sábado, 8 de novembro de 2008

BOA NOITE MEU AMOR...


BOA NOITE MEU AMOR...

Boa noite, meu amor!
O mar acalma na brisa
essa é a hora de voltar...
A brisa acalmar o vento
os sonhos o pensamento
que não cessa de gritar
nessa noite numerosa
entre as ondas sinuosas
dos caminhos do luar...

Boa noite, meu amor!
Sem os muros dos rochedos
sem nenhum setembro negro
sem mistérios nem segredos
sem os medos de voltar...

Boa noite, meu amor!
É destino o amanhecer
para a noite descansar...
Bom sonhar enquanto é tempo
bom de morrer ao relento
bom de renascer no mar...

A. Estebanez

GRITO ABAFADO


GRITO ABAFADO

O meu grito é sufocado.
Não parece que é grito.
Parece um grito falado.
Mas ele nunca foi dito.

É a pedra sob as águas
é mágoa de sentimento
é um grito de palavras
retidas no pensamento.

Corpo a corpo desafia.
É faca que cai da mão.
É como pedra que afia
os punhais do coração.

Como resto de festins
sobrevive dos jejuns...
Ele é a fome de todos
e mesa farta de alguns.

Sob a mira dos fuzis
é muralha de granito.
Ressoa a bala no eco
e retorna como grito.

E se me tiram a voz
é daí que me revolto...
O que se fala calado
ecoa muito mais alto.

A. Estebanez

FAZ DE CONTA

FAZ DE CONTA

Faz de conta que é setembro
que setembro sempre espera
pelo amor de que me lembro
se em setembro é primavera.

Faz de conta que é alvorada
com auroras sempre abertas
e que a minha alma fechada
transponha a aurora deserta.

Se meu deserto é sem água
sou meu setembro sem flor.
Flor que rego com a lágrima
dos meus espinhos de amor.

Só faz de conta que lembro
que teu coração me espera
regressar como o setembro
para a tua primavera...

Afonso Estebanez

ITAOCARA...

ITAOCARA...

Itaocara.
Itaocara tem.
Itaocara tem uma ponte.
Itaocara tem uma ponte de concreto.
Itaocara tem uma ponte de concreto armado.
Itaocara tem uma ponte de concreto armado no poente.
Itaocara tem uma ponte de concreto armado no poente refletido.
Itaocara tem uma ponte de concreto armado no poente refletido sobre as águas.
Itaocara tem uma ponte de concreto armado no poente refletido sobre as águas serenas.
Itaocara tem uma ponte de concreto armado no poente refletido sobre as águas serenas do rio.
Itaocara tem uma ponte de concreto armado no poente refletido sobre as águas serenas do rio Paraíba...

Afonso Estebanez

MENINA DA BICA (cantiga à moda gaulesa)

MENINA DA BICA
(cantiga à moda gaulesa)

Mal surgia a madrugada
como à noite o dia afora
tão cheia a vida de nada
e a alma cheia de aurora.

Minha menina da bica
vai buscar água lavada
levando a sua alma rica
da vida quase sem nada.

Ah, se eu pudesse diria
para a menina intocada
que aquela fonte podia
ter sua água encantada.

Oh, menina tão amada
se soubesse eu contaria
daquela água encantada
que ainda te encantaria.

Essa cantiga é contada
sobre a menina da bica
que a água da alvorada
acabou deixando rica...

A. Estebanez

LUDMILA

LUDMILA

Por mais que pareça tão leve
lembrança de um breve momento
é mais do que um pássaro almado
num sonho sem paz nem tormento...

É como se dentro de mim
assim como flauta no vento
uma voz que não sei bem onde
vivesse cantando tão perto
de uma dor que estava tão longe...

No peito já bronze fundido
antigo intocado na noite
perdida no rumo da aragem
como sons de cordas caladas
de alguma canção em viagem...

Na tênue plumagem da lua
seminua sobre a campina,
uma voz que não sei bem onde
talvez no rumor da neblina...
Uma dor que estava tão longe
na brisa que tange a cantiga...

Abriga minh’alma e acalanta
sem mágoa a esperança perdida!
E é tudo o que resta – uma sombra
de mim do outro lado da vida...

A. Estebanez
(Poema dedicado à minha filha do outro lado da vida)

LÔLA


LÔLA

– Êta diazinho safado de bonito, né Lola?
– É...
– Parece que todo mundo tá rindo, né Lola?
– É...
– Que nem domingo de surpresa no meio da semana, hein Lôla?
– É...
– Hoje não existe mais um dia assim com esse cheirinho colorido
feito manhã de feriado nacional, né Lôla?
– É...
– Lola, vamos catar piolho?
– É... Mas depois, vamos caçar piolho, tá?
– Tá...

