terça-feira, 1 de novembro de 2016

‘Rosas de Sarom’ por quê?

‘Sarom’, que em hebraico (shãrôn)
significa ‘planície’, referindo-se, antigamente,
à maior parte da região costeira semidesértica situada ao norte da Palestina, antes densamente coberta de carvalhos é,
hoje, principalmente ao sul, um dos mais ricos distritos agrícolas de Israel, coberto de plantações de bosques e pomares verdejantes destinados ao cultivo de flores
e frutas cítricas, em que predominam
os densos laranjais.

No passado, ao norte,
Sarom era uma região pantanosa
com esparsos vales por onde escoavam
pequenos riachos entre vegetações rasteiras
e dunas de areias avermelhadas do deserto, formando
um grande cinturão de terras inapropriadas à povoação. A leste da planície, nos sopés das colinas samaritanas, situava-se Socó, centro distrital sob o domínio de Salomão e antiga sede dos reis vassalos derrotados por Josué. Ao sul, entre Lode e Ono, situava-se o ‘Vale dos Artífices’, para onde acorriam os hebreus exilados que regressavam do
cativeiro na Babilônia. Segundo a tradição, cobria
o vale o ‘esplendor’ da densa vegetação que
servia de pastagens aos rebanhos
do rei Davi.

Entendo pois
– sem divagações místicas –
que a ‘Rosa de Sarom’ referida
por Salomão em seus ‘Cantares’ (2:1-3)
era uma figura de linguagem que o sábio
poeta do antigo testamento usava para comparar
a formosura de sua mulher amada com o esplendor
jacente da região sul de Sarom, até porque, a despeito
da beleza dos ‘pastos verdejantes’ (alfombras) a que
Davi se referia no Saltério (Sl 23), as únicas flores
de coloração avermelhada (a cor da sensualidade)
que abundavam sobre aqueles verdes prados de
vegetação rasteira eram as anêmonas,
os botões-de-ouro, as tulipas e as
papoulas. As ‘rosas-de-sarom’
não são, do ponto de vista
da botânica, as ‘Rosas de
Sarom’ da lira
de Salomão.

Com meu canto, pois,
eu celebro as ‘Rosas de Sarom’
– o mistério do amor encarnado
em todas as flores que, como as rosas,
constituem o símbolo nuclear do instinto
humano mais sublime, por acaso sobrevivente
em nossos corações transformados em desertos
inapropriados ao cultivo do supremo dom do amor.
Assim são minhas ‘Rosas de Sarom’, premonições
poéticas da possibilidade de amor e justiça afetiva
entre os espinheiros, as urzes e as sarças
atrofiadas de nosso coração deserto...

Afonso Estebanez Stael 

ÚLTIMA ROSA DE SAROM

Além dos muros do meu coração aberto
os cantares das rosas que plantei no pó
são sensações da primavera no deserto 
aquém dos muros dos jardins de Jericó.

E sou a Rosa de Sarom em teu desperto
coração tão infenso ao estar morto e só
em que se cumprirá o antigo manifesto
das rosas castas dos jardins de Jericó... 

Bendito quem deixou as trevas pela luz
por ter plantado rosas no lugar da cruz
entre os canteiros dos jardins de Jericó

de onde a última Rosa de Sarom voltou
para ascender ao Pai a rosa que restou 
além dos muros dos jardins de Jericó... 

Afonso Estebanez 

DÉCIMA ROSA DE SAROM

No princípio era a Rosa concebida
pelo Verbo da luz que está na flor
e era a rosa uma luz além da vida
no princípio da luz além do amor.

Toda Rosa é de origem conhecida
da vida onde não mais o desamor
e onde jamais a flor incandescida
dos roseirais onde floresce a dor.

Como sinto a saudade antecipada
do perfume das rosas em jornada
para a futura esfera de meu ser...

Eu tenho da verdade esta certeza
como tenho da rosa sobre a mesa
o encanto do condão de renascer.

