terça-feira, 3 de dezembro de 2013

INICIAÇÃO NOS CAMPOS DE GULAG (Último sentimento)


INICIAÇÃO NOS CAMPOS DE GULAG
(Último sentimento)

Como seria esse perdoar-lhes ontem
se o ontem é o crepúsculo do agora?
que seus dias melhores nos apontem
esquecer-lhes presentes na memória.

Pois amanhã não vai haver
mais sonho além da aurora
nem hora para um sonho entardecer
nem falta de motivo para não viver.
O oráculo está anunciando
que paz é ponto de partida
metade faz parte da morte
e o resto faz parte da vida.
A noite reencontrará a luz do norte
de nossa constelação de sobrevida:
para quem voltou da morte
não há morte além da vida.

Julis Calderon d'Estéfan
(Heterônimo de Afonso Estebanez)


INICIAÇÃO NOS CAMPOS DE GULAG (Décimo sentimento)


INICIAÇÃO NOS CAMPOS DE GULAG
(Décimo sentimento)

A vida é a que renasce inexoravelmente
no berço da manhã vestida de esperança.
E não há outra no itinerário do presente.
É tudo o que transcende o limite da luz
e revela o rosto do crepúsculo da morte
onde tudo depende do todo de seu tudo
como a parte do sonho é a circunstância.
Antes do mito mensageiro de Telêmaco,
já o oráculo de amor anunciava o suave
martírio de Penélope, de quem a espera
cumpria o ritual de tecer a hora e o dia
de a esperança transcender sua quimera.

Eia, vida como a de um sonho
um sonho de pedra que espera
acordar do inverno do outono
como um pomo da primavera!


Julis Calderon d'Estéfan
(Heterônimo de Afonso Estebanez)

INICIAÇÃO NOS CAMPOS DE GULAG (Nono sentimento)


INICIAÇÃO NOS CAMPOS DE GULAG
(Nono sentimento)

Talvez amanhã de manhã
já não saibamos mais quem somos nós
ou seremos cada irmão levando a própria sombra
nos ombros do tardio corpo.
Talvez rumemos para uma nova Canaâ
– a fauna prometida sob as águas
de nossos submersos descaminhos.
Talvez sejamos arcanjos argonautas
singrando sonhos marinhos...
Talvez libertadores das crisálidas de luz
daquelas gotas de sangue entre as dobras
das túnicas inconsúteis de Jesus.

... entrementes:
– aquela última dose dupla de Boaka
– aquela dentadura de arame farpado
– aquela dose venenosa de vodka-cola
– aquele ponto de exclamação içado
no “L” insone da forca da insanidade...
... a língua forçando os dentes
privados da liberdade
de matar aquela fome
sem a dor da imunidade.

Julis Calderon d'Estéfan
(Heterônimo de Afonso Estebanez)

INICIAÇÃO NOS CAMPOS DE GULAG (Oitavo sentimento)


INICIAÇÃO NOS CAMPOS DE GULAG
(Oitavo sentimento)

Amanhã de manhã nossa voz premonitória
vai despertar rios de sonhos que escorrerão
como espasmos da liberdade constrangida
pelas curras inexoráveis contra nossa alma
encurralada feito fera num beco sem saída.

Anunciará aos pequeninos a ressurreição
da paz desfalecida nos ombros largos
da esperança.
Que a noite não desvie a aurora
do itinerário do amanhecer dentro de nós
nem deixe em nossa boca o desgosto
dos frutos dos outonos não provados.
Que os encontros de improviso
faltem aos encontros marcados.
Que o futuro do presente
seja sempre sem passado.
E se morrer é inevitável,
seja a morte descontente
por chegarmos atrasados...

Julis Calderon d'Estéfan
(Heterônimo de Afonso Estebanez)

INICIAÇÃO NOS CAMPOS DE GULAG (Sétimo sentimento)




INICIAÇÃO NOS CAMPOS DE GULAG
(Sétimo sentimento)

Nossa língua frouxa
e adormecida por trás das grades
da dentadura denuncia a história
das ditaduras mais antigas que a História não
contou. Nossos pais nunca assumiram a autoria
dos genocídios que os pais deles praticaram.
O coração foi posto no fogo inconsumível
do limbo dos padecentes e demos a face
ao pranto derramado na face alheia.
Contudo, repousa a luz no Universo...
Não é tudo! Ainda somos o elo partido
da cadeia...

Não se lê a cartilha de fábulas pelo início
da mentira. Quem fizer a própria história
vai reviver de tudo o que se tira do ofício
de garimpar nas águas sujas da penúltima
página da memória...

Entre os ‘pês’ e os ‘zês’ do alfabeto zen
a paz não é o constrangido ‘A’ de Amor
zipado entre o Alfa e o Ômega do bem!

Julis Calderon d'Estéfan
(Heterônimo de Afonso Estebanez)