quarta-feira, 22 de março de 2017

SONETO DA REMISSÃO


O anacronismo sempre foi uma bandeira
para os fleumáticos amantes da saudade,
a cortesã do saudosismo, a companheira
dos que perderam pela vida a mocidade.


Já não existem mais os pomos na videira
ainda imaturos consumidos por vaidade
e se admite então o quanto é verdadeira
a sintonia entre a velhice e a puberdade.


Nada se opõe a que viver seja passagem,
e que morrer se mostre parte da viagem
onde os idosos têm o ofício de aprendiz.


É imperioso o despojar-se dos passados
que melancólicos embora são versados
em impedir que a alma cante mais feliz.


Afonso Estebanez

terça-feira, 21 de março de 2017

MEU CANTEIRO DE SONHOS


Uma grande construção foi demolida
No canteiro de obras de minha vida...
Outra construirei ainda que pequenina
Naqueles traços deixados na despedida.


Entre trapos, farrapos e entulhos, 
Posso encontrar matéria prima... 
Começarei fazendo a reciclagem
Da alma acostumada com o clima
Das tarefas diáfanas das miragens.


Posso aproveitar o que sobrou de mim
E dar início a uma renovadora construção, 
Do jeito que me faça ainda ser feliz.

O aprendizado da experiência e do velho 
Sofrimento serão os meus instrumentos 
De superação da minha fase de aprendiz.


Recomeçar pelo alicerce, preparar o terreno, 
Novamente, aterrando, plainando onde a areia
Movediça um dia afogou-me os pés sem chão... 
Quero reconstruir na rocha para que os sonhos
Solidificados não possam desmoronar. 
Fortes colunas sobre o alicerce de minhas 
Decisões compostas de atitudes duradouras, 
Paredes que só guardem vozes sem chorar.

Minha sala terá um cantinho acolhedor
Com plantas orientais, anjos, duendes,
Uma pequena fonte com aves cantando
Ao redor das águas borbulhantes...
Aí vou receber os amigos, falar poemas
Desconhecidos e meditar sobre alguma
Coisa provável como a eternidade.


Erguerei um quiosque de verão com
Plantas exóticas de algum Éden que
Ainda não foi inventado nesta vida,
Terei um corredor com decorações de sol, 
Estrelas, astros, luas e asteróides nunca 
Dantes descobertos...


Não haverá desertos em meus projetos
De inocentes animais de estimação...
Os anõezinhos brincalhões conversarão
Ao redor da pequena piscina onde lírios
Dividirão comigo e meus amigos um drink
De orvalho como num brinde a todas
As manhãs que trazem sempre
Algum eterno recomeço...


Mary Lovely

(Em homenagem especial à poetisa autora,
em agradecimento à sua generosidade no
desenvolvimento do meu blogger)

Afonso Estebanez
A MAGIA DA EXPRESSÃO LITERÁRIA
OFICINA – MODULAÇÃO INTERATIVA - 12
*REPASSANDO ‘POEMA x POESIA’*


O estágio mais importante de nossos estudos iniciais nossos acompanhantes já devem ter alcançado: a CONSCIÊNCIA e o RECONHECIMENTO de que ‘Poesia & Poema’ são muito mais importantes do que as espécies, os gêneros ou as formas fixas que os possam identificar ou distinguir. Já elaboramos o mencionado Módulo 05 exatamente sobre o assunto levantado, que já foi postado. Mas são os Módulos 05/06 exatamente que têm a função de DESCOMPLICAR DEFINITIVAMENTE essa questão, mesmo que com as inevitáveis conceituações de ordem técnica. Após, nos embrenharemos no ‘sertão e veredas’ das milhares de formas – MILHARES MESMO – de ESCREVER POEMAS SEM MEDO. Temos lembrado que ‘poema e poesia’ estão quase sempre onde menos esperamos: num bilhete de despedida para o trabalho, numa redação escolar, nos olhos do sapo, numa florzinha do jardim, na sombra noturna de uma árvore, na brisa passageira, na água fervendo na panela, no barulho da vassoura recolhendo o lixinho do quintal... e, às vezes, até no ronco noturno da pessoa amada. Em tudo estão o poema e a poesia! Mas se essa ‘dupla’ divina estiver no seu atento coração, nada mais sublime. É só celebrar de forma que convença mais a sua própria alma do que a dos outros...

