quarta-feira, 10 de dezembro de 2008

CAMINHO DE CHÃO


CAMINHO DE CHÃO

Minha vida foi de pedra
meu caminho foi de chão
batido no leito seco
dos rios sem direção...

Não tive nenhum destino
nem o quis saber em vão
senão o rumo das pedras
do meu caminho de chão.

Fui timoneiro de nuvens
naveguei a solidão
nas pedras da calmaria
do meu caminho de chão...

Minha vida foi de pedra
meu caminho foi de chão
como sombra fugidia
da esperança sem razão.

Fui profeta de meus sonhos
sem nenhuma explicação
como uma esfinge de pedra
no meu caminho de chão.

Uma flor qualquer no vale
um som qualquer de canção
são restos de minha vida
no meu caminho de chão...

Afonso Estebanez

BREVES VARIAÇÕES PELAS RUAS DO CARMO



BREVES VARIAÇÕES
PELAS RUAS DO CARMO


Viagem num sonho parado
um pouso do céu sobre a terra
um raio de luz numa sombra
momento de paz numa guerra.

Antiga lembrança encontrada
cantiga-de-roda no vento
a flor embutida nos lábios
da amiga que volta do tempo.

Igreja esculpida nas nuvens
no prumo de etéreo compasso
deixando no traço uma nave
singrando o oceano do espaço...

Por entre desvãos de arvoredos
as casas num cais de fachadas
são como alvos barcos deixados
ancorados pelas calçadas...

Janelas fechadas são livros
abertos de lendas antigas...
Memórias de amor relembradas
de histórias há muito esquecidas.

Nos muros de musgo encrostados
esparsos gradis de coral
ao longo das rotas das ruas
submersas num tempo irreal.

Os sinos vassalos das horas
ressoam nos vãos das neblinas
tangendo marolas de nuvens
sem rumo por sobre as colinas.

Afonso Estebanez

DESEJO DE AMAR...



DESEJO DE AMAR...

Eu pus minha vida no vento
e o vento aprendeu a cantar
levando-me todo o lamento
do encanto na brisa do mar.

A vida era todo o momento
que o vento deixava passar
na breve cantiga do tempo
na ausência infinita do mar.

E não era paz ou tormento
tentar ir-me embora e ficar
à beira do amor ao relento
ouvindo o lamento do mar.

Então pus o corpo sedento
e o ventre da brisa no mar
e a alma salgada do vento
refez meu desejo de amar...

Afonso Estebanez

AMAR É PRECISO...


AMAR É PRECISO...

Já furtei sonhos do mundo
já apanhei brisas do vento
enganei meu ser profundo
por amar seu pensamento.

Eu mesmo me dei o braço
só com medo de esquecer
de lembrar do seu abraço
que em você me fez viver.

Como a âncora e o navio
um dos dois deve atracar
até que um sonho baldio
nos carregue para o mar.

Amor no mar é profundo
tão fundo que nem se vê
o mar no topo do mundo
fremir de amor por você!

Afonso Estebanez

NÃO VOU DESISTIR DAS ROSAS...


NÃO VOU DESISTIR DAS ROSAS...

Faço um poema como meu jardineiro faz a rosa:
porque rosas são rosas, não precisam de nada.

O momento que a vida cria para me contemplar
com restos de esperanças de amor sem limites,
levo-os na alma foragida ao mais além de mim.

Despejo-o no ouvido de Deus meu hospedeiro.
Deixo-me desatinar pelo meu louco de aluguel,
implorando para que ao menos o último bafejo
da brisa passageira seja um beijo de presente
para as rosas do meu jardim...


Afonso Estebanez
(Presente de Natal/2008 a todas as almas
femininas que durante este ano honraram
como “deusas” o solo virtual desta página)

CANTIGA DE FICAR...


CANTIGA DE FICAR...

Quando chego você já nem liga
disfarça e me beija fingindo agradar.
Mesmo assim, sendo tudo mentira,
eu me deito em seu colo
e me deixo enganar...

Você deixa que eu faça e aconteça
que fale da vida e do amor por você...
Mas eu sei que você não me escuta
disfarça e me abraça fingindo entender.

Já é hora de nós decidirmos
e irmos embora e parar de sofrer.
Mas se volto pro meu coração
e bato na porta,
quem abre é você...


Afonso Estebanez

MALMEQUERES, BEM-ME-QUER? (haikais)


MALMEQUERES, BEM-ME-QUER?
(haikais)

Virtudes humanas
são como os frutos mais altos...
Colhem-se a pedradas.

E para que as flores,
se me feres com espinhos
quando te dou rosas?

Barcos... Ah, os barcos!
Açoitam com suas quilhas
as ondas que os beijam!

Visitei o amigo
para celebrar a paz.
E perdi a minha...

Refúgio de lágrimas,
meu velho salgueiro ensina-me
a chorar sozinho...


Afonso Estebanez

“DE PROFUNDIS”


“DE PROFUNDIS”

Dormia a noite mais cedo
que a manhã já era tarde
se os dias sentiam medo
de acordar em liberdade.

Acordar entre palmeiras
sem o canto dos sabiás!
Despertar horas inteiras
sem saber se havia paz.

