sexta-feira, 31 de outubro de 2008

AMIGOS PARA SEMPRE...


AMIGOS PARA SEMPRE...

Pai, vem aqui e vê se estou dormindo.
E observa também se estou sonhando
pois teu beijo de quando estás saindo
me faz sonhar que tu estás chegando.

Pai! estou certo de que estás partindo
como quem na verdade está voltando
como as manhãs dos dias de domingo
vivendo de estar sempre regressando.

Revejo aquela foto em preto e branco
meu colo era na ponte de teus braços
os laços do amor pródigo que eu quis.

Amigos para sempre, pai! no encanto
de ainda hoje sentir dos teus abraços
traços do amor que ainda me faz feliz..


A. Estebanez

AMANTES DA ALDEIA


AMANTES DA ALDEIA

Eles tinham cabelos brancos
do amor que dói e não passa
e a lembrança dos encontros
por entre os jardins da praça...

Fecundavam-se entre beijos
e entre abraços numa dança
encobrindo entre os desejos
velhos segredos da infância...

Eram como almas agrestes
das aves férteis de outonos...
E se amavam nos ciprestes
dos silvestres cinamomos...

Ah!... os amantes da aldeia
são de quando o amor doía...
E quando morria um deles,
ah, o outro também morria...

A. Estebanez

ALMA DE MENESTREL


ALMA DE MENESTREL

Não deve morrer um dia
sem que a noite seja tua
nem meu sono sonharia
sem uma canção da lua...

Nem deve correr um rio
tão distante de seu leito
passa a noite vem o frio
eu distante de teu peito...

E nem te seja saudade
a saudade que me vem
por amor não há idade
pela idade que ele tem...

E vais tu levando a lua
pelas ruas do meu céu
com a alma quase nua
por teu doce menestrel...

A. Estebanez

quinta-feira, 30 de outubro de 2008

POEMA DE PEDRA


POEMA DE PEDRA

Eu pedra bruta do tempo
que me passou esquecido
no inventário do momento
de viver de eu ter morrido
percorro o longo decurso
de todo o tempo perdido.

Eu profetas de gomorras
ruir de torres tombadas
sodomas de meus sentidos
de extintas almas salgadas
artesão de antigos sonhos
de mãos rudes algemadas.

Eu perdido se me encontro
sensível ao que não sente
descaminho de um futuro
de algum passado presente
vou pedra fingindo a carne
e sangue fingindo a gente.

Eu castelos de crepúsculos
naus sombrias sobre vagas
eu mortalha dos moluscos
de esperanças naufragadas
faz-se em mar a minha vida
das marés que são choradas.

Eu templo de deuses mortos
becos tortos sem calçadas
vendo o mundo das janelas
que o amor deixou fechadas
sou um elo entre essas vidas
que se atraem separadas.

Hoje sou pastor de rios
sentinela das colinas
mirante das fortalezas
nas ameias das neblinas...
É por mim que à noite
os ventos vêm chorar
sobre as ruínas.

A. Estebanez

MÃE... MÃE... MÃE...MÃE... MÃE... MÃE... MÃE...


MÃE... MÃE... MÃE...MÃE... MÃE... MÃE... MÃE...

MÃE – quintessência indecifrável para o enigma
MÃE – luz que nem a treva em transe obscurece
MÃE – quântico perfume íntimo sem paradigma
MÃE – istmo de amor que à noite me amanhece

MÃE – espelho sem face e quebrantado estigma
MÃE – sem medo do frio que o amor me aquece
MÃE – carta náutica da minha história fidedigna
MÃE – onde o desamor em lágrima desacontece

MÃE – esse doce ouvir quando o silêncio o fala
MÃE – esse doce me dizer quando falar me cala
MÃE – esse alfa et’ômega legado à humanidade

MÃE – ô, repórter de evangelhos não prescritos
MÃE – esse amor do exílio breve dos proscritos
MÃE – o amor breve o quanto dura a eternidade...

A. Estebanez

“BEIJÍSSIMOS”


“BEIJÍSSIMOS”

Por tudo o que me destes
por tudo o que não destes
a minha gratidão
em beijos de perdão...

Por tudo o que te dei
por tudo o que não dei
a tua gratidão
em beijos de perdão...

Beijíssimos
dulcíssimos
uníssonos
no coração...

A. Estebanez

O SENTIDO DA FLOR


O SENTIDO DA FLOR

... E neste milênio
o que for pequeno
vai multiplicar...
O que estava morto
ou que nasceu torto
vai ressuscitar...
Cada pensamento
é um testamento
do que vai ficar...
Nem uma aquarela
terá luz mais bela
que a rosa amarela
de intenso brilhar...