A. Estebanez

PÁSSAROS NOTURNOS – 1


PÁSSAROS NOTURNOS – 1

Há um pássaro noturno
a vasta noite e o marulho
escondidos nos escuros
labirintos do luar...

Há os muros os penedos
e aquele setembro negro
o pavor desses rochedos
além dos medos do mar...

Há o oceano e essa vaga memória do tempo.
Há navios ao relento há náufragos e o vento
debruçados no crepúsculo
onde a luz foi repousar...

E há um pássaro noturno
que não tem onde pousar...

A. Estebanez

PÁSSAROS NOTURNOS – 2

PÁSSAROS NOTURNOS – 2

Há um corvo sobre o mundo
há o corpo de um moribundo
e um contra-senso profundo
nesse aquém de além do mar...

Há os pulmões sem o fôlego
os tropeços sem os trôpegos
há os atropelos sem tráfego
e um passado ainda a passar...

Há veredas de luz na direção da lua sobre o mar
a ponte movediça e esse final de rua nua de luar
e os desesperados de amor cansados de esperar...

Há a sombra do horizonte
as paixões de Anacreonte
há os sonhos dos amantes
e há corpos para enterrar...

E há um pássaro noturno
que não têm onde pousar...

A. Estebanez

PÁSSAROS NOTURNOS – 3


PÁSSAROS NOTURNOS – 3

... E há o pássaro noturno
contornando o mar escuro
sem ter ilha onde pousar...

Há uma noite percorrendo o céu
topografando a luz da via-láctea
em seu ocioso ofício de brilhar...

Precisa do refúgio de um corpo
como a treva da lâmpada acesa
como barcos entrando no porto
como o corpo no fundo do mar.

Precisa conhecer ilhas perdidas
como o sol necessita do poente
como a noite precisa anoitecer
aonde os riachos vão descansar.

Há um cadáver na praça
há os suicidas anônimos
e há muitos heterônimos
e mil demônios e o mar.

E há um pássaro noturno
que não tem onde pousar...

A. Estebanez

PÁSSAROS NOTURNOS - 4

PÁSSAROS NOTURNOS - 4

Por ofício de mim é que todos os dias
permito-me acompanhar a minha vida
num salto vagaroso sobre as penedias
escarpadas da manhã tardia e suicida...

Celebro o abundante ritual de chuvas
derramadas nos cristais das açucenas
excitadas nas mãos leves das plumas
da noite adormecida entre alfazemas...

Percorro alhures os becos sem saída
e à minha sombra amante faço amor.
Bastante a lua recostada na avenida
onde o pousar seja um doer sem dor...

Faço anúncios da face da primavera.
Agito o amor das almas sem perdão.
Mas o meu ser não deixa de ser fera
mera sombra de um pássaro no chão...

A. Estebanez

SENHORA MINHA


SENHORA MINHA

Navegai-me em vosso sonho
que é o meu pássaro cativo
da certeza de que eu morro
docemente por quem vivo...

Levai-me ao fim do destino
de vossos mares inquietos
afogando em vossas águas
meus prantos e desafetos...

Menina, Senhora minha!
por quem é vossa enseada
que se meus sonhos liberta
detém-me a alma ancorada?

Aportai em vossas praias
meu barco rude sem velas
ao vento de nossas almas
navegando paralelas...

Dizei-me se o vosso olhar
como a luz do navegante
quer singrar meu coração
em vosso doce semblante!

Menina, Senhora minha!
Eis-me um pássaro cativo
da loucura de que morro
da razão de estar eu vivo...

A. Estebanez

SENSAÇÕES


SENSAÇÕES

Não gosto de movimentos.
A não ser dos sentimentos
de amores de uma mulher.

Não gosto de movimentos.
Senão de nuvens e ventos
quando passa uma mulher.

Não gosto de movimentos.
Senão daqueles momentos
do prazer de uma mulher!


Afonso Estebanez

ÚLTIMA ROSA DE DELOS


ÚLTIMA ROSA DE DELOS

Conheço as flores como a rosa o espinho
o trigo ao pão do amor que me alimenta,
em meus vinhedos sou do fruto ao vinho
a abundância do amor que te contempla.

És o princípio e o fim de um só caminho
no mistério do encanto que me inventa:
no horizonte do olhar de um passarinho
esplende a luz do amor que te contenta.

Não mais pressentimentos de distâncias
nem mais esse pesar das circunstâncias
de almas gêmeas em mundos paralelos.

Se um tempo aqui nascemos e vivemos
e aqui morremos, sim!... e morreremos
como as rosas de pedra, mas de Delos!


Afonso Estebanez