domingo, 13 de novembro de 2016

MORRER... SÓ AMANHÃ!

Se eu tiver que morrer amanhã
que te seja uma simples magia. 
Pois a aurora precede a manhã
e morrer nunca morre num dia.

E não leves memórias carpidas
nem saudade de vidas futuras,
nem lamentes as horas vividas
com a perda de tuas venturas.

E me cubras de rosas banidas
e me tenhas a dor dos aflitos.
A mentira das balas perdidas,
a justiça sem lei dos malditos.

Só amanhã é que devo morrer.
Que te seja de morte sem dor,
e me levem o teu bem-querer
e os espinhos feridos de amor.

Se eu tiver que viver amanhã
que te seja de amor e magia! 
E o nascer anteceda a manhã
e amanheça a vereda do dia!

Afonso Estebanez
(Uma homenagem a Mary Correia 
pelo seu aniversário – Set.20.2008) 
BREVES VARIAÇÕES PELAS RUAS DO CARMO
Viagem num sonho parado
um pouso do céu sobre a terra
um raio de luz numa sombra
momento de paz numa guerra.

Antiga lembrança encontrada
cantiga-de-roda no vento
a flor embutida nos lábios
da amiga que volta do tempo.

Igreja esculpida nas nuvens
no prumo de etéreo compasso
deixando no traço uma nave
singrando o oceano do espaço...

Por entre desvãos de arvoredos
as casas num cais de fachadas
são como alvos barcos deixados
ancorados pelas calçadas...

Janelas fechadas são livros
abertos de lendas antigas...
Memórias de amor relembradas
de histórias há muito esquecidas. 

Nos muros de musgo encrostados
esparsos gradis de coral
ao longo das rotas das ruas
submersas num tempo irreal.

Os sinos vassalos das horas
ressoam nos vãos das neblinas
tangendo marolas de nuvens
sem rumo por sobre as colinas...

Afonso Estebanez Stael
HORIZONTE DA INFÂNCIA


Construo um navio com nuvens da infância
e meu sonho navega num céu de saudade.
O sol colhendo amoras no sítio da alvorada
um velho engenho recendente da garapa 
jorrando da moenda de aroeira adocicada.

As batidas inocentes pelos clarões do céu
e as colinas de assa-peixes floreando paz.
As quaresmeiras roxas, os ipês frondosos
a sombria constância das estradas baldias 
os capoeirões dos carrancudos cambarás.

O canto triste dos carros-de-boi cá dentro
do meu peito onde escuto bater a solidão 
das porteiras dos apriscos de minha alma
de plantão no abismo da doce melancolia
que assiste o fazendeiro do meu coração.

Construo um navio com nuvens da infância
e meu sonho navega num céu de saudade.
Do murmúrio infantil das águas cristalinas
do crepúsculo nas calmarias do horizonte 
por onde fluem os ribeirões da liberdade.

Afonso Estebanez
GRAÇA DESMEDIDA

Contemplo o meu jardim
como se fosse pela última vez... 
E me comove o instinto daquela 
pequenina flor se abrindo para o céu 
como um pedacinho de arco-íris
bebendo no ribeiro da alvorada 
a primeira gota de orvalho 
da manhã sobre a ravina 
derramada.

Procuro entender a minha vida
segundo aquela demonstração
de milagre pelo poder da graça 
sobre a simplicidade às vezes 
não percebida.

O relógio não faz tempo
mas o tempo se eterniza
nesse milagre de amor:
pode a flor passar no vento
mas fica o aroma da brisa
e o encanto de uma flor.

Desistir de mim – repenso – 
por causa de um desamor,
se a pequena flor do campo
Deus jamais abandonou?
Então me visto de encanto
com o manto daquela flor...

Dueto de Sueli Amália (Poetisa das Marés)
& Afonso Estebanez.
FACES DA LIBERDADE

Perder a sensação de ver a luz.
O jeito certo de viver por mim.
Ou perder os lugares onde pus
o meu direito de pensar assim.