E a tulipa de ouro
secreto o tesouro
só pode encontrar
no verso do verso
do imenso universo
no anverso do mar...

É mais que uma flor
e mais do que amor
é o sentido de amar...

A. Estebanez

NÃO ACORDEM MINHA MORTE


NÃO ACORDEM MINHA MORTE

Não acordem minha morte
que descansa adormecida...
E que à alma não importe
se a morte é sono da vida.

Minha carne não acordem
e nem do sangue exaurido
o fluído que em desordem
deixa-me o corpo esvaído.

Dêem pó para minh’alma
que de mais nada precisa
senão do canto da calma
que de amor não agoniza.

Não acordem minha vida
que está só desacordada
e que a alma amortecida
só me acorde despertada.

E da morte não desperte
a minh’alma adormecida
e da vida ainda me reste
o outro lado desta vida...

A. Estebanez

CONFISSÃO DE PAI PARA FILHO


CONFISSÃO DE PAI PARA FILHO

Abro a janela para o amanhã
e não há nisso um vestígio de esperança.
Aceito a imposição de um novo dia
enquanto aguardo a hora do pão fresco.
Vivo intensamente o nada de em seguida
como um centauro ultrapassando o mito.
O que faço não marca o acontecimento,
senão o fechamento nulíparolunar
das portas dos dias das horas do tempo.
Sento-me à mesa e repito com a fome
o golpe traiçoeiro da abastança.
Abro o jornal e devoro uma notícia
que custou um sangue anônimo qualquer.
Eu não quero ser cúmplice do mundo.
Vou ao trabalho ou não vou,
ponho a gravata ou não ponho.
Afinal eu sou o que não muda o curso
de nada segundo a minha preferência.
Qualquer alternativa é uma imposição
do agora ilhado no tempo.
O passado foi e o futuro é na cozinha
onde a carne está sendo retalhada.
Enquanto isso, $uborno com produtos
importados a viciada alfândega do coração,
malgrado os impostos escorchantes
devidos à amável consciência...

A. Estebanez

quarta-feira, 29 de outubro de 2008

"PSICOFOTOGRAFIA"


"PSICOFOTOGRAFIA"


Há o sabor acre do pranto
o amor rústico das vinhas
e há o êxtase dos cânticos
das almas das andorinhas...

Há o amor dos namorados
o enlace das almas gêmeas
entre eflúvios perfumados
dos canteiros de alfazemas...

E amores chegam de trem
ou nos destinos das cartas
às vezes chegam do além
no murmúrio das cantatas...

E apesar dos desencantos
o ofício das bem-amadas
é de haver os reencontros
das almas desencontradas...

A. Estebanez

ROSAS PARA LUÍZA (Balada)


ROSAS PARA LUÍZA
(Balada)

Primavera antecipada
pelo perfume da brisa
entrego nesta braçada
de rosas para Luíza...

Não as rosas impossíveis
que meu sonhar improvisa...
São rosas imperecíveis
dos sonhares de Luíza.

E essas flores tão pálidas
bordadas na manta lisa
não parecem rosas cálidas
como essas para Luíza...

Rosas rubras dos jardins
da vereda onde ela pisa...
Plumagens de querubins
junto ao berço de Luíza.

Cantigas-de-rosas são
como sons de realejos
acordes de uma canção
numa ciranda de beijos.

É de bênçãos a oração
e minh’alma profetiza:
é de Deus essa canção
de rosas para Luíza...

A. Estebanez

SEGREDOS DA INSÔNIA I


SEGREDOS DA INSÔNIA
I

Até que a noite faça agonizar-me o sono
meu coração ainda insiste em pressentir
ruídos de batidas nos porões da insônia...
Mas sei que me é possível resistir!

São pesadelos reencarnados do passado
morto... Fantasmas de navios ancorados
nos cais abandonados das ilhas de mim...
E sei que me é possível resistir!

Até que em morte acorde e eu adormeça
ainda sinto adormecidas sensações de ti...
De um lugar assombrado em minha vida
de onde sei que é possível resistir!

Ô, mulher-menina que perdi na infância
canção de bem-querer do quanto padeci...
Uma certa saudade vadia sem distância
e ainda assim me é possível resistir!

A. Estebanez

terça-feira, 28 de outubro de 2008

SEGREDOS DA INSÔNIA II


SEGREDOS DA INSÔNIA
II

Até que essa lembrança enfim me esqueça
há noites de desterro do amor que não vivi.
Pode ser exaustão de luz na lâmpada acesa...
E ainda assim me é possível resistir!

Contorno a direção da porta, transtornado.
Pode ser um carteiro noturno e devo abrir.
Pode ser o domingo retornando ao sábado...
E ainda sei que me é possível resistir!

