domingo, 11 de dezembro de 2016

A MAGIA DA EXPRESSÃO LITERÁRIA
OFICINA – MÓDULO 08
DA ARTE DE ESCREVER COM ESTILO
*UM ATRIBUTO DA INDIVIDUALIDADE HUMANA*


“O MITO DA CAVERNA”. Todos conhecemos a parábola “O Mito da Caverna”, também chamada de “Alegoria da Caverna”, escrita por Platão (428-347), encontradiça na obra intitulada “A República” (Livro VII), de autoria do filósofo grego. Trata-se da exemplificação de como podemos nos libertar da condição de escuridão que nos aprisiona ao nos impedir de alcançar a luz da verdade. Pode ser uma exemplificação de COMO PODEMOS SUPERAR O MEDO DE ESCREVER, cujo destino é o alcance da libertação ATRAVÉS DA ATITUDE DA ALMA HUMANA.

Segundo relato de Platão, havia uma caverna separada do mundo exterior por um muro enorme, mas que continha uma pequena passagem que permitia a entrada da luz exterior. Seres humanos viviam ali como prisioneiros desde o nascimento, geração após geração, acorrentados e forçados a enxergar apenas a parede do fundo da caverna, sem que jamais tivessem visto o mundo exterior NEM A LUZ DO SOL. Uma réstia da luz externa, que passava pelo orifício do muro, iluminava o espaço habitado pelos prisioneiros, fazendo com que as coisas que se passavam no mundo exterior fossem projetadas como sombras na parede. Os habitantes da caverna JULGAVAM QUE AS SOMBRAS FOSSEM A MAIS PURA VERDADE. Certo dia, um dos prisioneiros resolveu empreender fuga da caverna, fabricando um instrumento com o qual quebrou os grilhões e escalou o muro, numa ATITUDE pessoal de muita coragem. Saiu da caverna e, no primeiro instante, ficou totalmente cego pela luminosidade da luz do sol, com a qual seus olhos não estavam acostumados, mas pouco a pouco se habituaram à luz, através da qual começaram a VER O MUNDO como ele era. O prisioneiro ficou ESPANTADO e, ao mesmo tempo, CHOCADO de ver as PRÓPRIAS COISAS, descobrindo que em sua prisão via apenas SOMBRAS e REFLEXOS. Desejou ficar longe da caverna, mas resolveu voltar para LIBERTAR os outros, avisando-lhes sobre o verdadeiro mundo. E, mesmo assim, foi desacreditado pelos demais que, incrédulos, preferiram manter suas idéias anteriores.

CONCLUI-SE QUE: é muito mais cômodo para nós apenas receber e aceitar tudo o que nos é mostrado como se fosse realmente verdade. Com isso, passamos a ter ideias errôneas e a formar opiniões distorcidas ou equivocadas sobre a maioria das coisas e fatos que cercam nossas vidas, sem que percebamos que estamos sendo manipulados para enxergar um mundo diferente do real. Ao aceitarmos essa condição, perdemos a oportunidade de conhecer a LIBERDADE, e o único jeito de alcançá-la é buscando a VERDADE dentro de nós mesmos, através de uma MANIFESTAÇÃO DE VONTADE COMPATÍVEL COM A ATITUDE DA ALMA HUMANA, uma atitude que nos liberte das influências que aceitamos sofrer, assim como o prisioneiro das trevas do mito de Platão: sendo capazes de acreditar que muitas vezes esse livramento está dentro de nós mesmos.

Assim, a “ARTE DE ESCREVER COM ESTILO” seria um atributo da individualidade humana, uma regra geral de libertação de uma visão estética da vida, segundo o processo natural do conhecimento humano. Mas a “ARTE DE ESCREVER COM ESTILO PESSOAL PRÓPRIO”, isto é – definitivamente – uma regra individual de libertação de uma visão estética da vida, através da expressão linguística peculiar a cada um. Neste contexto, a “POESIA” que existe dentro de cada um de nós se manifesta apenas como reflexo interior da luz, tal como no ‘mito platônico da caverna’. Mas se a poesia se liberta através da “ATITUDE” do poeta, assume a forma de “POEMA” e reassume a sua condição de expressão da verdade objetiva do mundo exterior. Seja como for, todo autor traz na escrita um “ESTILO”. Pode não ser definido ‘tão logo’ como ‘estilo pessoal próprio’, posto que é uma ‘experiência de libertação’ da individualidade. Mas é um ‘estilo’, um ‘produto da verdade’ do ponto de vista da materialidade da obra.

Neste passo, não há obra de arte desprovida de estilo. Conseqüentemente, todo poema tem um estilo. Quanto à sua identificação, espécie, qualificação ou quantificação no mundo artístico, não é matéria de que nos ocuparemos. De tais particularidades, ocupa-se a estilística. Infinito é o número dos autores que, no curso da história da cultura humana, entregaram-se aos estudos sistemáticos e analíticos de questão tão controvertida, a envolver retórica, poética, arte, ciência, literatura, epistemologia, justiça, virtude, política, educação, filosofia e militarismo, desde a Academia de Atenas (388 a. C.) com Platão, Sócrates e Aristóteles, até os dias de hoje, época em que a visão dominante de “ESTILO”, na linguística do séc. XX, pode ser descrita, segundo Birch (1998, p. 995), como “[...] a soma das características linguísticas que distinguem um texto de outro. E o que identifica a ‘ESTILÍSTICA’ como disciplina preocupada com a teoria e análise do estilo são motivações teóricas e metodológicas diferentes, que determinam quais características linguísticas em um determinado texto são adequadas para análise e quais não são. É uma estilística preocupada com a variação no uso da linguagem, ou seja, com a escolha analítica de seus termos (…)”.

