quarta-feira, 2 de novembro de 2016

‘Rosas de Sarom’ por quê?

‘Sarom’, que em hebraico (shãrôn)
significa ‘planície’, referindo-se, antigamente,
à maior parte da região costeira semidesértica situada ao norte da Palestina, antes densamente coberta de carvalhos é,
hoje, principalmente ao sul, um dos mais ricos distritos agrícolas de Israel, coberto de plantações de bosques e pomares verdejantes destinados ao cultivo de flores
e frutas cítricas, em que predominam
os densos laranjais.

No passado, ao norte,
Sarom era uma região pantanosa
com esparsos vales por onde escoavam
pequenos riachos entre vegetações rasteiras
e dunas de areias avermelhadas do deserto, formando
um grande cinturão de terras inapropriadas à povoação. A leste da planície, nos sopés das colinas samaritanas, situava-se Socó, centro distrital sob o domínio de Salomão e antiga sede dos reis vassalos derrotados por Josué. Ao sul, entre Lode e Ono, situava-se o ‘Vale dos Artífices’, para onde acorriam os hebreus exilados que regressavam do
cativeiro na Babilônia. Segundo a tradição, cobria
o vale o ‘esplendor’ da densa vegetação que
servia de pastagens aos rebanhos
do rei Davi.

Entendo pois
– sem divagações místicas –
que a ‘Rosa de Sarom’ referida
por Salomão em seus ‘Cantares’ (2:1-3)
era uma figura de linguagem que o sábio
poeta do antigo testamento usava para comparar
a formosura de sua mulher amada com o esplendor
jacente da região sul de Sarom, até porque, a despeito
da beleza dos ‘pastos verdejantes’ (alfombras) a que
Davi se referia no Saltério (Sl 23), as únicas flores
de coloração avermelhada (a cor da sensualidade)
que abundavam sobre aqueles verdes prados de
vegetação rasteira eram as anêmonas,
os botões-de-ouro, as tulipas e as
papoulas. As ‘rosas-de-sarom’
não são, do ponto de vista
da botânica, as ‘Rosas de
Sarom’ da lira
de Salomão.

Com meu canto, pois,
eu celebro as ‘Rosas de Sarom’
– o mistério do amor encarnado
em todas as flores que, como as rosas,
constituem o símbolo nuclear do instinto
humano mais sublime, por acaso sobrevivente
em nossos corações transformados em desertos
inapropriados ao cultivo do supremo dom do amor.
Assim são minhas ‘Rosas de Sarom’, premonições
poéticas da possibilidade de amor e justiça afetiva
entre os espinheiros, as urzes e as sarças
atrofiadas de nosso coração deserto...

Afonso Estebanez Stael 
ÚLTIMA ROSA DE SAROM


Além dos muros do meu coração aberto
os cantares das rosas que plantei no pó
são sensações da primavera no deserto 
aquém dos muros dos jardins de Jericó.

E sou a Rosa de Sarom em teu desperto
coração tão infenso ao estar morto e só
em que se cumprirá o antigo manifesto
das rosas castas dos jardins de Jericó... 

Bendito quem deixou as trevas pela luz
por ter plantado rosas no lugar da cruz
entre os canteiros dos jardins de Jericó

de onde a última Rosa de Sarom voltou
para ascender ao Pai a rosa que restou 
além dos muros dos jardins de Jericó... 

Afonso Estebanez 
DÉCIMA ROSA DE SAROM


No princípio era a Rosa concebida
pelo Verbo da luz que está na flor
e era a rosa uma luz além da vida
no princípio da luz além do amor.

Toda Rosa é de origem conhecida
da vida onde não mais o desamor
e onde jamais a flor incandescida 
dos roseirais onde floresce a dor.

Como sinto a saudade antecipada
do perfume das rosas em jornada
para a futura esfera de meu ser...

Eu tenho da verdade esta certeza
como tenho da rosa sobre a mesa
o encanto do condão de renascer.

Afonso Estebanez 
NONA ROSA DE SAROM


Eu vivo como quem nas pétalas das rosas
transcreve um êxodus de roseirais em flor
onde as fugas de amor por vias dolorosas
conduzem rosas para um canaã de amor.

O encanto da paixão por vias espinhosas
entre as rosas não é mais símbolo de dor
onde os lírios da fé são flores milagrosas
da Rosa de Sarom em todo o resplendor. 

Faço de rosas o óleo santo das candeias 
que faz fluir a lume o sangue pelas veias
a estes jardins em festa no meu coração.

Todo o que crê nas rosas nunca morrerá
que a primavera é o jeito do que nascerá
de crer na rosa muito mais que na razão!

Afonso Estebanez 
OITAVA ROSA DE SAROM


É preciso enxergar com a visão da aurora
os canteiros de luz nos olhos da alvorada
e crer que as rosas estão lá antes da hora
como servas das antecâmaras da amada.
 
É preciso convir que não existe o outrora
que rosas sempre têm a brisa perfumada 
no topo do futuro que foi sempre o agora
como o êxtase da primavera despertada.

