quinta-feira, 20 de novembro de 2008

VOZES E ESTRELAS


VOZES E ESTRELAS

Ah, como poeta
eu tenho, Senhora,
perdidos meus olhos
na viagem noturna
de tantas estrelas...
Mas diga, Senhora,
que estrelas são essas
na luz dos teus olhos?
Seriam perguntas?
Irei respondê-las?
Que estrelas são essas,
são essas estrelas
de vagas promessas?
Responda, Senhora,
que estrelas são essas?

Tenho na alma milhões de madrugadas
levo músicas dessas nunca ouvidas e outonais...
Mas só não sei que vozes serão essas
que em tua boca são gotas musicais...

Responda, Senhora,
que vozes são essas
tão meigas na boca?
Reflexos celestes
de ânsias atrozes?
Que vozes são essas,
serão essas vozes
de vagas promessas?
Senhora, responda,
que vozes são essas?

A. Estebanez

SONHO ANDARILHO


SONHO ANDARILHO

O sonho é o andarilho da memória
e minha alma é apenas sua estrada
onde o amor recomeça a trajetória
por atalhos de acesso sem entrada.

Nem sempre há personagem numa história.
Nem sempre uma lembrança é relembrada.
Mas quase nunca o pesadelo é uma aurora
para alguns sonhos dissipados na alvorada.

Ai de mim, tua rota de lembrança...
Ai de ti, meu roteiro de esperança
remida pelo olhar dos passarinhos...

Contorno os rios tortos e consulto o mapa
para chegar, inda que morto, àquela etapa
onde morrer seja melhor em teus carinhos...

A. Estebanez

SUAVE É A ESPERA...


SUAVE É A ESPERA...

Deixa tua alma numa rosa
e um sonho no amanhecer
para ver minha esperança
que hoje espera te rever...

Tu não precisas do tempo
quando o amor acontecer.
O amor te chega na brisa
quando o sonho alvorecer.

Deixa o coração na porta
e um arco-íris no jardim...
A esperança se comporta
como flor dentro de mim.

Que suave é toda espera
para quem quer renascer
num sonho de primavera
que renasce sem morrer...

A. Estebanez

“SPLEENBORED”


“SPLEENBORED”

Chorar por todo o bem que se perdeu
choro por mim que se perdeu de mim
por quem eu fui que nunca aconteceu
o mesmo que sou eu chorando assim.

Chorar por quem até já me esqueceu
chorar por nada, ah! nem é tão ruim!
Chorar só por chorar também sou eu
desde o início dos meios de meu fim.

Então me deixem bêbado de espanto
desse mar na ressaca de meu pranto
que essa paixão é amor em desatino.

Ô, me deixem chorar por minha rosa
e pensar que o orvalho é a lacrimosa
semente de esplendor de seu destino...

A. Estebanez

SONETO DE SAUDADE


SONETO DE SAUDADE

Em minh’alma chove tanto
que não há como esconder
entre os olhos tanto pranto
que meu pranto faz chover...

Por encanto ou desencanto
em minh’alma é anoitecer
com saudade do teu canto
no encanto do amanhecer...

Num jardim sem claridade
mora em mim tua saudade
com o meu modo de viver...

E a saudade não consegue
esquecer que me persegue
para eu nunca te esquecer...

A. Estebanez

ALEGRETO


ALEGRETO

não é festa
ou romaria
ou sombra
virando luz
na fogueira
do clarão...

é a noite
chegando
cedo para
o baile de
verão...

A. Estebanez

O ASTRONAUTA


O ASTRONAUTA

10...9...8...7...6...5...4...3...2...1...0...
Sobre o veludo negro do infinito
em argilácea pedra de brilhante
a Terra dos Homens era azul...
Eu quis comunicar-me com o mundo
por que a grande resposta estava nele
(meu corpo poluía o firmamento
e quebrava a harmonia do Cosmo)
por que não tinha sentido conquistar
além-de-nós a flor que prova a vida.

Mas os Homens só escutam o que querem
e a vasta câmara cósmica do vácuo
repelia meu corpo estranho e sestro
de impuras ambições desintegradas.
E o estado-puro do espaço-nada
coibia-me o plano da conquista,
sendo o infinito é a total ausência
da noção que nos faz deuses,
sendo escravos.

Eu não devia nunca ter partido
com grave densidade de memória
sobre guerras miséria e desamor.
Eu devia fingir não-ser humano
para enganar a Deus que o amor habita,
mesmo na argila que se via ao longe
no conjunto harmônico do Universo:
origem da vida azul envolta
em nebulosa branca de paz
(ou num crepúsculo de sangue).

Queria dar a grande resposta,
mas sempre há torres mudando a trajetória.
A guerra é campo de gravidade
do planeta Morte
onde se cumpre em noites e sombras
o claro sol das manhãs
e ventres geram centauros
e mercenários defecam ouro
no nome monstro de Deus.

Mas era impossível.
(No espaço a Terra girava
a fome numa redoma
e o coração se esquecia
de que era festa em meus olhos).
O contato estava interrompido.

E enfim cheguei à vida e ao pericíntio.
Pisei cascalhos penetrei cavernas
transpus em vão agudas cordilheiras
e tudo eram silêncio amargo e nada
como um sapato vazio na janela do Natal.
Enclausurada nessa ausência cósmica
das indevidas invasões armadas
fui cidadela super-habitada
por invisíveis monstros abissais...

Estava aí que a Liberdade
é poder escutar uma canção...

E o mundo mudo-de-amor já falava
em “flor espacial” que tudo prova (!).
Por isso caminhei sobre as feridas
de um campo estéril de só flores mortas.
Vi purulentas chagas de crateras
segregando poeira e me prostrei
sobre as cinzas dos “Ai de vós Jerusaléns!”

Mas eu queria a flor que alucinava
esses sarcófagos humanos,
a rosa filha do fogo e da água
a prova científica do amor
resposta para a fome dos irmãos.

Não era flor o que eu queria
– era o Universo.
E essa rosa só existia
na argila azul do infinito.

Reverti os motores e a vida
no corredor de entrada dos dias
e assim que amerissei no azul regaço
da prostituta que chamam de Esperança,
a humanidade toda estava dentro dela
e seu olhar morria como a luz desiste
de brilhar no céu da guerra contra a flor
que além da Terra não existe.

Em suma, eu vos devolvo o mapa simples
do amor que se debruça em sua espera.
Dou-vos ferida a carne para o corte
e a fronte ao golpe da sabedoria.
Necessária a inocência dos cordeiros
pelos caminhos da resposta exata.
Somente com os pés sobre o seu chão
e quando a argila não cheirar à guerra
e a flor voltar a ser apenas flor
é que seremos DEUSES sobre a Terra.

Afonso Estebanez
(Prêmio “Troféu Casimiro de Abreu” do II Torneio Nacional da Poesia Falada –1969 – Governo do Estado do Rio de Janeiro – Secretaria de Educação e Cultura – Departamento de Difusão Cultural)

A ALMA SONHA SOZINHA


A ALMA SONHA SOZINHA

Anda a minh’alma sonhando
tão sozinha e acompanhada,
que às vezes vivo pensando
que a alma sonha acordada.

Mas sonhar é um fio d’água
que sozinho entrega ao mar
muitos afluentes de mágoa
que se escoam sem passar.

Sejam simples como a flor
que sonha sonhos calados
dos que perecem do amor
dos sonhos não realizados.

Somos a curva da estrada
dos sonhos que vão além:
sonhar sozinha sem nada
é tudo o que a alma tem...

Afonso Estebanez