quinta-feira, 27 de novembro de 2008

AMOR SAPIENS (Cena I)


AMOR SAPIENS
(Cena I)

Sinto por ti
o instinto selvagem dos rios
que percorrem a orla dos campos
e se perdem nas densas florestas
como reflexos do sexo no corpo.

Por mais que tu insistas
em desvendar o curso de minhas águas
jamais saberás onde cantam as nascentes
nem onde arrulham os seixos das fontes
nem onde as vertentes
conversam com o vento...

Nunca saberás do meu concerto de flautas
nos bambuzais nem dos bailes nas ramagens
onde os pássaros inventam
a linguagem do amor...

Nem de onde vem nem para onde vai
a brisa que te afaga sem que te percebas
cativa de uma paixão pressentida...
Mas te resta a memória perdida
entre as cinzas de uma flor...

A. Estebanez

AMOR SAPIENS (Cena II)


AMOR SAPIENS
(Cena II)

Por mais que tentes abrir as janelas
de minha vida, não verás senão fragmentos
de antigas auroras no crepúsculo de mim...
Ou de estrelas cadentes que se removeram
da via-láctea de meu destino desdobrado
em direção a horizonte nenhum...

Tudo o que sabes de mim
é o que pensas que sabes de mim.
Se me tiras o que te não dou, tiras somente
aquilo com que ficas. E o que tiras não é o amor
que permanece como o eco sufocado
na garganta da montanha...

Não podes tirar-me esse amor andarilho
que vaga noite e dia no meu vasto coração.
Não podes tomá-lo de meu peito!
Eu sou parte da comunhão dos pássaros
que tu apenas sabes de algum tempo
e nada mais...

Eu sou o reencontro
e sou o desencontro
e sou aonde vais...

A. Estebanez

AMOR SAPIENS (Cena III)


AMOR SAPIENS
(Cena III)

Vejo as flores se abrindo para o sol
e as sombras que as acolhem, nada mais.
E falo com as reses à beira do caminho
e converso com as árvores e o vento
que me respondem quando passo
e os cumprimento...

É por ti, mas não de ti
esse pressentimento de estar em mim
um pastor de sonhos que se realizam
na canção de um regato entre folhagens
na pequenina flor cativa de um abismo
ou no múltiplo instante da germinação
das orquídeas que ornam meu jardim...

O que levas de mim não está naquilo
que tuas mãos alcançam!
E o que tuas mãos alcançam não está
na ânsia de alcançar...O que não levas
de mim é o que está consubstanciado
no incógnito perfume de uma sombra
ou no código não decifrado na memória
da arrebentação da brisa nos canaviais
ou dos sonhos que de manhã
já não te lembras mais...

A. Estebanez

AMOR SAPIENS (Cena IV)


AMOR SAPIENS
(Cena IV)

Não é verdade o que te dizem
as palavras que eu te não disse.
O travesseiro que à noite dividimos
não guarda vestígios de meus sonhos emigrados.
Por trás de cada porta devassada de meu sono
há sempre outra ainda não ultrapassada
como horizontes sucessivos das manhãs
que o sol deixa intocadas...

E tu me amas como tens amado
a todos os teus amores através de mim...
Então eu sou o cordeiro de tuas culpas,
remidas na ternura onde germinam as sementes
que meus impulsos desesperados derramam
nas veredas secretas de tuas pastagens
de amor comprometido...

Tu me acolhes em tuas entranhas
e eu me vejo renascer num pomar de romãs
onde o canteiro de teu sangue ameniza
com flores de antecipada primavera
o outono de meu sonho não cumprido...

A. Estebanez

AMOR SAPIENS (Cena V)


AMOR SAPIENS
(Cena V)

... E no entanto, sei tudo de ti
como sei de teus segredos obscuros
revelados através da escura sombra
de teus amotinados pesadelos...
Com quem andas, com quem te perdes
com quem te encontras
para te desencontrar...

Sei tudo de ti...
Como a luz do sol o sabe de sua flor
oculta em cada canto do jardim...

O meu amor contudo
é como o gamo assustado
que sempre procura o abrigo
nos bosques de teu ventre...
Ô, alcova que me aquece!

Vencido o imenso vale da noite,
emigrará nos claros raios da aurora
deixando a relva quente e macia
como lembrança de um sonho
que o tempo adormece...

A. Estebanez