Talvez um corpo astral de aeronauta ainda
meu duplo que retorna antes de prosseguir
na fé dos missionários da esperança finda...
E ainda me é possível resistir!

Porém vou levantar-me lentamente agora
e reescrever os últimos versos que escrevi.
Depois vou caminhar devagar até a porta...
Pois não é mais possível resistir!


Afonso Estebanez

SEGREDOS DA INSÔNIA III


SEGREDOS DA INSÔNIA
III

Permitir que me banhe a claridade do luar
como a alvorada inaugural o ultimo porvir.
Por trás do reposteiro um anjo me convida
e não é mais possível resistir!

Guardo as fotografias dos parentes mortos.
Depois conforto meus sentidos sem sentir...
Os versos falam já transcritos na memória
que é quase impossível resistir!

E antes que o coração em cânticos pereça
devo afinal abrir a porta, morrer e desistir...
Como a hora desiste do relógio sonolento
sem tempo agora para resistir!

Eu me absolvo de afogar-me em lágrimas
se é para sempre que esta noite vou partir...
Vou perder-me entre a linha do horizonte
e viver e sonhar e morrer sem resistir!

Como vivem os lírios dos campos...
Como sonham os pássaros da paz...
Como ama o amor os desencantos...
E morrem os heróis sem desistir...


Afonso Estebanez

PROCURA-SE UMA ROSA


PROCURA-SE UMA ROSA

A rosa de que preciso
é flor nativa de mim.
Eu quero a rosa precisa
princípio
meio e fim.

A rosa de que preciso,
não a rosa dos poetas...
Mas a rosa imponderável
dos loucos
e dos profetas.

A rosa de que preciso,
não das mãos dos jardineiros...
Quero a rosa padecida
das feridas
dos romeiros.

A rosa de que preciso
vem do olhar dos passarinhos.
A rosa para ser rosa
não precisa
dos espinhos.

Eu quero a rosa votiva
dos vitrais e reposteiros
entre preces conspirada
no conluio
dos mosteiros.

A rosa de que preciso
não é a rosa-dos-ventos...
Quero a rosa irresoluta
biruta
dos cata-ventos...

A rosa de que preciso
vem de abismos e desertos
como a palavra perdida
reencontrada
em meus afetos.

Às vezes mais que loucura!
Às vezes mais que razão...
A rosa de que preciso
é amor
mais que paixão...


Afonso Estebanez

SONETO DA VIGÍLIA


SONETO DA VIGÍLIA


Não tenho estantes e não tenho livros.
De sábios pouco sei do que ensinaram
e tantos sonhos que eu sustento vivos
foram por mim apenas que sonharam.

Houve sonhos de impulsos instintivos
houve contos de fadas que passaram.
Houve os casos de amores impulsivos
que as vigílias da insônia me falaram.

Reteso meu amor e amor me acalma
embriago-me de sonho e dou à alma
momentos de prazer que ela merece.

Não preciso de nada além do instinto
de me saber de amor um ser faminto
e lúcido do amor que me enlouquece...


Afonso Estebanez

UM SONETO DE AMOR POSSÍVEL


UM SONETO DE AMOR POSSÍVEL


Vou ficar te esperando como espera
transpor o sonho a vida passageira
como a passar sem flor a primavera
entre as pedras na flora da pedreira.

Vou ficar te aguardando como a era
tem os beijos da brisa companheira
pela espera do amor não desespera
que espera ser eterna a vida inteira.

Devo ser como o vento adormecido
nos penedos noturnos como abrigo
resto de alma de mágoas padecida.

Mas verás os remansos do meu rio
e entre gerânios tu entrarás no cio
fazendo da esperança a nossa vida...


Afonso Estebanez

VERSOS TERNURENTOS


VERSOS TERNURENTOS


Quero mesmo é desembarcar no instante
de perplexidade da alvorada ao deflagrar
de teu sorriso em meus campos beirados
de alfazemas...

Abrir suavemente as portas dos sentidos
como quem abre os lençóis dos arco-íris
e se deixa embriagar num cálice infinito
de poemas...

Como quem ouve histórias de venturas
escritas na penúltima página do fôlego
da alma extremada de ternuras e versos
amorentos...

Como quem toma do pomar de outonos
as flores sazonadas e os maduros pomos
da brisa rarefeita de abraços e de beijos
ternurentos...


Afonso Estebanez

DESENCONTRO


DESENCONTRO

Foi do esperado
que o ter perdido
me fez ter sido
desesperado.

O ter perdido
foi de viver
do haver morrido...

O ter vivido
foi de morrer
de haver sonhado.