Rosas são infinitas como é a minha fome 
do amor eterno que me vive tão profundo
que já nem pode me deixar sem padecer. 

Eu vivo pela dor que meu amor consome
na luz de minhas rosas únicas no mundo 
que me resgatarão da morte se morrer...

Afonso Estebanez
SÉTIMA ROSA DE SAROM



Minha sétima rosa é a última que a vida
fez na memória do deserto deslembrada
de que no mundo toda flor é concebida
para lembrar de uma verdade revelada.

A verdade da rosa é a aurora resumida
em primavera do deserto sem ter nada
eis que do nada cada rosa é presumida 
como uma dádiva profana consagrada.

E Deus é pompa pela tua circunstância
de ser amada com amor em abundância
por esse meu amor inculto de aprendiz.

Mas a sétima rosa induz-me o coração
a reduzir todo esse amor numa paixão
que faz de mim o teu amado mais feliz. 

Afonso Estebanez 
SEXTA ROSA DE SAROM


O enigma da rosa é o mero instinto 
que simples faz supor ao jardineiro
ser um dom penetrar-lhe o labirinto
dos instintos das flores do canteiro.

Minha rosa, porém, eu a pressinto,
pois ela é luz da paz do candeeiro:
chama infinita pelo amor que sinto
como o aroma num doce cativeiro.

As Rosas de Sarom são as feridas 
curadas pelo amor de muitas vidas
que as lágrimas transiram pela dor.

Mas hoje renascidas dos martírios,
são rosas recatadas como os lírios
dos jardins replantados pelo amor.

Afonso Estebanez
QUINTA ROSA DE SAROM



Não procurem a rosa pelo céu noturno
onde a luz das estrelas mais brilhantes
é mera imagem no horizonte taciturno
da miragem mais ilusória dos amantes.

As rosas são onipresentes no diuturno
exercício de amar no fio dos instantes.
As rosas nunca têm o espírito soturno
desses invernos já remotos e distantes.

No coração deserto as rosas não estão 
e nem dos cânticos das filhas de Sião,
até o santuário edênico do Hermom...

E nem nas tendas amorosas da ilusão.
Mas é nas fendas do sagrado coração
que todo amor é uma Rosa de Sarom!

Afonso Estebanez
QUARTA ROSA DE SAROM


Porque eu exalto o amor de minhas rosas
o amor por minha amada exulta em mim.
Porque malgrado as flores mais formosas
só a minha rosa é eterna em meu jardim.

Pois que o louvor do gamo às venturosas
servas chega em meus vales num clarim,
trago assim das vertentes mais rochosas
minhas rosas com ungüentos de alecrim.

Hoje eu sei me encontrar sem me perder
morrendo em teus caminhos sem morrer
porquanto és minha amada e pertencida.

Que eu te pertenço como um sonho vivo
pertence aos sonhos que me dão motivo
para que eu morra em mim por tua vida.

Afonso Estebanez
TERCEIRA ROSA DE SAROM
É doce quanto o sonho de ser procurado
 meu sonho mesmo tardo de te procurar.
É eterno como o fado de ser encontrado
sob o peso do fardo de não te encontrar.

O evangelho das rosas me traz revelado
que o mistério do amor é o único pomar
onde uma lágrima é um fruto maturado
que flui da alma da saudade de te amar. 

Meu coração ainda é recâmara de amor
e tâmaras entre os racimos de ternuras 
que te ofereço pelo amor além do mito.

Ô, toda rosa amada! aflito é o desamor
que não revive de saber das amarguras
que o limite da minha rosa é o infinito...

Afonso Estebanez 
SEGUNDA ROSA DE SAROM


Já contei muitas vidas de braços abertos
inaugurando na alma as tuas primaveras
revividas nas flores dos jardins desertos
onde te resto como lírios entre as heras.

Aqui estou apascentando os teus afetos
como pastor do sol no vale das esperas
onde conduzo rosas em jardins abertos
a claros vales verdejantes de quimeras.

Rosas são páginas escritas de carinhos 
registradas nas pétalas pelos espinhos
do meu secreto descaminho da paixão.

E rosas vivem pelo dom da eternidade
das minhas rosas no finito da saudade
onde repousa a rosa do meu coração.


Afonso Estebanez 
 PRIMEIRA ROSA DE SAROM

Tão triste é tu encontrares um amor
tão triste que não pode te encontrar
tão vasto como o aroma de uma flor
dispersa na lembrança sem lembrar. 

Oh, fonte de água viva! banha a dor 
do tédio do deserto e a joga ao mar
onde o pranto supõe ser um louvor
ou o meu canto ao direito de chorar.

Chorar por toda rosa é uma canção
que dói, mas não magoa o coração,
se meu amar é vida e amor é dom. 

Eu quero apenas encontrar a rosa:
entre muitas aquela mais formosa
reflorida entre as rosas de Sarom!


Afonso Estebanez 
DESEJO DE AMAR...



Eu pus minha vida no vento
e o vento aprendeu a cantar
levando-me todo o lamento
do encanto na brisa do mar.

