terça-feira, 11 de abril de 2017

SONETO À MODA DO ABERDEEN


Nem do vão tombadilho o manso pegureiro
Nem o expungir do sangue escravo da memória
Nem o calar dos ferros no convés negreiro
Nem o silêncio tetro nos porões da História...

Nem mesmo ao fogo-morto o buzo do terreiro
Nem a oblação de Roma em toda a sua glória
Nem Prometeu remido ao brado condoreiro
Nem a paixão do Gólgota de amor à escória...

Nem as vozes d’América pelo infinito
Nem o condor do céu mandando um novo grito
Nem a dor de Ahasverus fausta de perdão...

Nem que algum dia o próprio Deus ouça e responda
Não haverá embuço que a vergonha esconda
Depois de cinco séculos de escravidão...

Afonso Estebanez
(Numa homenagem a Castro Alves)
CICATRIZES


Perdi de há muito a última quimera.
Jaz no relógio o outono que passou,
nem mais sinto sinais de primavera
nos desertos do inverno que restou.


A esperança não é nenhuma espera,
o horizonte é distante de onde estou
como a morte que não se desespera
insepulta a esperar por quem ficou.


Das cicatrizes ficam-me as ternuras
das paixões suavemente ressentidas
de pecados de amor não cometidos.


Só Deus sabe de quantas amarguras
hei me restar sangrando sem feridas 
dos funerais de sonhos não vividos...


Afonso Estebanez – 20-06-2016