Foi do encontrado
que o ter vivido
me fez ter sido
desencontrado...

Afonso Estebanez

ERVAMOR


ERVAMOR

Do paralelepípedo
a planta
plúrima
parapétala
pulou
o parapeito
do primeiro
pavimento.

Púnico plágio plástico
ponta por ponta
espetou
espinhos
apopléticos
na parede.

Depredou a prumada
do telhado
tomou
um porre
de chuva
de prata.

Onde o braço do homem
não alcança
a planta
pôs o pólen
na concha
da calha
por conta
do amor

E deu à luz uma flor!

Afonso Estebanez

FLAUTA DOCE


FLAUTA DOCE

Teu amor me vem e toca
como flauta o entardecer
de alguma aurora remota
que ainda sonha renascer.

E me sonhas como flauta
que reinventa o alvorecer
tocando o sonho de volta
na canção do amanhecer.

Tu me fazes a alma doce
como se minh’alma fosse
um prenúncio de desejo...

E minh’alma enamorada
vai no lume da alvorada
ao encontro de teu beijo...


Afonso Estebanez

ENCONTRO MARCADO


ENCONTRO MARCADO

Teu futuro é o meu agora
do teu tempo despertado
o chegar antes da aurora
de teu encontro marcado

o que chega vai embora
em pedaços de passado
o presente não tem hora
só meu agora esperado

meu amor estava longe
e nem Deus sabia onde
teu amor o encontraria

foi preciso então morrer
e esperar meu renascer
para ver se eu te veria...

Afonso Estebanez

EU SEI QUANDO TU VENS


EU SEI QUANDO TU VENS

Não preciso sondar os pensamentos
nem consultar meu vasto coração
para saber os dias e os momentos
em que me vens trazer consolação...

A mim me basta olhar pela janela
e abraçar a manhã no meu jardim
e sei que a claridade que vem dela
é a luz do teu amor dentro de mim...

Deixo a brisa tocar a minha face.
Ouço as aves que vêm me visitar
e sei de cada rosa que renasce
o teu instante eterno de chegar...

Converso com o vento no telhado
onde o tempo costuma te esperar
de um futuro presente antecipado
por anjos que me vêm te anunciar...

No canteiro de beijos e jacintos
o odor suave de uma flor qualquer
inflama de desejos meus instintos
com o perfume virgem de mulher...

Então eu sempre sei quando tu vens
sem que precises avisar-me quando...
O amor proclama quando tu me tens
e me prepara quando estás chegando...

A. Estebanez

ROSAS DE SAROM


ROSAS DE SAROM

Toma posse dos frutos do teu amor
ainda na tenra idade, como quem colhe
as rosas que primeiro desabrocharam
na orla do teu jardim...

Toma posse dos frutos da esperança
como o fazem os jardineiros de Sarom
que aguardam a floração das rosas
entre as sarças do Hebrom...

Toma posse dos frutos de teus sonhos
ainda que estejam verdes, como as aves
retomam entre os ciprestes do deserto
o seu ninho de esmeraldas...

Toma posse dos frutos de teu perdão
antes que seja tarde, como os pássaros
que reconstroem seu último refúgio
entre as pedras atiradas...

Toma posse de tuas ocasiões perdidas
mesmo que nunca reencontradas
como o fazem os lírios dos campos
que não precisam de nada...

Toma posse de teus ingênuos devaneios
como as rosas de Sarom o resplendor
e dos botões-de-ouro de teus seios
nas dunas do teu formoso amor!

A. Estebanez

MENINA & MULHER


MENINA & MULHER

É algo de mulher que me fascina
nesse teu jeito etéreo de me amar
como nuvem que a lua descortina
no corpo dos lençóis entre o luar...

É algo de mulher que me alucina
perene amor que mata sem matar
uma parte mulher e outra menina
ditoso amor de meu eclipse lunar...

É algo que me encanta de tal jeito
e sangra sem doer dentro do peito
e alegra-se do sim na dor do não...

E me ama no regresso do menino
homem feito na linha do destino
já transcrito a punhal no coração...

A. Estebanez

NA PALMA DE TUAS MÃOS


NA PALMA DE TUAS MÃOS

Tuas mãos duas vidas dois instantes
dois caminhos de margens paralelas
dois destinos tão perto tão distantes
como os cantos opostos das janelas...

Dois destinos escritos numa estrela
dois extremos dois lados da paixão,
outros amores vão e vêm sem tê-la
como o elixir dos sonhos de verão.

Não há destino prévio neste mundo
senão amor na lei de causa e efeito.
Há os lírios do campo e o profundo
enigma de um encanto não desfeito.