Afonso Estebanez
A METÁFORA PERDIDA


Uma simples figura de linguagem
teria transformado a minha vida,
não fora a destituição da imagem
da alma humana desconstituída.

Meu vício de empreender viagem
por milhares de autores repetida
coisificou meu ego e a mensagem
que se alinha à metáfora perdida.

Metáfora é um modo de entender
o que me diz do amor sem o dizer
a alma onde nada se há perdido...

Vê! a metáfora do amor responde
que o paraíso é um lugar de onde
eu nunca deveria ter saído!...

Afonso Estebanez
(Poema que dedico ao meu heterônimo
Julis Calderón d’Estéfan – 21.03.2017)
SORTILÉGIO DO POEMA


Aprendi com palavras a esculpir poemas
ainda que sensíveis ao primeiro instante
mas todas se jubilam cósmicas e plenas
e cada uma se proclama minha amante.

Aprendi a sonhar com palavras amenas
a dançar com palavras de povo distante
e aprendi a viver com palavras e tremas
as palavras inúteis da língua implicante.

E palavras são bússolas para-sensíveis
ao reconhecimento dos versos incríveis
os entes da magia de toda experiência.

Portanto, eu aprendi a contornar os rios
e a desassombrar o mar com os navios
e viver de sonhar à luz da consciência.

Afonso Estebanez

sábado, 18 de março de 2017

A CASA DE ENGENHO


Essa casa de engenho abandonada
guarda um segredo trágico de amor,
fora o final de uma paixão sangrada
segundo um rude escrito sem autor.

Notava-se que a noite amedrontada
num silêncio embuçava a etérea dor
se a morte dos amantes foi tramada
sem que do amor restasse desertor.

Todos da casa então foram embora.
Hoje é jazigo onde só vem a aurora
despertar do veneno seus amantes.

Ô cenário de amor shakespeariano
que mata por prazer ou desengano
e morre por impulsos provocantes!

Afonso Estebanez

segunda-feira, 13 de março de 2017

A MAGIA DA EXPRESSÃO LITERÁRIA
OFICINA – MODULAÇÃO INTERATIVA – 11
* UM PINGO DE “OS SERTÕES” *



UM PINGO DE “OS SERTÕES” – Mais do que um meticuloso resumo de autoria da notável professora, poetisa e escritora cantagalense Ruth Farah Nacif Lutterback, Um Pingo de “Os Sertões” supera a expectativa autoral de que o conteúdo desta obra significasse apenas mais uma vertente didática na introdução ao estudo de “Os Sertões” – essa inestimável herança cultural que o cantagalense *Euclydes Rodrigues Pimenta da Cunha legou à humanidade. Não se trata apenas de um “pingo” literário nos mares estagnados da literatura do pré-modernismo brasileiro. Porém, em se tratando de Euclides da Cunha, a iniciativa da professora Ruth Farah se transforma em ‘atitude-denúncia’ dotada de eficácia bastante a aumentar o volume do oceano cultural que banha os espaços continentais alcançados pela obra do autor de “Os Sertões”.

Estão aqui preservados a ordem do itinerário – A Terra, O Homem e A Luta – e a denúncia social, política, jornalística e antropológica dos contrastes culturais entre os dois “brasis” cruelmente revelados: o do sertão e o do litoral. Ruth Farah lança luzes sobre a crítica ao nacionalismo exacerbado da população litorânea que, cega para a realidade da sociedade mestiça produzida pelo deserto, agiu com ferocidade criminosa contra a própria raça: a autora chama a atenção sobre o grande tema de “Os Sertões” e sobre o tom crítico com que se analisa o que séculos de atraso e miséria são capazes de produzir em regiões geográfica e temporalmente separadas do resto do país – lideranças fanáticas, delírios coletivos e inconformismos sociais.