O mundo é isso aí: amor e cruz
e vaidades na torre de marfim!
Da liberdade apenas nos seduz
esse canto de rosas no jardim.

Perder momentos de felicidade
é não ouvir cantar a primavera
na brisa fria da razão sem voz.

E se dá por perdida a liberdade
se o medo de viver virar a fera 
que se regala de viver por nós.

Afonso Estebanez
(Dedicado ao notável poeta e amigo
Manoel Virgílio Pimentel Côrtes)
ENTRE LUZ & SOMBRAS

Coloco-me de costas para o sol nascente
a sombra me vai só na via da lembrança
e o meu amor vai só na alma indiferente
jacente na canção remota da esperança.

Lembro de sonhos do futuro no presente
de reviver amores que o esperar alcança
das rosas fugidias de um jardim ausente
a despeito dos amanhãs em abundância.

A noite é feita de uma luz remanescente
a beirada da aurora é que me recomeça 
pela estrada de volta para o meu futuro.

Vaga-me a alma pelos restos do poente
chegar é só o sonho para quem começa 
e começar é conseguir andar no escuro. 

Afonso Estebanez
(Dedicado ao notável poeta
Jenário de Fátima) 
ENTRE GÉRBERAS E ROSAS

Nunca deixes de olhar para tua flor
com o encanto das aves retirantes
ainda que em sonho te pareça dor
a dor do olhar doído dos amantes.

A flor traz sensação de ver o amor 
da gávea numerosa dos mirantes:
as flores são teus barcos ao sabor
das razões infinitas dos instantes.

Faze de ti como te cuida o artífice
que te faz renascer do apocalipse
ao plano de desconhecida esfera:

um canteiro de gérberas benditas
e os arco-íris de estradas infinitas
entre as rosas de tua primavera...

Afonso Estebanez 
ENIGMA DE ME VOLTAR

Talvez eu volte corrimão de rios tortos
por onde vem beber a lua amedrontada...
Espírito cantor dos pássaros já mortos
sob os destroços de uma flor inacabada...

Caravelas de nuvens como pressupostos
do transporte por céu da luz embriagada...
Quiçá refaça-me de restos recompostos
com os pedaços de minha alma fatigada...

Talvez eu venha como o ser e a solução
como ave presa na lembrança da canção
ou como flores despojadas num jardim... 

Talvez eu volte com um coração enfermo
e tente a morte retirar-me de mim mesmo
mas só eu mesmo posso me tirar de mim...

Afonso  Estebanez 
DEPOIMENTO DA ROSA

Não deixo minha rosa consternada
só porque meu amor ama indeciso
as rosas quase nunca pedem nada
senão o que ao amor
ao amor seja preciso...

O que dizem as rosas de uma rosa
colhida a mais formosa do jardim?
O que faz uma flor mais venturosa
ser tão bela e morar
aqui dentro de mim?...

Só porque me angustio de alegria 
não deixo minha rosa entristecida
vai a noite e na aurora vem o dia...
Não existe ir embora
na paixão pertencida
e na flor minha rosa
vai viver toda a vida...

Afonso Estebanez
(Homenagem especial à amiga
Dulce Jacob Genari – “Luamor”)
DE ALMA PARA ALMA
Deixa a alma debruçada na janela
quando tiveres que sair sem mim,
que é da alma colher a primavera
das janelas que dão para o jardim.

Tolera esse desígnio que carrego
de me esquecer da alma na saída 
eis que a alma não é sapato cego
nas pedras de tropeço desta vida.

Se tiveres que te perder de amor
a alma certamente o há de saber
como sente o perfume a sua flor
que por isso não pode se perder.

Se tu voltares lívida de mágoas, 
nossas almas encontrarás assim:
imagens refletidas sob as águas
do lago mais sereno do jardim...