O dia vem de cinzas do crepúsculo
acende a aurora no teu lado escuro
e o fruto temporão é tão minúsculo
como é o amor de parto prematuro.

Desperta a alma e olha para o céu,
o amor não anda só de carruagem...
Na ânfora das mãos cintila ao mel
tua estrela de amor nessa viagem...

A. Estebanez

segunda-feira, 27 de outubro de 2008

ENAMORADOS...


ENAMORADOS...

Enamorados como a sombra e o cipreste
os dois lados da alma aos corpos reunida
vestida como um pássaro que se reveste
como a rosa de luz e tanto amor de vida...

Enamorados de alma isenta do cansaço
por onde caminhar não seja o lado triste
da ave marinha que pernoita no regaço
dos crepúsculos desenhados sem limite...

Enamorados onde o além é o horizonte
onde ao longe cintila a noite já alunada
e onde entre as maçãs da face rutilante
reveste-se de luz o olhar da enamorada...

E de tal modo que em sua carne ardente
envolve-se a paixão na carne hirta e fria...
E como que entrementes há suavemente
que retardar a noite até que venha o dia...

A. Estebanez

DEPOIS DA FESTA


DEPOIS DA FESTA

É preciso, pelo menos uma vez na vida,
ser o último a deixar a festa...
Dispensar os convidados antes de chegar a aurora.
Exorcizar os aposentos com galhinhos de arruda.
Desligar o som, fechar janelas e cortinas,
desenlaçar os reposteiros,
varrer da memória a algazarra das crianças
na calçada...
Dissipar o perfume das adolescentes.
Dispensar as frivolidades dos últimos abraços.
Recolocar no jarro aquela rosa
que esqueceram sobre a mesa.
E, finalmente, quando a noite
trouxer de volta o silêncio numeroso,
apagar definitivamente a luz...
Depois dormir...
Sonhar...
Despertar...
Viver... Viver...
Depois dormir...
E morrer... Como quem morre
definitivamente...
Para não incomodar
ninguém...

A. Estebanez

DA POESIA


DA POESIA

Poesia não é palavra
ou o ouro ou a lavra.
Poesia é de ninguém.
Não é o elo perdido,
e o seu único sentido
é aquele que não tem.

Poesia enquanto fala
é então que ela se cala
se não é verbo de ação.
O som é só o fonema
que resvala no poema
sua força da expressão.

Poesia não é o ponto
ou o furo do pesponto
não é forno nem é pão.
Ou o ovo ou a galinha
ou a agulha ou a linha
ou o fogo ou o carvão.

Poesia é um absurdo
é o nada sendo tudo
o obscuro da sintaxe.
É o ser e é o não ser!
Impossível de nascer,
é daí que ela renasce...

A. Estebanez

DELICATESSE


DELICATESSE

A gota de orvalho
soltou-se do galho:
a gota caída.

A gota de orvalho
caída nas águas:
a gota perdida.

A gota de orvalho
da tua presença
virou minha vida.

A. Estebanez

EM TEMPO DE LÓTUS, LÍRIOS E ACÁCIAS...


EM TEMPO DE LÓTUS, LÍRIOS E ACÁCIAS...

Jamais perder o momento
de encontrar na boca
um sorriso...

Jamais perder a esperança
de encontrar na curva
um caminho...

Jamais perder a certeza
de encontrar no muro
uma porta...

O lótus pode ser
o momento de glória
da lama...

O lírio pode ser
o encontro da paz
na esperança...

A acácia pode ser
a certeza da vida
na morte...

A. Estebanez

DOM QUIXOTE


DOM QUIXOTE

Tantas paixões meu cavaleiro errante
triste figura andante em mim venceu...
De eterno amor por sua doce amante
bem mais que eternamente padeceu...

Deu expressão ao asno e ao rocinante.
Aos guerreiros do amor deu o apogeu.
Aos moinhos de vento o vago instante
da reinvenção do sonho que morreu...

Revi meu Dom Quixote de La Mancha...
O escudeiro... O cavalo e a augusta lança
contra os dragões do inferno sob o céu...

Quando uma simples chuva de verão
derreteu – qual num passe de ilusão –
a minha Dulcinéia de papel...

A. Estebanez

ENTRE LUZ & SOMBRAS


ENTRE LUZ & SOMBRAS

Coloco-me de costas para o sol nascente
a sombra me vai só na via da lembrança
e o meu amor vai só na alma indiferente
jacente na canção remota da esperança.

Lembro de sonhos do futuro no presente
de reviver amores que o esperar alcança
das rosas fugidias de um jardim ausente
a despeito dos amanhãs em abundância.