A intenção de Ruth Farah até poderia ter sido a de trazer a lume – numa síntese possível e fiel aos aplausos dos estudiosos – o somatório dos três elementos fundamentais da tragédia nacional que, jornalisticamente relatada por Euclides da Cunha nas páginas de “Os Sertões”, ainda hoje haveria de levar a consciência da sociedade brasileira ao patíbulo do tribunal de julgamento da História, por crime coletivo contra a humanidade. Aos nossos olhos, Ruth Farah o conseguiu ao expor, com transparência e evidente conhecimento de causa, os fatos, os importantes questionamentos e as grandes formulações sociológicas, antropológicas, históricas e políticas, para que compreendamos, com espírito mais crítico, o país de antes e de depois da República, segundo os embriões sócio-políticos revelados por Euclides através do processo de DENÚNCIA contra a realidade brasileira, então ainda deitada no berço esplêndido do romantismo decadente.

Da síntese da autora extrai-se ainda o que a partir de 1902 (publicação de “Os Sertões”) tornar-se-ia evidente na literatura brasileira, como os traços e condições reais do sertanejo, o ‘jagunço’, o ‘cangaceiro’, a ‘sub-raça’ do nordeste brasileiro: o herói determinista que resiste à tragédia de seu destino fatalista e irreversível.
É inevitável a constatação de que “Os Sertões” é uma das obras-primas da literatura brasileira. Como repórter de O Estado de São Paulo, Euclides da Cunha testemunhou a Campanha de Canudos, uma luta sangrenta contra os fanáticos que, chefiados por Antônio Conselheiro, ‘ameaçavam’ a segurança das povoações vizinhas. Mas em “Os Sertões”, admiráveis foram os estudos da terra e do homem do sertão nordestino, de suas ATITUDES na demonstração da capacidade de resistência.

A exposição de Ruth Farah deixa claro que “Os Sertões” foram uma obra que até hoje incomoda. Provoca e instiga. Estimula a pesquisa, a investigação da verdade, as reações contra o conformismo, as idéias de renovação de valores, os questionamentos político-sociais e a busca de soluções.

Estamos, assim, diante de um Euclides da Cunha cienticifista, historicista e naturalista – de um lado – que rompeu com o imperialismo literário da época – de outro lado – e, em suma, deu início a uma análise científica sem precedentes em benefício dos aspectos mais importantes da sociedade brasileira. Nossos incondicionais aplausos...

Afonso Estebanez
Cônsul de Poetas del Mundo para Cantagalo/RJ

*RUTH FARAH NACIF LUTTERBACK (1932-2017), mais conhecida apenas como Ruth Farah, escritora, trovadora emérita, professora e incentivadora da cultura regional, nasceu no município de Cantagalo-RJ em 11 de abril de 1932. Seus três amores culturais: Cantagalo, Educação e Euclides da Cunha. Já participou do Colóquio Internacional “Caminhos da Memória” e recebeu convite da UNESCO pela sua opinião sobre a Paz Mundial expressa em versos. Seu nome muito festejado se encontra em várias Antologias Literárias, entre as quais a “Devemos Ver com os Olhos Livres”, com destaque para “Um Pingo de os Sertões”, ressaltando a memória literária legada por Euclides da Cunha, obra lançada em 2009, com apresentação de capa pelo poeta e escritor  cantagalense Afonso Estebanez Stael, Cônsul de Poetas del Mundo em Cantagalo. Ruth Farah foi Delegada da UBT (União Brasileira de Trovadores) em Cantagalo. Faleceu em 21 de fevereiro de 2017 e continua sendo celebrada em todos os movimentos culturais promovidos na cidade.


CANTAGALO PRESS POEM


Minha sombra cativa do cipreste
dos teus muros e ruas – rei deposto
na torre desse exílio – que me reste
ao menos a lembrança do teu rosto...

Se regressar por lei me for imposto
aqui estarei rendido em solo agreste
senhor do resto apenas recomposto
da glória que meu canto te reveste.

Se uma esperança acaso derradeira
reclamar em minh’alma forasteira
o regaço materno que me estreitas...

Tua paz calará os meus protestos
e para sempre deitará meus restos
nesse vale de luz em que te deitas!