A vida era todo o momento
que o vento deixava passar
na breve cantiga do tempo
na ausência infinita do mar.

E não era paz ou tormento
tentar ir-me embora e ficar
à beira do amor ao relento
ouvindo o lamento do mar.

Então pus o corpo sedento
e o ventre da brisa no mar
e a alma salgada do vento
refez meu desejo de amar...

Afonso Estebanez
DA POESIA



Poesia não é palavra
ou o ouro ou a lavra.
Poesia é de ninguém.
Não é o elo perdido,
e o seu único sentido
é aquele que não tem.

Poesia enquanto fala
é então que ela se cala
se não é verbo de ação.
O som é só o fonema
que resvala no poema
sua força da expressão.

Poesia não é o ponto
ou o furo do pesponto
não é forno nem é pão.
Ou o ovo ou a galinha
ou a agulha ou a linha
ou o fogo ou o carvão.

Poesia é um absurdo
é o nada sendo tudo
o obscuro da sintaxe.
É o ser e é o não ser!
Impossível de nascer,
é daí que ela renasce...

Afonso Estebanez 
MENINA & MULHER

É algo de mulher que me fascina
nesse teu jeito etéreo de me amar
como nuvem que a lua descortina
no corpo dos lençóis entre o luar...

É algo de mulher que me alucina
perene amor que mata sem matar
uma parte mulher e outra menina
ditoso amor de meu eclipse lunar...

É algo que me encanta de tal jeito
e sangra sem doer dentro do peito
e alegra-se do sim na dor do não...

E me ama no regresso do menino
homem feito na linha do destino
já transcrito a punhal no coração...

Afonso Estebanez 
EMPRESTA-ME A TUA ALMA



Já sei por onde escoam as águas da fonte
desse sorriso de cristal que me entorpece 
de sonhos o rebanho de minhas emoções.

Ecoa-me a canção destas amenas águas 
que te escorrem das pedras derramadas
na ânfora do corpo em cálice de outono.

E os teus sorrisos são libélulas de beijos 
tangidas pelas flautas doces das ribeiras
do impulsivo destino de lavar o coração.

Então me empresta a alma de alvorada
para tirar de ti as pedras dos caminhos
e apascentar as águas do meu ribeirão.

Benditos sejam os clarins da primavera
benditos sejam os que viverão de rosas
porque de espinhos eles não perecerão.

Afonso Estebanez

DOCE ASFIXIA DE AMOR



Ah, se te houvesse padecer o quanto
do tanto que esse amor desesperado
padeceu-me de enfado e desencanto
como um beijo nos lábios sepultado. 

Ah, se me houvesse redimir o pranto
do tanto que te amei sem ter amado
em padecendo em ti morrendo tanto
como o canto de um pássaro calado.

O amor que me asfixia de esperança
também se cala e em ti retine mudo
como sino a tanger sem ressonância.

Ah, não te fora o místico ‘contudo’...
Eu perdoaria o ‘mas’ da intolerância.
E meu amor, sem ‘mas’, seria tudo! 

Afonso Estebanez
(Dedicado a Maria Magali de Oliveira
– fiel companheira de jornada) 
FACES DA LIBERDADE

Perder a sensação de ver a luz.
O jeito certo de viver por mim.
Ou perder os lugares onde pus
o meu direito de pensar assim.

O mundo é isso aí: amor e cruz
e vaidades na torre de marfim!
Da liberdade apenas nos seduz
esse canto de rosas no jardim.

Perder momentos de felicidade
é não ouvir cantar a primavera
na brisa fria da razão sem voz.

E se dá por perdida a liberdade
se o medo de viver virar a fera 
que se regala de viver por nós.

Afonso Estebanez
(Dedicado ao notável poeta e amigo
Manoel Virgílio Pimentel Côrtes)



CHUVA NO MOLHADO


Gosto da chuva no telhado...
As goteiras me fazem pensar
nos pontos finais que deixei
de colocar na minha história.

Gosto da chuva no molhado...
Os canteiros me dão lembrar
dos jardineiros que ficaram
com sementes na memória.

Gosto de causas sem efeito...
De maus sonhos sem motivo
de morrer sem ser preciso
por ter fama sem proveito.

Gosto das coisas como são...
Da vida como um desterro 
da sombra indo ao enterro
da sombra morta no chão...


Afonso Estebanez 
DEUS GUARDA MINHA CANÇÃO


Eu existo porque canto.
Nada sei, senão cantar...
Encanto por desencanto
ou canto para encantar.

Tenho a alma das violas
nas danças de desfastio
e beijos de castanholas
nas horas de meu estio... 

É acalanto quando calo
como flauta sussurrada
no canto mudo do galo
que perdeu a alvorada...

É mudez do vasto espanto
de ver tanto amanhecer...
Não é mágoa nem é pranto
mas o encanto de nascer. 

Eu trago memórias fartas
das almas dos bandolins
das guitarras e das harpas
dos corais dos querubins...

Não é magia nem fado
o louvor que me conduz
pelas veredas do prado
dos rebanhos de Jesus...

Afonso Estebanez