terça-feira, 1 de junho de 2010

QUARTA ROSA DO ORIENTE

Tenho saudade da saudade dela
murmurando na brisa do jardim
que revejo do encanto da janela
aberta pelo céu dentro de mim.

A minha rosa é como a cidadela
da memória na torre de marfim
desse desterro de viver sem ela
num pálido crepúsculo sem fim.

Ela me traz de volta a sensação
de algum tempo futuro já vivido
no passado que não aconteceu.

Assim pressinto que no coração
essa doce ilusão me faz sentido
como sonho que se reconheceu.

Afonso Estebanez

segunda-feira, 10 de maio de 2010

DE VOLTA PARA MIM

Eu um dia fui assim...
(trepava no pé-de-vento
plantava no pensamento
gozava gotas de orvalho
meu orgasmo de relento
com perfume de capim).

Eu ainda sou assim...
(o fico que não me deixa
a porta que não se fecha
a curva sempre voltando
à minha vida sem queixa
de voltar-me para mim).

Afonso Estebanez

quarta-feira, 28 de abril de 2010

LÁGRIMA

Lágrima é um brilhante lapidado
pela luz da manhã ao despontar
uma gota de orvalho perfumado
no frasco de cristal do teu olhar.

É nascente de um rio represado
que te chora na face sem penar
o epílogo de um livro já fechado
com um ponto final para chorar.

E vejo com o teu olhar de Shiva
que doer é a forma compassiva
de uma lágrima gotejar perdão.

Repousa-me na dor de tua cruz
e me cubra com lágrimas de luz
no calvário de paz do coração...

Afonso Estebanez
(Para Anna Ortiz com o meu carinho)

quarta-feira, 21 de abril de 2010

SONETO DA INFIDELIDADE

Em nada ao meu amor serei atento,
antes, só por descaso e desencanto
que mesmo seja meu o teu encanto
dele me desencante o pensamento.

Não viverei por ele um só momento
e de tristeza hei de calar meu canto
e cantar de alegria com meu pranto
o seu prazer ou descontentamento.

Tomara esse feliz de quem não ama
talvez a vida, sonho de quem morre
assim mais cedo um dia me procure

e dele eu fale que sequer foi chama
e não sendo infinito a quem socorre
não me seja infinito ainda que dure.

Afonso Estebanez
(Réplica ao ‘Soneto da Fidelidade’
De Vinicius de Moraes)

FEITIÇO

Eu via uma vela preta
acesa na noite escura
e a sua luz imperfeita
desfeita pela ternura.

As estrelas escreviam
na folha de luz do céu
os poetas confundiam
os mistérios do papel.

O meu olhar inocente
refletido em teu olhar
foi o lumiar da mente
que fez a vela apagar.

Enfim a lua enfunada
no céu feito claridade
parecia minha amada
vestida de divindade.

Afonso Estebanez

quarta-feira, 17 de março de 2010

MEU REBANHO DE SAUDADE

Que saudade dos sonhos que perdi
do amanhecer do tempo de sonhar
ao termo da paixão que eu não vivi
por ter adiado o tempo para amar.

Que saudade de quando eu padeci
feliz de amargurar-me sem chorar
das feridas do amor que não senti
fingindo que paixão pode esperar.

Devo viver o lado bom do inferno,
talvez o amor não seja tão eterno
como a luz que seduz a claridade.

Eis ninguém pode separar de mim
as memórias que planto no jardim
solar de meu rebanho de saudade.

Afonso Estebanez
(Este poema é dedicado à Comunidade
“Poemas à Flor da Pele” – meu imortal
Planeta de Origem... 17/03/2010)

domingo, 14 de fevereiro de 2010

O POETA E A LOUCURA QUÂNTICA

Há muito sofrimento neste mundo.
O poeta escala o fundo da alvorada
e dela vai a um despertar profundo
de outra vida que é sua dor calada.

