domingo, 12 de fevereiro de 2017


CULPA ORIGINAL

Em verdade te confesso meu sentimento de culpa original por ter nascido com esse síndroma de autoexílio, diagnosticado como portador de amor de perdição. Os poemas e os versos comprometidos com a ânsia de te amar me explicam e me estimulam a não hesitar nem desistir de chegar aonde tenho que chegar para continuar caminhando como andarilho das noites sem estrelas nem luar. Meu coração me confidencia onde fica o porto seguro, a estalagem temporária onde minha alma inocentada repousa da passagem por essa estrada deserta e tortuosa sem nenhuma sinalização. Só agora começo a decifrar o código da minha ouroborus, tentando reciclar a vida sem me devorar, alcançar o recôndito infinito, admitir a eventual metamorfose do espírito sem peso nem medida, paralisar o tempo da primavera, acreditar na evolução da vida além da morte, patrocinar a fecundação do conhecimento, assistir ao próprio nascimento para todo o sempre, conciliar-me com a morte passageira, afeiçoar-me à ressurreição da carne, ancorar a criação na arquitetura do universo concebido, submeter-me à restauração de minha essência e acreditar na renovação de mim com o desígnio de merecer-te, esses famintos, inquietos e insaciáveis propósitos de absolvição. Algum acontecimento inesperado deverá revelar-te que eu te amo além dos limites dos sentidos conhecidos, que somente tu podes reverter com o julgamento de tua indulgência esse amor de perdição. Esse amor numeroso em que pese triste e dolorido, que insiste em doer-se sem doer. Uma parte fracionada pela lúcida e demente sensatez, outra parte cativa da idade sem razão. Esse amor que agora ainda me jaz em estado irreversível do coma induzido pelo monástico e reticente silêncio da paixão...

Julis Calderón d’Estéfan
(Pseudonímico de Afonso Estebanez)

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