A noite é feita de uma luz remanescente
a beirada da aurora é que me recomeça
pela estrada de volta para o meu futuro.

Vaga-me a alma pelos restos do poente
chegar é só o sonho para quem começa
e começar é conseguir andar no escuro.

A. Estebanez

AQUELE TEMPO ERA DE AÇÚCAR


AQUELE TEMPO ERA DE AÇÚCAR

Criança,
ama com fé e orgulho
a terra em que nasceste!
Será que não verás
país nenhum como este?

Houve um tempo em que a escola
era uma casa de aprendiz de amor à pátria.
Os muros eram feitos de melado e rapadura.
A professora tinha lábios de sorvete de morango
e o hino nacional era cantado à marselhesa
ao pé do mastro onde a bandeira tremulava
como um troféu entre as muralhas da Bastilha.

O chão de nossa rua era de açúcar
as calçadas de torrões de chocolate
e a chuva no telhado era baunilha...

Não havia entrelinhas na cartilha
e cada herói jazia em seu lugar.
Nossos pais, de bem pouco suspeitavam
Nem a Voz do Brasil nada informava
sobre trilhas e ardis de vis tropeiros
caminhos das Bandeiras de piratas
e Capitães d’América e Mandrakes trapaceiros,
fazendeiros vestidos de jagunço de gravata,
lobisomens de araque e coronéis aventureiros
garimpeiros do Conde de Assumar...

Ah, nas crinas prateadas dos canaviais
a lua não se casa mais com o luar...
O vento deu lugar à brisa peregrina
fugitiva do fogo das usinas
tocadas pelo braço servil dos samurais.

Não têm nome de heróis os bóias-frias.
Nas galerias os heróis são generais.

A História apelidou de Tiradentes
o mártir solitário de certa independência
de quem jamais ouviu falar Coimbra,
cujo nome não consta nos compêndios
de Sorbonne...

Aqui onde nascemos e vivemos
a História dá nome às avenidas
e os becos-sem-saída não têm nome!

Porque este é o Mundo de Mrlboro
do cavalo furioso de fundo de quintal
do alpinismo genital do coiote extasiado...
Ah, o cacoete do nacionalismo alcoólico.
Oh, o cigarro top-model e o sexo oral...

O manifesto cívico e moral
do arquivo oficial da ditadura
nas entrelinhas da cartilha descartável
nas aulas de melado e rapadura...

O chão de nossa rua era de açúcar,
calçadas de torrões de chocolate...
A praça da matriz de caramelo
iluminada com bolinhas de sorvete...

Criança,
ama com fé e orgulho
a terra em que nasceste!
Será, será que não verás
país nenhum como este?

A. Estebanez

RAPSÓDIA DE AMOR CIGANO (Primeiro fragmento)


RAPSÓDIA DE AMOR CIGANO
(Primeiro fragmento)

Eu devo anunciar desesperadamente ao vento
aos semideuses arcanjos duendes e querubins
que um dia te encontrarei na virada do tempo..

Que nenhuma paixão desatinada é descabida
e relegar esse amor à memória dos náufragos
seria como a última tragédia em minha vida...

Te darei flores do outono que tomei do tempo
sonhos antigos retomados da esperança finda
entre sombras noturnas de lembranças tardas..

No coração perdido entre a memória perdida
tentei lembrar-me dos fragmentos da história...
Debalde! Desse amor, só o legado da partida!

A. Estebanez

RAPSÓDIA DE AMOR CIGANO (Segundo fragmento)


RAPSÓDIA DE AMOR CIGANO
(Segundo fragmento)

Querida! eu devo anunciar desatinadamente
a essas vítimas da última tragédia da paixão
– órfãos de afeto e decaídos da esperança –

que o dia por auroras e crepúsculos transita...
Que inerte padecer-me ao sonho derradeiro
seria o derradeiro entardecer de minha vida...

Ah, perdidamente o devo anunciar, querida!
que ainda há esse remoto amor desesperado
resolvido no doce padecer de reencontrar-te

como a flauta encontrada na canção perdida...
Então eu canto e desespero porque a espera
vem do compadecido amor que me convida!

A. Estebanez

RAPSÓDIA DE AMOR CIGANO (Terceiro fragmento)


RAPSÓDIA DE AMOR CIGANO
(Terceiro fragmento)

Sou pastor de teus sonhos pelo vale de minha
insônia... Nos murmúrios dos rios te conduzo
enquanto é noite ainda... e festejamos a vinda

do amor na aurora que ao amor foi prometida...
Ciranda de quimeras! Teu coração de menina
em meus abraços é o prenúncio de outra vida...

