segunda-feira, 9 de dezembro de 2013

CARTA ABERTA PARA JUAN E LÍDIA



 CARTA ABERTA PARA JUAN E LÍDIA

Juan, aqui cheguei!
E já estou de partida...

Eu não sou de nenhum lugar
nem tenho para onde ir
nessa longa ronda cigana
pelas beiradas da vida...

Antes que o trem apite na estação
pela última vez na hora da partida
devo dizer que as cerejeiras já estão florindo.
O carvalho deitou as sombras no berço do caminho...
E os liquens nas pedras da ribeira, Lídia!... Tão verdes...
Como eram verdes os vales de minhas esperanças...
Os pássaros mineradores de pitangas tocam violino
com os arcos de sol que aquecem a cálida manhã...
A aragem acalanta os ramos das limeiras
e as abelhas deslizam pelos corrimões
de pétalas das castas magnólias...

Lídia, aquelas rosas floresceram no jardim
e canta um pássaro na calha da varanda
num recital gregoriano de versos
que ainda não compus...

Lídia!
Desnecessário lembrar que é primavera...
E que me amanheço debruçado na janela
(os olhos alongados para além do horizonte desse muro que me cerca)
a contentar-me com a placidez que me virá do outono
que este ano passou suavemente pelo inverno...
Malgrado esse pomar do qual lancei a corte
as fruteiras de tantos desenganos
(e poucos foram meus).

A vida me leva a alma como os ferros o expresso
sem parada obrigatória.
Não me é dado apear-me do cansaço
e respirar
e caminhar
e cantar como os suspiros das guitarras nos riachos...
E tomar na concha de minhas mãos mal ritmadas
uma rodada de água fresca e cristalina
e brindar a essa gente simples
que tem uma canção no olhar...
Ô, Lídia!...

Juan!
Nem da última ventana
do comboio que atravessa
lenta... lento... lentamente
a última fronteira do jardim,
a mim é dado o florescer
do cinamomo que plantei
aqui... E quando me vier,
hei-me partido!
Tenho somente a brisa por acaso
que de manhã me banha no terraço
e me cobre com beijos e abraços
docemente consentidos...

Veja, Lídia! Se me tenho algum sentido!
Uma gota de orvalho translúcida de luz
escorrendo na corola da papoula
e um beija-flor em êxtase no espaço
de alguma bailarina estática no ar..
.
Espero uma mensagem de Neruda
que aquele tempo prometeu-me a mim,
transcendente ao látego dos ventos
por correios que embora não correntes
deixassem-me uma rosa de salinas
no jardim...

Ah, Juan! Por quem me dera
fosse a rosa me conclamando
a morrer-me em Araucanía...
Suposições ainda que meras
supostamente por um só dia
como o amor de um só verão
saber a madres de la culebra
nas estevas do rude coração...

Por quem me dera viver entre os bosques de Temuco
de alguns metros quadrados de raulíes e de saudade
a céu alado sobre lumas nas frondes dos copihues...
Eu tão tinto de vinho e sangue do suor da liberdade!

Lídia! Ô, Lídia! Essa casa eu nunca tive e esse chão
nunca foi meu e pátria jamais será!
Não é sonho que se compre,
é flor de la nacionalidad...
Chão e sangue, isso é pátria!
Isso é lida, isso é labuta...

Saudações, Juan!
Eu vou à luta!

Afonso Estebanez

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