segunda-feira, 5 de dezembro de 2016

CANÇÃO JUNTO AO BERÇO


Johanna veio correndo
abrindo o corpo no vento
colher a rosa do amor
plantada à beira do tempo.

Johanna chegou na voz
da canção que não havia...
O mundo todo chorava
e só Johanna se ria.

E doce fazia o pranto
aquilo que ela cantava...
Se Deus ouvia seu canto,
seu anjo comemorava.

E tudo o que traduzia
sua canção tão serena
era a voz que não se ouvia
do seu lamento sem pena.

E pus seu sonho no vento
para ver aonde ele iria,
pensando que o vento fosse
sua triste cotovia...

Mas era uma ave tão leve
e sua canção tão suave
que até quase só me lembro
da canção e não da ave...

Johanna se deu à luz
do oriente à maresia
e a aurora de seu corpo
se deu ao corpo do dia.

Passageira do infinito
que os sonhos agasalharam,
Johanna matou a fome
dos sonhos que a devoraram.

Pôs seus desejos nos rios
nos campos tanta esperança
que sua alma vive em tudo
enquanto o corpo descansa.

Há tempos me vem dizendo
palavra que não se ouvia...
Calada falava mais
do que aos gritos me dizia...

Vim devolver-te o caminho
que não foi de sombras nem sol
nas praias das mãos sem pedras
banhadas em mel e sal.

Vim devolver-te a esperança
na pousada de meus braços
sem vigília e sem pernoite
sem descanso nem cansaço...

Vim devolver-te meu pão
meu trigo meu alimento
que meus moinhos parados
deixaram passar no vento...

Mares calmos de enseadas
de meu sangue navegante...
Devolver-te o que me resta
no infinito desse instante!

Afonso Estebanez
(Poema dedicado à minha filha
Johanna Estebanez Stael)
FILHO DO SER OU NÃO SER


Não importa de qual profundo lago
emergiu-te o destino rumo à aurora...
Importante é que tenhas ao teu lado
um anjo que sorri enquanto chora.

Sou teu vale de esperas e ternura
que te virá do mar ou do deserto.
Se te vier amarga, é com doçura.
Se te vier de longe é de tão perto.

Não importa desatem as amarras
desse barco aportado no meu peito...
O amor pode singrar águas esparsas
sem afastar-se nunca de seu leito.

Não importa se praias adormecem
e sonhos se desfazem quando venta... 
Importa é que os portos acontecem
pesar dos vãos açoites da tormenta.

Não importa as origens dos afetos
se a manhã e o crepúsculo se beijam
como as noites e os dias são trajetos
dos extremos da luz que se desejam.

Não importa a questão ser e não ser
quando o amor não precisa de razão...
Tu és meu filho! E basta-me saber
que meu cio há também no coração!

Afonso Estebanez

(Poema dedicado ao meu filho afetivo
Maykel Rodrigues Alves)
QUEM QUER QUE SEJA...



Quem quer que seja vem vindo 
mar adentro ao ventre afora...
Lua cheia num crepúsculo
navegando rumo à aurora...

Quem quer que seja vem vindo
como a flor recém-nascida
na parte reencontrada
de minha parte perdida.

Vem vindo do lado alegre
de meu lado descontente
vivendo do instante eterno
de viver eternamente...

Como canção pressentida
num leve roçar do vento
na superfície das águas
serenas do pensamento.

Qualquer semente cativa
na flor do ventre a pulsar...
Qualquer estrela cadente
nas águas fundas do mar...

Quem quer que seja vem vindo
dos meus instintos secretos
como um anjo reencontrado
no exílio de meus afetos...

Maior que o reino de mim
por quem sonhando me iludo
a mim pode vir sem nada
que em mim é dono de tudo...

Afonso Estebanez
(Poema dedicado ao meu filho Mark Estebanez Stael) 
PARÁBOLA DE AMOR


O que vou te confessar agora
nesta inconsútil parábola de amor
a ninguém jamais foi dito.
Nem eu sei
o que dizer daquilo que não tem memória.

É como o nascimento casual
de uma flor na relva do jardim
ou a canção inesperada de um pássaro
que canta por instinto.
Porque o destino do pássaro
é cantar,
assim como o destino da flor
e florescer...

E se o destino do que devo te dizer
é esse,
então o amor por si próprio se revelará
inexoravelmente
como o sol que entra de manhã
pela janela de minha casa.

Por isso,
peço que guardes minhas palavras
para toda a vida
como a única, 
última
e decisiva chave
do teu livre convencimento.

Porque amanhã,
se eu te disser a mesma coisa
já não seria a mesma coisa,
senão aquilo que te não disse
com as mesmas palavras
que teus ouvidos já ouviram
e teu coração já sentiu...
E é tudo o que sabes das águas de um regato
que não rolam mais por onde já passaram...

As aves que bailam pelo céu
nunca traçam a mesma trajetória,
ainda que prossigam em cumprir
seu destino de voar
como silfos desenhando no infinito
um aeromapa de rotas desconhecidas.

As palavras,
pastoras dos rebanhos de minhas emoções,
jamais conduzirão suas ovelhas pela mesma trilha
onde os lobos dos sentidos
tocaiam suas presas.

Assim como a canção mais leve
que há no mais breve instante em que o cristal
se quebra,
assim minhas palavras
são como as borboletas que morrem
após seu único,
último
e efêmero ato
de amor eterno!

Põe tua última atenção em mim.
Eu quero que me ouças assim como te falo
– de braços apertados ao redor desse meu próprio 
abraço, como quem vive da alegria reinventada de viver...
Ou de braços abertos para a noite iluminada
como a aurora que precede a convenção dos pássaros
antes de o dia amanhecer...

Repara bem no que agora vou dizer:
– Minha vida foi de inventar.
A única coisa que tenho reaprendido
é ficar ancorado ao redor de tua vida
como a ave marinha que não sabe de outra ilha.


A travessia para mim foi um naufrágio
de que não guardo mais qualquer recordação.
Estar aqui é só o que me basta,
como às eras dos penedos basta a brisa que as visita.
Minha esperança não tem nenhuma inquietação.
Meus sentidos não têm um só pressentimento.
Em silêncio me deito em teu regaço
e agonizo num êxtase sem sofrimento.

E assim vou construindo a eternidade deste instante
como o náufrago que reconstrói a sua nau
dos restos que ficaram dos momentos...

Despojo-te de tuas vestes
e faço disso um ritual de paz
e não um exorcismo de memórias e ressentimentos.
Eu faço como o sol que despe sua flor na relva
pela simples razão de que há nisso
o instinto de sublimação pelo milagre renovado.

Quantas e quantas vezes tens deixado 
que eu te crucifique no meu corpo
pelo simples mistério que há no amor
de imolar-se sem ter padecimento.
Quantas vezes velei para que tu dormisses
com o murmúrio do mar ao redor de sua ilha...
E era sempre meu anjo quem velava
os sonhos de nós dois enquanto tu dormias.

Jamais pedi que me dissesses o quanto te mereço
nem sei se o sol o exigiu da flor.
Emigra o pássaro e seu canto fica...
Se é passageiro vem do que padeço.
Mas se é eterno vem do nosso amor!

É por isso que peço que me escutes
pela última vez em tua vida...
– Das mais altas colinas de meu ser
das mais altas encostas já vencidas
declaro-te mulher,
rainha te consagro
e deusa te proclamo...

E meu grito ressoa nas montanhas:

– EU TE AMO!... 
– EU TE AMO!... 
– EU TE AMO!... 

Afonso Estebanez