Afonso Estebanez 
NONA ROSA DE SAROM
Eu vivo como quem nas pétalas das rosas
transcreve um êxodus de roseirais em flor
onde as fugas de amor por vias dolorosas
conduzem rosas para um canaã de amor.

O encanto da paixão por vias espinhosas
entre as rosas não é mais símbolo de dor
onde os lírios da fé são flores milagrosas
da Rosa de Sarom em todo o resplendor.

Faço de rosas o óleo santo das candeias
que faz fluir a lume o sangue pelas veias
a estes jardins em festa no meu coração.

Todo o que crê nas rosas nunca morrerá
que a primavera é o jeito do que nascerá
de crer na rosa muito mais que na razão!

Afonso Estebanez 
OITAVA ROSA DE SAROM
É preciso enxergar com a visão da aurora
os canteiros de luz nos olhos da alvorada
e crer que as rosas estão lá antes da hora
como servas das antecâmaras da amada.
 
É preciso convir que não existe o outrora
que rosas sempre têm a brisa perfumada 
no topo do futuro que foi sempre o agora
como o êxtase da primavera despertada.

Rosas são infinitas como é a minha fome 
do amor eterno que me vive tão profundo
que já nem pode me deixar sem padecer. 

Eu vivo pela dor que meu amor consome
na luz de minhas rosas únicas no mundo 
que me resgatarão da morte se morrer...

Afonso Estebanez

SÉTIMA ROSA DE SAROM

Minha sétima rosa é a última que a vida
fez na memória do deserto deslembrada
de que no mundo toda flor é concebida
para lembrar de uma verdade revelada.

A verdade da rosa é a aurora resumida
em primavera do deserto sem ter nada
eis que do nada cada rosa é presumida
como uma dádiva profana consagrada.

E Deus é pompa pela tua circunstância
de ser amada com amor em abundância
por esse meu amor inculto de aprendiz.

Mas a sétima rosa induz-me o coração
a reduzir todo esse amor numa paixão
que faz de mim o teu amado mais feliz.

Afonso Estebanez 
SEXTA ROSA DE SAROM
O enigma da rosa é o mero instinto
que simples faz supor ao jardineiro
ser um dom penetrar-lhe o labirinto
dos instintos das flores do canteiro.

Minha rosa, porém, eu a pressinto,
pois ela é luz da paz do candeeiro:
chama infinita pelo amor que sinto
como o aroma num doce cativeiro.

As Rosas de Sarom são as feridas
curadas pelo amor de muitas vidas
que as lágrimas transiram pela dor.

Mas hoje renascidas dos martírios,
são rosas recatadas como os lírios
dos jardins replantados pelo amor.

Afonso Estebanez

QUINTA ROSA DE SAROM

Não procurem a rosa pelo céu noturno
onde a luz das estrelas mais brilhantes
é mera imagem no horizonte taciturno
da miragem mais ilusória dos amantes.

As rosas são onipresentes no diuturno
exercício de amar no fio dos instantes.
As rosas nunca têm o espírito soturno
desses invernos já remotos e distantes.

No coração deserto as rosas não estão 
e nem dos cânticos das filhas de Sião,
até o santuário edênico do Hermom...

E nem nas tendas amorosas da ilusão.
Mas é nas fendas do sagrado coração
que todo amor é uma Rosa de Sarom!

Afonso Estebanez
QUARTA ROSA DE SAROM
Porque eu exalto o amor de minhas rosas
o amor por minha amada exulta em mim.
Porque malgrado as flores mais formosas
só a minha rosa é eterna em meu jardim.

Pois que o louvor do gamo às venturosas
servas chega em meus vales num clarim,
trago assim das vertentes mais rochosas
minhas rosas com ungüentos de alecrim.

Hoje eu sei me encontrar sem me perder
morrendo em teus caminhos sem morrer
porquanto és minha amada e pertencida.

Que eu te pertenço como um sonho vivo
pertence aos sonhos que me dão motivo
para que eu morra em mim por tua vida.