Baionetas eram mudas
porém falavam caladas
e cegas ouviam surdas
os gritos das alvoradas.

De profundis a absolvo
a despeito da saudade
de recomeçar de novo
por falta de liberdade!

Afonso Estebanez

COISAS DO CORAÇÃO


COISAS DO CORAÇÃO

Se as pedras não sabem do instinto da flor
que sabem as sombras do instinto de mim
se pedras não guardam memória de amor
nem guardam princípios ou meios do fim?

Quem tem a certeza de algum porventura
se a brisa nem diz quando vem ao jardim,
se cá dentro d’alma há essa doce ternura
de guizos ou mantras ou sons de flautim?

Se eu mesmo não sei o que foi a ventura
dos tempos perdidos do amor em motim,
que entendem os dias de minha aventura
se a aurora só chega em finais de festim?

Se a água das nuvens não sabe da altura
e cai como o arco-íris do céu de carmim,
que sabe o teu pranto da minha candura
que cai das alturas bem dentro de mim?

Afonso Estebanez

PONTO DE VISTA


PONTO DE VISTA

Vendedor de frutas
a mangueira morta
o pomar deserto
os jardins desfeitos.
De noite surgia
a lua madura
entre os galhos
secos...


Afonso Estebanez

EMPRESTA-ME A TUA ALMA


EMPRESTA-ME A TUA ALMA

Já sei por onde escoam as águas da fonte
desse sorriso de cristal que me entorpece
de sonhos o rebanho de minhas emoções.

Ecoa-me a canção destas amenas águas
que te escorrem das pedras derramadas
na ânfora do corpo em cálice de outono.

E os teus sorrisos são libélulas de beijos
tangidas pelas flautas doces das ribeiras
do impulsivo destino de lavar o coração.

Então me empresta a alma de alvorada
para tirar de ti as pedras dos caminhos
e apascentar as águas do meu ribeirão.

Benditos sejam os clarins da primavera
benditos sejam os que viverão de rosas
porque de espinhos eles não perecerão.

Afonso Estebanez

A ALMA SONHA SOZINHA


A ALMA SONHA SOZINHA


Anda a minh’alma sonhando
tão sozinha e acompanhada,
que às vezes vivo pensando
que a alma sonha acordada.

Mas sonhar é um fio d’água
que sozinho entrega ao mar
muitos afluentes de mágoa
que se escoam sem passar.

Sejam simples como a flor
que sonha sonhos calados
dos que perecem do amor
dos sonhos não realizados.

Somos a curva da estrada
dos sonhos que vão além:
sonhar sozinha sem nada
é tudo o que a alma tem...


Afonso Estebanez

IR EMBORA


IR EMBORA

Esse ir embora só me faz sentido
quando sequer me sei aonde vou
com meu corpo baldio já perdido
da sombra de si mesmo
como um vulto apagado
do outro lado esquecido
pelo lado em que estou.

Partir é não saber se vou chegar.
Ir apenas é tudo o que interessa.
Chegar é não partir e não voltar.
Como um rio que escoa
e seu cantar não cessa
entre as dobras do mar
com a calma da pressa.

Pode ser minha pressa de agora
minha a pressa de nunca chegar
esse jeito de amor indo embora
bem na hora do amor regressar.

Afonso Estebanez

OFERTÓRIO DE BEIJOS (haikais de amor)


OFERTÓRIO DE BEIJOS
(haikais de amor)

Dorme... Os seios nus...
Pulsa uma cruz nos calvários
da minha paixão...

Querias um homem,
mas fazes de mim um deus
na cruz de teus braços.

Ah, de beijo em beijo,
quero ver onde vai dar
teu mapa de sardas...

Plantando em teu corpo,
lanço sementes de beijos
no alto das colinas...

Saciada de beijos,
entregas-me, enfim, a taça
do teu melhor vinho!


Afonso Estebanez

NA BEIRADA DO JARDIM


NA BEIRADA DO JARDIM

O aroma á a parte da alma
da brisa que a chuva deixa
como lembranças da calma
da saudade que se queixa.

Saudades das flores findas
entre as pedras do jardim,
por causa das rosas lindas
que moram dentro de mim.

O orvalho em gotas de luz
é o vinho que excita a flor
como a paixão sem a cruz
em meu calvário sem dor.

Falo que rosas não falam,
mas as minhas falam sim:
o aroma que elas exalam
é o verbo dentro de mim.

Afonso Estebanez

REFLEXÃO SOBRE O NATAL


REFLEXÃO SOBRE O NATAL

Algo entre nós não quer ser a caça do medo
nem a eterna esperança que o medo desfaz.
Algo entre nós que não é feito de brinquedo
mas da quebra dos pactos de vida sem paz.

Algo entre nós como a ressurreição da rosa
num renascer gentil de auroras encantadas
como algo que retorna à infância venturosa
para tecer os novos sonhos de mãos dadas.

Algo entre nós que nos divide e multiplica,
que nos semeia e colhe com o dom da flor.
Algo em silêncio que não fala, mas explica
a razão da regra sem a exceção do amor!

Afonso Estebanez
(Natal de 2008)