domingo, 20 de novembro de 2016

RAPSÓDIA DE AMOR CIGANO
(Quinto fragmento)



Ah, permita-me querida
viver sonhar se possível
enlouquecer e me viver
de alma nua consumida...

E que me é dado por lei 
morrer-me de desmorrer 
vivendo-me de desviver 
pelo fim sem despedida...

Ô, conceda-me querida 
morrer-me sem padecer
ou então me adormecer
docemente em tua vida...

Afonso Estebanez 
RAPSÓDIA DE AMOR CIGANO
(Quarto fragmento)



Da mais alta colina dos vinhedos em floração
preciso proclamar ruidosamente a todo mundo
que é possível amar sem os arbítrios da razão...

A despeito de tudo, essa paixão foi concebida!
E ocultar mística evidência em sonho revelada
seria inconcebível tentativa contra minha vida...

No cume do meu coração tomado e pertencido
tua bandeira tremula no mastro de meus afetos...
E grito! para que todos saibam de mim próprio

o quanto o padecer por ti me condenou à vida...
Sortilégio de amor, querida! o outono nascerá
dessa esperança de jamais viver de despedida!

Afonso Estebanez 
RAPSÓDIA DE AMOR CIGANO
(Terceiro fragmento)



Sou pastor de teus sonhos pelo vale de minha
insônia... Nos murmúrios dos rios te conduzo
enquanto é noite ainda... e festejamos a vinda

do amor na aurora que ao amor foi prometida...
Ciranda de quimeras! Teu coração de menina
em meus abraços é o prenúncio de outra vida...

Tu pedirás que eu volte!... E voltarei, querida!
E trôpego já tarde em meus trêmulos sentidos
despertados nos lençóis febris de minha carne

– esse repasto de delírios em amálgama retida...
Ô, quantas horas e dias de exílio se arrastaram
no relógio do tempo que levou a minha vida!...

Afonso Estebanez 
RAPSÓDIA DE AMOR CIGANO
(Segundo fragmento)



Querida! eu devo anunciar desatinadamente
a essas vítimas da última tragédia da paixão
– órfãos de afeto e decaídos da esperança – 

que o dia por auroras e crepúsculos transita...
Que inerte padecer-me ao sonho derradeiro
seria o derradeiro entardecer de minha vida...

Ah, perdidamente o devo anunciar, querida!
que ainda há esse remoto amor desesperado
resolvido no doce padecer de reencontrar-te

como a flauta encontrada na canção perdida...
Então eu canto e desespero porque a espera
vem do compadecido amor que me convida!

Afonso Estebanez 
RAPSÓDIA DE AMOR CIGANO
(Primeiro fragmento)



Eu devo anunciar desesperadamente ao vento
aos semideuses arcanjos duendes e querubins
que um dia te encontrarei na virada do tempo..

Que nenhuma paixão desatinada é descabida
e relegar esse amor à memória dos náufragos
seria como a última tragédia em minha vida...

Te darei flores do outono que tomei do tempo
sonhos antigos retomados da esperança finda
entre sombras noturnas de lembranças tardas..

No coração perdido entre a memória perdida
tentei lembrar-me dos fragmentos da história...
Debalde! Desse amor, só o legado da partida!

Afonso Estebanez 
PRIMEIRA ROSA DO ORIENTE



Há milênios construo entre ternuras
uma estrada de rosas que inauguras
em cada amanhecer de minha vida...

Assim, então, jamais sequei deserto
eis do teu sonho nunca me desperto
a não te ver ausente e adormecida...

Do Oriente ao Ocidente teu perfume
foi sempre a via etérea afeita e afim:
ao teu destino de ser meu queixume
em meus destinos de ser teu jardim.

Jardim da aurora que me fez a lume
lume da rosa de teu ventre em mim:
Rosa do Oriente que o amor resume
no amor das rosas com amor assim!

Afonso Estebanez
POR UM GRANDE AMOR



Nascer é como ouvir passar um rio
na concha do recôncavo da aurora
que acorda no crepúsculo sombrio
do tédio de passar sem ir embora!

Viver é como estar em pleno estio
de quando a primavera comemora 
nos arco-íris do sonho o desfastio 
de reflorir do estio de quem chora!

Sonhar é como reinventar o acaso
da causa dos amores sem destino
nas histórias de reinvenção da flor.

Morrer!... É como recontar o caso
de reinventar o sonho clandestino
de ter vivido por um grande amor!

Afonso Estebanez
HAIKAIS


DEUS GUARDA MINHA CANÇÃO



Eu existo porque canto.
Nada sei, senão cantar...
Encanto por desencanto
ou canto para encantar.

Tenho a alma das violas
nas danças de desfastio
e beijos de castanholas
nas horas de meu estio... 

É acalanto quando calo
como flauta sussurrada
no canto mudo do galo
que perdeu a alvorada...

É mudez do vasto espanto
de ver tanto amanhecer...
Não é mágoa nem é pranto
mas o encanto de nascer. 

Eu trago memórias fartas
das almas dos bandolins
das guitarras e das harpas
dos corais dos querubins...

Não é magia nem fado
o louvor que me conduz
pelas veredas do prado
dos rebanhos de Jesus...

Afonso Estebanez 
TUDO MENTIRA



Eu não fico de mal com minhas rosas
pois que é tudo mentira dos espinhos
que há na intriga das flores invejosas
das urtigas que beiram 
meus carinhos.

É meu fado entre as flores amorosas
cuidar que os desencantos do jardim
reencantem-se das flores generosas
do canteiro de rosas 
que há em mim.

Tudo mentira, as urzes são formosas
se como as rosas são compadecidas
da flor entre as escarpas pedregosas
do deserto de amor 
de nossas vidas.

Afonso Estebanez
(Dedicado à minha querida e doce irmã
Vera Lúcia Stael Paris – Ver@ P@ris) 
SER PERENE
(Poema Védico)



A luz vem do olhar de uma fera acuada
que aguça os sentidos da carne que assanha...
É como galgar dentro d’alma enjaulada
a encosta escarpada de rude montanha.

Os lobos vorazes dos vãos pensamentos
são rasgos de raios num céu sem lampejos...
Mil potros selvagens no dorso dos ventos
tangidos por cães de sangrentos desejos.

Os cumes dos montes são gumes da mente
que traçam no céu azimutes perdidos...
Faróis que se acendem nos vãos da torrente
que invade a planície sem luz dos sentidos.

Voeja entre nuvens de braços abertos
conquista o infinito, degrau por degrau...
Transforma as areias de imensos desertos
num lago escorrendo entre sons de cristal.

É como um cometa luzente no espaço
que a luz abrangente de um raio devora...
O ser se dilui no infinito regaço
e Deus se revela de súbita aurora!

Afonso Estebanez