sexta-feira, 3 de março de 2017

DÂPHINE
(Δάφνη)




Ah, se tu não podes ser amante
e de mim não podes ser mulher
nem o eterno cântico da amada,
sejas tu ao menos meu instante
de viver do encanto se eu puder
não viver sem precisar de nada.

Ai de mim, essa árvore sagrada
carregada de meus desenganos
sonhos falsos que eu até desejo
com a alma tão só desobrigada:
viver só o amor de muitos anos
vividos do veneno de teu beijo!

Ah, do amor ferido com doçura
feliz sensação é um não ter fim
a demência em fase de ternura
que dói e me cura e fica assim...
Ai de mim!...

Afonso Estebanez
(Dáphne – poema de inspiração e forma
gregas)
DEPOIS DA FESTA


É preciso, pelo menos uma vez na vida,
ser o último a deixar a festa...
Dispensar os convidados antes de chegar a aurora.
Exorcizar os aposentos com galhinhos de arruda.
Desligar o som, fechar janelas e cortinas,
desenlaçar os reposteiros,
varrer da memória a algazarra das crianças
na calçada...
Dissipar o perfume das adolescentes.
Dispensar as frivolidades dos últimos abraços.
Recolocar no jarro aquela rosa
que esqueceram sobre a mesa.
E, finalmente, quando a noite
trouxer de volta o silêncio numeroso,
apagar definitivamente a luz...
Depois dormir...
Sonhar...
Despertar...
Viver... Viver...
Depois dormir...
E morrer... Como quem morre
definitivamente...
Para não incomodar
ninguém...

Afonso Estebanez 
AMOR DE CARNAVAL

Se de fato tu queres me encontrar
apesar de me teres transformado
na tua multidão, tu deves procurar
no alvoroço do baile triunfal
de teu tumultuado coração...

Eu sou aquele que tu vês se levantando
daquela sombra que virou teu chão.
Repara como eu engoli meu sim
para não ter que devolver teu não...

Se de fato tu queres me encontrar,
eu sou aquele que já foi embora
com uma flor na mão...

Afonso Estebanez
RASCUNHO


Vou deixar passar o trem
que te faz ficar chorando
do quanto a lua  não vem
a que tu fiques sonhando
comigo então já voltando
aos abraços de meu bem.

Vou deixar rodar o vento
onde exibes num bailado
as valsas do pensamento
que eu julgava sepultado
em teu sonho já sonhado
não capaz de sentimento.

Já desponta a primavera
vou colher flores contigo
vem o trem e não espera
para que esperes comigo
no castelo onde te abrigo
soerguido n’outra esfera.

Afonso Estebanez
EU TE AMO...

Eu te amo como o coração que grita
quando emudece a minha multidão
dentro do peito de minh’alma aflita
no anseio de entregar meu coração.

Eu te amo como a brisa que se agita
quando tocas de leve o meu portão,
e me abraças com plácida e infinita
blandícia com fragrância de paixão.

Não necessito mais transpor colina
e anunciar que “te amo” lá de cima,
se todo dom maior está no mundo.

A mim me apraz que passe o vento
e longe leve com meu pensamento
a notícia de nosso amor profundo!

Afonso Estebanez