O poeta vai aos campos de batalha
armado com o instinto de uma flor,
e na frente de luta o poeta espalha
seus cânticos de guerra com amor.

O poeta vai aos campos de centeio
e tira o joio enquanto colhe o trigo
que doa como pão partido ao meio
para a missa de paz com o inimigo.

Todo poeta é um louco concebível,
é um mago e sua quântica loucura
em que o eterno pode ser possível
na dimensão possível da ternura...

Afonso Estebanez

domingo, 31 de janeiro de 2010

SONETO DA DESPEDIDA

Foi necessário que chovesse tanto
para que tanto mais o sol voltasse
a refletir a luz que a dor do pranto
inundou de penumbra minha face.

Foi-me defeso ressentir do quanto
sob a cinza do amor em desenlace
ainda me encantaria o desencanto
se esse rio de mágoa não secasse.

Não refaças o curso dos meus rios
nem acenes ‘adeus’ para os navios
de sonhos idos do meu velho cais.

Não levo nada... Só a necessidade
que ainda tenho de sentir saudade
dos teus momentos lívidos de paz.

Afonso Estebanez

segunda-feira, 18 de janeiro de 2010

BALADA PARA ZILDA ARNS

Hoje eu poderia morrer por tua causa
eu poderia até morrer de amor por ti.
Mas teu amor aflito me dá uma pausa
para morrer de amor maior por Haiti.

Só uma dor profunda sente tanta dor
maior que todo sofrimento que senti:
é a solidão da morte de não ter amor
o new apocalypse que varreu o Haiti.

Nós hoje poderíamos mudar o sonho
eu a dogmática verdade que aprendi
e tu a biografia obscura do medonho
apartaid racial que segregou o Haiti.

Hoje eu deveria viver por uma causa
que celebrasse a glória de viver aqui.
Porém a dor é tanta que parece rosa
sob os escombros ardilosos do Haiti.

Afonso Estebanez

terça-feira, 12 de janeiro de 2010

SOB A LUZ DA ALMA

Não posso ver o teu mundo
com o olhar sem ver o meu
se estou no limbo profundo
da luz que o cosmo perdeu.

Mas se tanto me aprofundo
em teu fado onde estou eu,
enxergo o encanto fecundo
do mundo que agora é teu.

Pois o amor é essa inversão
que impõe ao sonho a razão
de crer mesmo sem querer,

sob um tênue véu de calma
tu te ocultas na minha alma
de onde a luz me faz te ver.

Afonso Estebanez
(Dedicado a Tania Sá
– tão gentil amiga)

domingo, 10 de janeiro de 2010

LEMBRANÇAS DE PAQUETÁ

Paquetá! – aqui estou de face revelada
ao fado de rever-te se ora me destinas
tua história de amor e glória recontada
no diário natural de tuas obras-primas.

Tenho saudade da saudade antecipada
que já sentia da canção das casuarinas
ao desmaiar no alvor da lua repousada
a luz do dia à flor das águas cristalinas.

Paquetá! – infinita luz entre dez milhas
de auroras e crepúsculos tintos de mel
de flor de flamboyant e banhos de luar.

Esmeralda pendente do colar das ilhas,
parte de um paraíso que restou do céu
d’algum éden celeste que caiu no mar.

Afonso Estebanez

Despedida...

Perdi meus rastros...
foram cobertos pelas areias do seu espaço.
Nas áridas paisagens do seu desapego
sofri a inanição dos meus desejos
e a perdição de seus abraços.

Era para ser imenso...
o amor que via em seus afagos.
Porém, nas dunas de seus beijos,
colhi o veneno do desprezo
sendo presa de seus laços.

Se pede amor por inteiro...
devia entregar-se por completo.
Do mar alto da desilusão,
com tristeza me despeço
o coração já aos pedaços.

Entre nós e o horizonte...
fica o silêncio do amor dos pássaros.
Que perdure tão curta a eternidade,
seja eterno o instante desse amor
restado de tão breves traços...


Juleni Andrade & Afonso Estebanez