Hoje, portanto, o termo ‘ESTILO’ passou a evocar, não mais o instrumento de ferro pontudo nas mãos de um velho sábio grego ou romano – o estilete – com que escrevia ele em tábuas enceradas. Estilo, na era moderna, passou a evocar o PRÓPRIO ESCRITO. Tem sentido figurado ou metafórico. De PRODUTO, passou a CONCEPÇÃO, a uma FEIÇÃO ESPECIAL. E apresenta-se nos mais diversificados usos: ‘estilo arquitetônico’, ‘estilo oratório’, ‘dança estilizada’, ‘dançarino sem estilo’, ‘estilo livre’, ‘estilo acadêmico’, ‘estilo apocalíptico’, ‘estilo asiático’, ‘estilo de jogo’, ‘estilo de borda’, ‘estilo de linha’, ‘estilo de tipos’, ‘estilo didático’, ‘estilo epistolar’, ‘estilo familiar’, ‘estilo clássico’, ‘estilo forense’, ‘estilo nobre’, ‘estilo vulgar’, ‘estilo ‘rebuscado’, ‘estilo rococó’, ‘estilo vicioso’, ‘estilo temperado’. Mas também é “ESTILO LITERÁRIO”: CARÁTER de uma produção artística de certa época ou certo povo, uma MANEIRA ESPECIAL de exprimir os pensamentos, falando ou escrevendo, uma HABILIDADE DISTINTA de compor, de pintar ou de esculpir de cada um.

Cada autor, por isso mesmo, ESTETA ou NÃO, impõe, no conteúdo de sua obra, algo de si próprio. Essa MANEIRA PESSOAL de expressão perceptiva ou imaginativa do autor é o ESTILO. É o que permite seja a obra sentida mais sensual, mais plástica, mais romântica, mais lírica, mais espiritualista. Não deve o estilo, entretanto, ser inteiramente livre, a ponto de submeter a obra artística a uma conceituação crítica que a classifique como produto de mera leviandade literária ou de anarquia linguística.  De um modo ou de outro, o estilo está condicionado a determinados fatores, para que seja inteligível e passe à posteridade mediante a aprovação do leitor e o reconhecimento público.

Portanto, na composição de um texto com propósito literário, devem ser observadas, em nome da arte de escrever, as QUALIDADES DE ESTILO, consubstanciadas – segundo orientação do já citado professor José Oiticica in Manual de Estilo – na ‘CORREÇÃO’, ‘CONCISÃO’, ‘CLAREZA’, ‘HARMONIA’, ‘ORIGINALIDADE’ e ‘VIGOR’ da linguagem literária – o que envolve precedentes estilísticos artisticamente privilegiados como: FORMA (materialidade de expressão), TEMA (motivo e núcleo ideativo) e RITMO (metrificação, cadência e musicalidade). Entre outros, estes assuntos serão objeto de nossos próximos módulos.

 Sobre a matéria em destaque neste módulo (08), porém, queremos destacar aqui a observação abalizada do notável escritor e artista visual catarinense *Tchello d'Barros, que advertiu durante entrevista concedida no XVI Congresso Brasileiro de Poesia, realizado em 2008 no palco cultural de Bento Gonçalves/RS: “Alguns teóricos são radicais ao dizer que não existe poema sem  o chamado ritmo. Seria o ritmo a base fundamental do poema. A metrificação é uma decorrência do ritmo. Aliás alguns defendem que deve  haver algum tipo de métrica mesmo em versos livres. Já outros, dizem que o  tema é a coisa mais importante a se considerar num texto que se pretende  ser um poema. *James Joyce privilegiou o estilo e a linguagem.  *Jorge Luis Borges apostava nas metáforas. Alguns puristas defendem a forma  - as formas fixas - como base segura para se escrever um poema. Penso que estes são alguns dos elementos com os quais o poeta deve lidar.  O mais importante talvez seja a possibilidade de alguém conseguir no meio  disso tudo encontrar sua voz pessoal, seu estilo único (...)”, numa “escrita peculiar e autoral” (asteriscos nossos).

*Tchello d'Barros (Brunópolis/SC, 1967) é escritor, artista visual e viajante. Residiu em 12 cidades, sendo 15 anos em Blumenau/SC, onde iniciou a carreira artística. Percorreu 20 países em constantes pesquisas na área cultural e desde 2004 está radicado em Maceió/AL, onde produz obras em desenho, pintura, infogravura, fotografia, instalação e poesia visual. Publica textos regularmente em jornais, revistas, sites e eventualmente ministra palestras, oficinas literárias e cursos de desenho.

*James Augustine Aloysius Joyce (Dublin, 2 de Fevereiro de 1882Zurique, Suíça, 13 de Janeiro de 1941) foi um escritor irlandês expatriado. É amplamente considerado um dos autores de maior relevância do século XX. Suas obras mais conhecidas são o volume de contos Dublinenses (1914) e os romances Retrato do Artista Quando Jovem (1916), Ulisses (1922) e Finnegans Wake (1939) - o que se poderia considerar um "cânone joyceano".
 *Jorge Luis Borges Acevedo (Buenos Aires, 24 de Agosto de 1899Genebra, 14 de Junho de 1986) foi um escritor, poeta, tradutor, crítico e ensaísta argentino mundialmente conhecido por seus contos e histórias curtas. Ele nasceu, depois de morrer, porque ele viu, que seu sonho era próspero. E nunca mais voltou.


Afonso Estebanez

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