Afonso Estebanez
(Poema dedicado a Sueli Amália
– a talentosa “Poetisa das Marés”)
DA ALMA FEMININA

Deixa a alma espalhar-se pelo vento 
deixa o tempo perder-te onde quiser
deixa a brisa seguir teu pensamento
e a menina encontrar-se na mulher.

Aos látegos do mar o sonho acalma
aos espinhos do só o bem-me-quer
se tu ficas no campo e pões a alma
naquela rosa em que te vês mulher.

Perder-me em ti o teu amor ensina
e tanto vou perder-me onde puder
o quanto houver tua alma feminina
de ser deusa com alma de mulher.

Afonso Estebanez
CANÇÃO PARA MONICA
O poeta é quem se alegra
de não estar indo embora
com a alma sobre a pedra
sentada à beira da aurora.

Um poeta é feito de brisa
com pedaços de alvorada
que da aurora ele precisa
sem que precise de nada.

O poeta é a parte da vida
reencontrada na quimera
de uma flor despercebida
de uma antiga primavera.

Ai da perda mais perdida!
Ai, alma de amor repleta!
Ai, razão incompreendida 
em minha alma de poeta...

Um poeta é uma metade
do amor que sonha viver 
como faz minha saudade
com saudades de te ver...

Afonso Estebanez


(Dedicado com carinho à notável poetisa
Monica Yvonne Rosemberg – membro da
Academia Brasileira de Poesia – 7.24.08)
CAMPO DE MEDITAÇÃO

As estradas que sempre iam,
continuam indo, a despeito de mim 
que por hora estou voltando... 

Mas quando não houver
mais estradas para quem vai,
suave será a caron a dos riachos
que são estradas feitas de lágrimas
de saudade dos amores viajados.

Continuarão, como os dias e as noites,
na direção do reino do nunca mais...
E como as rosas num leito de orvalho,
é possível que eu me reencontre comigo
em qualquer curva do crepúsculo 
para o vasto espanto das manhãs
que terei deixado para trás...

E não posso evitar que seja assim:
as estradas levando a memória
do quanto eu ando de rosas
nas veredas do meu jardim...

Afonso Estebanez
(Poema dedicado à notável amiga 
Kátia Caetano – “Kátia Pérola”)
CAMINHO DE CHÃO

Minha vida foi de pedra
meu caminho foi de chão
batido no leito seco
dos rios sem direção...

Não tive nenhum destino
nem o quis saber em vão
senão o rumo das pedras
do meu caminho de chão.

Fui timoneiro de nuvens
naveguei a solidão
nas pedras da calmaria
do meu caminho de chão...

Minha vida foi de pedra
meu caminho foi de chão
como sombra fugidia
da esperança sem razão.

Fui profeta de meus sonhos
sem nenhuma explicação
como uma esfinge de pedra
no meu caminho de chão.

Uma flor qualquer no vale
um som qualquer de canção
são restos de minha vida
no meu caminho de chão...

Afonso Estebanez
BELOS & FERAS


Fui presidir um ciclo de 
debates sobre as causas 
dessa violência urbana 
friamente analisada sob 
a ótica imparcial dos que 
passaram os dois terços 
da vida com o traseiro 
colado nas mais baixas 
almofadinhas dos hotéis 
de luxo da mais alta 
baixaria...

Cordialmente me deram
o apelido de ser humano!
Hahahahahahahahahaha...

Não foi pior do que dar 
no cão danado um porre 
de água de matar a sede
da hidrofobia como uma
alternativa dos patéticos
disfarces das panteras...

Se ao menos isso me faz 
de lobisomens solidários
animais domésticos
em vez de feras...

Afonso Estebanez
BARCAROLA

Era um reflexo de prata
de dançarina a bailar
na superfície das águas
das águas frias do mar...

Era uma nau desenhada
pelas mãos da preamar
na superfície das águas
das águas frias do mar...

Quanto mais a treva fria
encobria a luz do mar,
era luz feita das águas
impossível de apagar...