Afonso Estebanez

(O autor foi incluído por decreto municipal
“Filho Ilustre de Cantagalo” entre várias
autoridades, escritores e artistas consagrados,
e representa sua cidade natal no Movimento
de “Poetas del Mundo”com representação
na Argentina, Bolívia, Brasil, Chile,
Equador, França, Suíça e Espanha).
SENSAÇÕES ANÍMICAS


Vem ver a noite dando à luz a lua
vem ver a aurora anêmica ao luar
vem ver o alvorecer que só recua
depois que expele o ímpeto solar.

Vem ver a praia rejeitando mortos
que a raça intolerante põe no mar
vem ver a saga dos desvios tortos
vem ter um pesadelo sem sonhar.

E ver a farda ser o pão das traças
caindo as máscaras dos generais
vem ver a babelização das raças,
vem ver um arrotar de vendavais.

Vem ver o mar beber a água suja
que já se vê dos fétidos mirantes,
vem ver os designers da garatuja
que imita o ícone dos almirantes.

O mar está bebendo o nosso Rio
que está com água suja de beber
vem ver esses calígulas sem brio
que nos tiram o brio sem morrer!

Afonso Estebanez

domingo, 12 de março de 2017

MORRER PARA FICAR


Foi para pôr os fados no destino
que renasci para bordar poemas
com a alma marcada de menino
tão cedo já remindo suas penas.

Não sei se ainda tenho desatino
ofensas inocentes ou pequenas
que devam ser tiradas do divino
solar de onde lúcida me acenas.

Se for para viver um pouco mais
do que vivi dos velhos carnavais
eu vou morrer para jamais voltar.

E vou morrer se tanto for preciso
sabendo que tu estás no paraíso
à espera de eu morrer para ficar.

Afonso Estebanez
SONETO DA REVELAÇÃO


Andei na vida atrás de uma resposta
que aclarasse a pergunta que me fiz
se minha pobre infância hoje remota
inda é meu dom de envelhecer feliz.

Eu sempre sustentei a alma exposta
como a lâmpada acesa do aprendiz,
a ver se habita mesmo uma suposta
mágoa no amor que oculta a cicatriz.

À exaustão transpus mil cordilheiras
e os rústicos agrestes das fronteiras
onde houvesse uma rosa no jardim.

Embalde! Eu já aprendi com a idade
a despeito da ausência da saudade,
que tudo estava aqui dentro de mim!

Afonso Estebanez

sexta-feira, 10 de março de 2017


A MAGIA DA EXPRESSÃO LITERÁRIA
OFICINA – MODULAÇÃO INTERATIVA - 11
*REPASSANDO ‘POEMA x POESIA’*


O estágio mais importante de nossos estudos iniciais nossos acompanhantes já devem ter alcançado: a CONSCIÊNCIA e o RECONHECIMENTO de que ‘Poesia & Poema’ são muito mais importantes do que as espécies, os gêneros ou as formas fixas que os possam identificar ou distinguir. Já elaboramos o mencionado Módulo 05 exatamente sobre o assunto levantado, que já foi postado. Mas são os Módulos 05/06 exatamente que têm a função de DESCOMPLICAR DEFINITIVAMENTE essa questão, mesmo que com as inevitáveis conceituações de ordem técnica. Após, nos embrenharemos no ‘sertão e veredas’ das milhares de formas – MILHARES MESMO – de ESCREVER POEMAS SEM MEDO. Temos lembrado que ‘poema e poesia’ estão quase sempre onde menos esperamos: num bilhete de despedida para o trabalho, numa redação escolar, nos olhos do sapo, numa florzinha do jardim, na sombra noturna de uma árvore, na brisa passageira, na água fervendo na panela, no barulho da vassoura recolhendo o lixinho do quintal... e, às vezes, até no ronco noturno da pessoa amada. Em tudo estão o poema e a poesia! Mas se essa ‘dupla’ divina estiver no seu atento coração, nada mais sublime. É só celebrar de forma que convença mais a sua própria alma do que a dos outros...

Afonso Estebanez