Tu pedirás que eu volte!... E voltarei, querida!
E trôpego já tarde em meus trêmulos sentidos
despertados nos lençóis febris de minha carne

– esse repasto de delírios em amálgama retida...
Ô, quantas horas e dias de exílio se arrastaram
no relógio do tempo que levou a minha vida!...

A. Estebanez

RAPSÓDIA DE AMOR CIGANO (Quarto fragmento)


RAPSÓDIA DE AMOR CIGANO
(Quarto fragmento)

Da mais alta colina dos vinhedos em floração
preciso proclamar ruidosamente a todo mundo
que é possível amar sem os arbítrios da razão...

A despeito de tudo, essa paixão foi concebida!
E ocultar mística evidência em sonho revelada
seria inconcebível tentativa contra minha vida...

No cume do meu coração tomado e pertencido
tua bandeira tremula no mastro de meus afetos...
E grito! para que todos saibam de mim próprio

o quanto o padecer por ti me condenou à vida...
Sortilégio de amor, querida! o outono nascerá
dessa esperança de jamais viver de despedida!

A. Estebanez

RAPSÓDIA DE AMOR CIGANO (Quinto fragmento)


RAPSÓDIA DE AMOR CIGANO
(Quinto fragmento)

Ah, permita-me querida
viver sonhar se possível
enlouquecer e me viver
de alma nua consumida...

E que me é dado por lei
morrer-me de desmorrer
vivendo-me de desviver
pelo fim sem despedida...

Ô, conceda-me querida
morrer-me sem padecer
ou então me adormecer
docemente em tua vida...

A. Estebanez

SER PERENE (Poema Védico)


SER PERENE
(Poema Védico)

A luz vem do olhar de uma fera acuada
que aguça os sentidos da carne que assanha...
É como galgar dentro d’alma enjaulada
a encosta escarpada de rude montanha.

Os lobos vorazes dos vãos pensamentos
são rasgos de raios num céu sem lampejos...
Mil potros selvagens no dorso dos ventos
tangidos por cães de sangrentos desejos.

Os cumes dos montes são gumes da mente
que traçam no céu azimutes perdidos...
Faróis que se acendem nos vãos da torrente
que invade a planície sem luz dos sentidos.

Voeja entre nuvens de braços abertos
conquista o infinito, degrau por degrau...
Transforma as areias de imensos desertos
num lago escorrendo entre sons de cristal.

É como um cometa luzente no espaço
que a luz abrangente de um raio devora...
O ser se dilui no infinito regaço
e Deus se revela de súbita aurora!

A. Estebanez

TEM QUE SER AGORA


TEM QUE SER AGORA

Vamos supor que deva ser agora
enquanto é tempo e o tempo subsista...
Vamos supor que esse seja o tempo
que a hora passe e o dia não resista!

Vamos supor que as luzes da cidade
apaguem na avenida da memória...
Não sei o que será desse amanhã,
vamos supor que deva ser agora...

Suponhamos que o rio altere o curso
de seu destino inevitável de correr,
e a flor não venha mais a sublimar-se
no seu inexorável destino de nascer...

Vamos supor que a espera seja tanta
que o tempo não se lembre de passar.
Que a noite durma tanto nas calçadas
que a alvorada não consiga despertar...

É necessário então que seja agora
como o dia que chega embora tarde,
suponhamos ao menos que este seja
o instante inicial da eternidade!

A. Estebanez

UM SONHO ENTRE NÓS


UM SONHO ENTRE NÓS

Põe o sonho onde te ponho
ou deixa que o leve o vento
se não te restar mais sonho
faz sonhar teu pensamento.

Nenhum sonho vai embora
que não possa mais sonhar
como a insônia é a demora
que aguarda o sono voltar.

Como a noite é a memória
do amanhã que vai chegar
nenhum sonho tem a hora
para um sonho descansar.

Põe um sonho em tua vida
e a minha deixa sem nada
mas na estação da partida
não deixa a tua espalhada.

Não é bem que vás agora
com o teu jeito de sonhar
teu sonho quer ir embora
mas o meu não quer ficar...

A. Estebanez

VIDENTE


VIDENTE

Tudo claro como o raio e simples como a serpente
evidente como a morte que há na sorte da vidente...
A cruz à beira da estrada, porteira que não se move
o cantar das corredeiras tão cansado me comove...

E meu corpo hirto na relva, horto de eras ao relento
pensamentos nos abrigos dos remoinhos do vento...
Cerca de arame farpado e esse entulho no jardim
milho novo replantado nas vertentes de alecrim...

Duas ovelhas no aprisco, um cão magro na cadela
dois jacintos pendurados nos dois lados da janela...
Tudo certo como a morte esperando simplesmente
evidente quanto a morte que há na sorte da vidente...