E nem a nave de guerra
que foi deixado passar
apagou a luz das águas
refletida sobre o mar...

Era luz, não se apagava
com as ressacas do mar,
já que era luz refletida
não deixava de brilhar...

Eram milhares de flores
de luz nas ondas do mar 
no jardim frio das águas
embriagadas de dançar...

Era a luz de minha vida
que a noite quis apagar...
Deixei meu sonho então
espalhado sobre o mar...

Afonso Estebanez
BALA PERDIDA

Bala perdida não é a bala alojada
no corpo insepulto sobre a calçada. 
Essa é a bala encontrada...

Bala perdida não é a bala encontrada
enquanto, indiferentes, prosseguimos
agradecidos a Deus por ter sido o outro,
a vítima do acaso na hora errada.
Essa é a bala revoltada... 

Bala perdida não é a que nos dispensa 
da prestação da solidariedade humana 
por causa de um trato feito com Deus, 
que nem se lembra de nenhum trato
firmado com hora marcada. 
Essa é a bala contornada... 

Bala perdida não é a que nos dá tempo
de fechar um negócio irrecusável 
num jantar beneficente oferecido 
por uma sociedade filantrópica
oficialmente licitada...
Essa é a bala desprezada...

Nenhuma bala é a perdida,
pois é o nexo dos extremos.
Quando ela abate uma vida,
todos nós é que morremos!

Afonso Estebanez

AMOR DE CORPO INTEIRO
Desejo teu amor de corpo inteiro
o amor da lua cheia sobre o mar
de alfazemas no cio campineiro
da sementeira
prenhe do luar...


Navegar é o ofício do barqueiro
dos mares do desejo de te amar
conhecer os segredos do roteiro
por onde o amor
precisa navegar...


Aceito o amor servil do cativeiro
das virgens medievais para adorar
nas alcovas profanas do mosteiro
ao sacro ritual
sobre um altar...


Professo o amor fiel do romanceiro
que em teu ventre me faça cavalgar
tal como um confidente cavaleiro
cavalga estrelas
para te encontrar...


Por teu amor meu anjo mensageiro
vem de um tempo remoto te buscar
e proclamar meu lado companheiro
de te fazer amor
para sonhar...


Quero fazer amor de corpo inteiro
exaurir-me em teus braços e pensar
que ainda sou teu último e primeiro
amor que padeceu
para te amar...

Afonso Estebanez
(Poema dedicado a Maria da Guia Correia Lima),

de inspiração nos princípios da cultura cigana,
ao lume da fidelidade, do amor e da liberdade)
         (setembro 2007) 
"ALMA DE ORKUT"
Todos os dias são meus dias de manhã 
e toda face são meus olhos nas janelas
algumas delas como as flores da romã
coroam-se do amor fiel das cinderelas...

Minhas almas virtuais das primaveras
meus amores dos ontens reinventados
ressurreição dos sonhos das quimeras
sexo de scraps dos sentidos intocados...

Ô, sorrisos perfis da nova renascença 
corpos d’arcos triunfais da esperança
olhos verdes nos ramos da inocência
ou deuses imortais da minha infância...

Ôrkut! olhar de encantos deflagrados 
em janelas online como o sol na flor...
Quero essa luz de amigos encantados
entre as faces cosmográficas do amor...

Afonso Estebanez
(Poema dedicado aos Poetas Del Mundo) 
A ALMA SONHA SOZINHA

Anda a minh’alma sonhando
tão sozinha e acompanhada,
que às vezes vivo pensando
que a alma sonha acordada.

Mas sonhar é um fio d’água
que sozinho entrega ao mar
muitos afluentes de mágoa
que se escoam sem passar.

Sejam simples como a flor
que sonha sonhos calados
dos que perecem do amor
dos sonhos não realizados.

Somos a curva da estrada
dos sonhos que vão além:
sonhar sozinha sem nada
é tudo o que a alma tem...

Afonso Estebanez