Afonso Estebanez
TERCEIRA ROSA DE SAROM
É doce quanto o sonho de ser procurado
 meu sonho mesmo tardo de te procurar.
É eterno como o fado de ser encontrado
sob o peso do fardo de não te encontrar.

O evangelho das rosas me traz revelado
que o mistério do amor é o único pomar
onde uma lágrima é um fruto maturado
que flui da alma da saudade de te amar.

Meu coração ainda é recâmara de amor
e tâmaras entre os racimos de ternuras
que te ofereço pelo amor além do mito.

Ô, toda rosa amada! aflito é o desamor
que não revive de saber das amarguras
que o limite da minha rosa é o infinito...

Afonso Estebanez 

SEGUNDA ROSA DE SAROM
Já contei muitas vidas de braços abertos
 inaugurando na alma as tuas primaveras
revividas nas flores dos jardins desertos
onde te resto como lírios entre as heras.

Aqui estou apascentando os teus afetos
como pastor do sol no vale das esperas
onde conduzo rosas em jardins abertos
a claros vales verdejantes de quimeras.

Rosas são páginas escritas de carinhos
registradas nas pétalas pelos espinhos
do meu secreto descaminho da paixão.

E rosas vivem pelo dom da eternidade
das minhas rosas no finito da saudade
onde repousa a rosa do meu coração.

Afonso Estebanez 

PRIMEIRA ROSA DE SAROM

Tão triste é tu encontrares um amor
tão triste que não pode te encontrar
tão vasto como o aroma de uma flor
dispersa na lembrança sem lembrar. 

Oh, fonte de água viva! banha a dor 
do tédio do deserto e o joga ao mar
onde o pranto supõe ser um louvor
ou o meu canto ao direito de chorar.

Chorar por toda rosa é uma canção
que dói, mas não magoa o coração,
se meu amar é vida e amor é dom. 

Eu quero apenas encontrar a rosa:
entre muitas aquela mais formosa
reflorida entre as rosas de Sarom!

Afonso Estebanez



ÚLTIMA ROSA DE DELOS

Conheço as flores como a rosa o espinho
o trigo ao pão do amor que me alimenta,
em meus vinhedos sou do fruto ao vinho
a abundância do amor que te contempla.

És o princípio e o fim de um só caminho
no mistério do encanto que me inventa:
no horizonte do olhar de um passarinho
esplende a luz do amor que te contenta.

Não mais pressentimentos de distâncias
nem mais esse pesar das circunstâncias
de almas gêmeas em mundos paralelos.

Se um tempo aqui nascemos e vivemos
e aqui morremos, sim!... e morreremos
como as rosas de pedra, mas de Delos!

Afonso Estebanez
(Nov.07.2008) 

PRIMEIRA ROSA DO ORIENTE

Há milênios construo entre ternuras
uma estrada de rosas que inauguras
em cada amanhecer de minha vida...

Assim, então, jamais sequei deserto
eis do teu sonho nunca me desperto
a não te ver ausente e adormecida...

Do Oriente ao Ocidente teu perfume
foi sempre a via etérea afeita e afim:
ao teu destino de ser meu queixume
em meus destinos de ser teu jardim.

Jardim da aurora que me fez a lume
lume da rosa de teu ventre em mim:
Rosa do Oriente que o amor resume
no amor das rosas com amor assim!

Afonso Estebanez 
CHÁCARA DA SAUDADE
Do quanto quis ser feliz
fiz da vida uma quimera
e fui dela esse aprendiz
mais feliz da primavera.

E com saudade me diz
o quanto se desespera
cada pranto que desfiz
por encanto que fizera.

Todo amor aqui refaço
e dos mantras o riacho
faz minha vida singela.

Tal meu anjo jardineiro
extrai lírios do canteiro
de gerânios na janela...

Afonso Estebanez
(Soneto heróico dedicado a formosa
Glauciane Contte Stael – 20.11.2014)