CULPA ORIGINAL
Em
verdade te confesso meu sentimento de culpa original por ter nascido com esse
síndroma de autoexílio, diagnosticado como portador de amor de perdição. Os
poemas e os versos comprometidos com a ânsia de te amar me explicam e me
estimulam a não hesitar nem desistir de chegar aonde tenho que chegar para
continuar caminhando como andarilho das noites sem estrelas nem luar. Meu coração
me confidencia onde fica o porto seguro, a estalagem temporária onde minha alma
inocentada repousa da passagem por essa estrada deserta e tortuosa sem nenhuma
sinalização. Só agora começo a decifrar o código da minha ouroborus, tentando
reciclar a vida sem me devorar, alcançar o recôndito infinito, admitir a
eventual metamorfose do espírito sem peso nem medida, paralisar o tempo da
primavera, acreditar na evolução da vida além da morte, patrocinar a fecundação
do conhecimento, assistir ao próprio nascimento para todo o sempre,
conciliar-me com a morte passageira, afeiçoar-me à ressurreição da carne,
ancorar a criação na arquitetura do universo concebido, submeter-me à
restauração de minha essência e acreditar na renovação de mim com o desígnio de
merecer-te, esses famintos, inquietos e insaciáveis propósitos de absolvição.
Algum acontecimento inesperado deverá revelar-te que eu te amo além dos limites
dos sentidos conhecidos, que somente tu podes reverter com o julgamento de tua
indulgência esse amor de perdição. Esse amor numeroso em que pese triste e
dolorido, que insiste em doer-se sem doer. Uma parte fracionada pela lúcida e demente
sensatez, outra parte cativa da idade sem razão. Esse amor que agora ainda me
jaz em estado irreversível do coma induzido pelo monástico e reticente silêncio
da paixão...
Julis Calderón d’Estéfan
(Pseudonímico de Afonso Estebanez)
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