A. Estebanez

VISÕES DE ALCOVA


VISÕES DE ALCOVA


Que nossas vidas não sejam
entregá-las – mas perdê-las
nas poças sujas dos charcos
em que habitam as estrelas.

Sou o quanto é meu desejo
que à ninguém dei remover
feito um quarto de despejo
que em si coube sem caber.

Mortalhas de nossas almas
sudários de pranto e dores
nossas noites têm a calma
dessas veredas sem flores.

Sem louvor a expectativas
de quem sofre falso e-mail
por quem flores primitivas
nascem pedras de centeio.

Confiscar mágoas sem dor
é o meu jeito de vivermos:
celebrando o próprio amor
com amor pelos enfermos.


Afonso Estebanez

SONETO DO AMOR INCONSÚTIL


SONETO DO AMOR INCONSÚTIL

Às vezes a minh’alma é a mesma tua
sem que um mesmo precise ser igual.
Como os lados contrários de uma rua.
Ou margens inconsúteis de um lençol.

Quantas vezes derramo de alma nua
em tua alma encoberta de água e sal
sementes de uma aurora à luz da lua
sem que o saiba a tua aurora boreal...

As rosas em silêncio em meu jardim...
Nenhuma flor o sabe de outra assim
como as aves do cântico dos ninhos...

E meu amor – malgrado esse ciúme
é como um frasco aberto de perfume
de rosa que nem sabe dos espinhos...

A. Estebanez

SONETO DO AUTO-EXÍLIO


SONETO DO AUTO-EXÍLIO

Tormentos, pesadelos e neuroses
vampiros em noturna revoada
vão possuir meus sonhos com atrozes
rituais de tortura festejada.

Vão farejar-me como cães ferozes
até que a minha fome fatigada
sobreviva do pão de seus algozes
e a sede já não viva de mais nada.

E esses fantasmas viverão do trauma
de meus gritos ocultos na parede
da carne que o pavor cala e consome...

E como quem se apossa de minh’alma
irão saciar-se com a minha sede
e regalar-se com a minha fome!

A. Estebanez

CENA DA INFÂNCIA...


CENA DA INFÂNCIA...

Ah, aquele cacto retorcido
sugando gotas de orvalho
caídas da boca da noite...

Criar borboletas noturnas
foi minha primeira ternura...

Havia prenúncio de trégua
e a esperança da primavera
naquela borboleta branca
(uma bandeira de paz)
hasteada no mastro da flor
vermelha...

A. Estebanez

CHUVA NO MOLHADO


CHUVA NO MOLHADO


Gosto da chuva no telhado...
As goteiras me fazem pensar
nos pontos finais que deixei
de colocar na minha história.

Gosto da chuva no molhado...
Os canteiros me dão lembrar
dos jardineiros que ficaram
com sementes na memória.

Gosto de causas sem efeito...
De maus sonhos sem motivo
de morrer sem ser preciso
por ter fama sem proveito.

Gosto das coisas como são...
Da vida como um desterro
da sombra indo ao enterro
da sombra morta no chão...


Afonso Estebanez

COM A ALMA NUA


COM A ALMA NUA

Fica-me a alma estacionada
em minha sombra ancorada
entre as sombras do jardim.

Vem a lua e a noite é longa
mas por debaixo da sombra
a alvorada escorre em mim.

Cada flor me encanta tanto
que a brisa volta do campo
com as vestes dos arco-íris.

Fica-me a alma pela aurora
e o amor prendendo a hora
pra de mim jamais partires.

Vai-me a lua embora enfim
mas o amor de tu’alma nua
já escorreu dentro de mim!

A. Estebanez

PASTOREIO III


PASTOREIO III

Não é apenas sua voz que apascenta
meus dispersos rebanhos de sentidos
e faz correr dentro de mim as águas
das ribeiras com sorrisos flutuantes
de um concerto de flautas e flautins...

É também sua face voltada para onde
e como a flor se inclina ao ser tocada
pelas mãos da manhã em seu jardim...

Nem são apenas as veredas alunadas
por seu destino de amada passageira
que fazem de mim pastor de sonhos...

São todos os caminhos contornados
pelos rebanhos de suas esperanças
reencontradas entre vales e colinas
e nos bosques tingidos de alfazema
para repousar a lembrança da volta...

Ah, os anjos desenhados no espaço
de seu corpo e os risos precursores
das palavras que nunca foram ditas...

É esperança que só o adeus revela
quando o seu coração agita a alma
para alcançar os sonhos fugidios...

Pássaro liberto pelas mãos da vida
borboleta com sua dimensão exata
desse perder-se sem ficar perdida...

A. Estebanez