sábado, 28 de janeiro de 2017

MEUS ANJOS FALAM

Quando meu anjo te fala
teu anjo fica em silencio.
Quando meu anjo se cala
teu anjo fala o que penso.

Quando teu anjo me fala
meu anjo fica em silencio.
Quando teu anjo se cala
meu anjo fala o que penso.

Tudo o que teu anjo fala
meu anjo fala em silêncio.
Cada anjo então se cala
para falar o que penso.

Tudo o que meu anjo fala
teu anjo fala em silêncio.
O anjo que então se cala
é o que fala o que penso.

Anjos são dois dialetos
de uma única linguagem
quando falam dos afetos
no silêncio da mensagem.

Eles são esses dois lados
das canções e seu cantor
que juntos falam calados:
“Como te amo, meu amor!”.

Afonso Estebanez
FLAGRANTE DE AMOR


Quantas vezes fui pecador reincidente
ao me flagrar à sós na beira do oceano
exilado no hospício do amor penitente
da paixão delinquente sem fito profano.

Frequentemente a vida me julgou insano
se eu tentava vencer a morte subjacente
no condoente funeral de um desengano
que se cria nascer do amor sobrevivente.

A sós eu cria ser minh’alma esse deserto
na linha do horizonte cruelmente incerto
para espalhar aos ventos os delitos meus

e eu nem mesmo podia cogitar que assim
o exílio voluntário desse amante em mim
era uma forma de falar a sós com Deus!...


Afonso Estebanez
(Carinhosamente dedicado à amiga
Lenice Ebert Maziero, por mérito).

‘DOCEPOEMA’:
UM TRIBUTO A CORA CORALINA


Eu sou o amor fiel das coisas simples
das conversas da brisa com a aurora.
Os realces dos brilhos sem requintes
que há nos rubis dos brincos 
das amoras...
E eu sou a flor servil daqueles pomos
que saciam os sonhos das quimeras,
os frutos de verão dos meus outonos
entre o último estio 
e as primaveras...
Guardo no corpo de jardins agrestes
as linhas de um poema à flor da pele 
escrito pelas mãos do amor silvestre
para que em mim o amor
mais se revele...
Fiz com saudade a ponte da subida
deixei rosas na encosta das colinas.
Com coisas simples confeitei a vida
na doce lida de ser 
Cora Coralina...

Afonso Estebanez
(Dedicado à comunidade *Poemas à Flor
da Pele* - Ger. Poetisa Soninha Porto/BR)
DEPOIS DA FESTA



É preciso, pelo menos uma vez na vida, 
ser o último a deixar a festa... 
Dispensar os convidados antes de chegar a aurora. 
Exorcizar os aposentos com galhinhos de arruda. 
Desligar o som, fechar janelas e cortinas, 
desenlaçar os reposteiros, 
varrer da memória a algazarra das crianças 
na calçada... 
Dissipar o perfume das adolescentes. 
Dispensar as frivolidades dos últimos abraços. 
Recolocar no jarro aquela rosa 
que esqueceram sobre a mesa. 
E, finalmente, quando a noite 
trouxer de volta o silêncio numeroso, 
apagar definitivamente a luz... 
Depois dormir... 
Sonhar... 
Despertar... 
Viver... Viver...
Depois dormir... 
E morrer... Como quem morre
definitivamente... 
Para não incomodar 
ninguém...

Afonso Estebanez
CAMINHANDO COMIGO


Se minhas rosas não ouvirem mais
o que delas compus como canção,
é tempo de convir que estes sinais
são contornos finais de uma ilusão.

Vou levando nos sonhos terminais
restos mortais das luas sem clarão 
dessas noites já mortas nos beirais
do alpendrado sem luz do coração.

Jamais fui nada além de jardineiro.
Nunca me vi além de meu canteiro
que ao invés de martírio foi paixão.

Peno de minhas rosas indo embora
vou caminhar sozinho pela aurora, 
que andar sozinho não é solidão!

Afonso Estebanez