os passos da alvorada
para o ser em construção.

Aprendi a escrever versos
e a espalhar o azul no céu
feliz dos sonhos dispersos
entre as nuvens de papel.
Deus então fica com pena
e me sopra algum poema
com gosto de flor de mel.

Afonso Estebanez
(Para Julis Calderón d’Estéfan
*a minha mais feliz contradição humana*)