domingo, 8 de dezembro de 2013

DO PRIMEIRO MANDAMENTO

DO PRIMEIRO MANDAMENTO
(Primeira tábula)

Não visiteis ninguém
para não serdes visitados.
A ninguém deis vossa luz
para não serdes apagados.

Nem ao próximo como a vós mesmos
nem aos vossos irmãos enfermos
nem vossas mães nem vossos pais.

Não visiteis nenhum abrigo
nosocômio ou rendez-vous.
A nenhuma reunião patética.
Deixai em paz os deserdados
que deverão morrer como nasceram
– de alma nua e esperança histérica.
Como a herança transmissível
da miséria sóciogenética.



DO PRIMEIRO MANDAMENTO
(Segunda tábula)

Essa fome de amor
não é vossa descoberta.
Nem Freud quis saber de nada sobre ética.
É da deformação atípico-cromossômica
dos bastardos retransmitir o vírus da apatia
na segregação euroafroasiáticolatinoamericana
como moléstia de grandeza
desprezível.
A miséria fatalista
passa... Mas a herança miserável fica.
A solidariedade humana abraça.
Mas vosso amor não ratifica.

Os flagelados terceiromundistas não necessitam
de vossos cacoetes anacrônicos de culpa
nem da quebra de protocolo de vosso
faustoso exílio
de gabinete.




DO PRIMEIRO MANDAMENTO
(Terceira tábula)

Distanciai-vos dos necessitados
para que eles não vos peçam nada.
Não visiteis os órfãos de esperança
nem os filhos de conflitos
entre pais de alma
currada...

Deixai que a brisa à noite lhes afague a fronte
como as pálidas mãos de Verônica à face do martírio.
Não vos aproximeis demais dos que são loucos
para que não vos possam transmitir
o seu delírio irreversível...

Esquecei-vos das prostitutas.
Não as importuneis com vossa gonocele diluvial
disfarçada com lacinhos de fita das caixinhas de bombons.
Não lhes presenteeis com esse celibato quaresmal
cheirando a sebo de biblioteca do reino medieval.
Deixai as belas com seus troponemos de estimação
e as feias de acantose nos braços de Melpigui...
Vossas ânforas seminíferas não contêm
as propriedades eritromicinais
do beijo fálico e penetrante
nem a afrodisia do abraço antibotrópico
do misantropo amante.



DO PRIMEIRO MANDAMENTO
(Quarta tábula)

Secretamente buscaríeis nos prostíbulos
vosso cupio dissolvi numa casta Guiccioli
ou numa pérfida Madame Bovary.
Mas as Jocastas não estão ali.
Elas estão pelas cidades cenográficas do mundo:
televisões jornais revistas cassinos de subúrbio jogos clandestinos
apart-hotéis de luxo estúdios jantares de embaixadas shopping-centers jockey’s club e mais outros desbundes
de rameiras miladyzadas...

Definitivamente, nada!
Não visiteis a mais ninguém e nem a mulher amada...
Nenhuma rua nenhum parque nem cidade nem país.
Nem o Iraque devastado nem a zona desmilitarizada.
Nem os bosques de Viena ou de Dexville Notch.
Nem as muralhas da China ou as torres da Bastilha.
Nem os muros das lamentações de Parati.
Nem o muro ainda envergonhado
de Berlim...




DO PRIMEIRO MANDAMENTO
(Quinta tábula)

Não visiteis
nenhuma universidade.
Nem a dos eruditos sábados dos botequins.
Nem os devotos jardineiros suburbanos
que cultivam as flores casuais
renascidas indifentemente
na fenda das calçadas
municipais...

Deixai as flores para as borboletas
e aferrolhai as portas de vossos aposentos
que ao vosso domicílio a brisa não invada
com o perfume renovado das heras rastejantes
dos jardins abandonados...

Mas se por causa da décima primeira praga
tiverdes que deixar a casa não pichada pelo anjo
e não houver nenhum perfume como o incenso do jasmim
ou qualquer coisa assim...


DO PRIMEIRO MANDAMENTO
(Sexta tábula)

Luminosa manhã!
Visitareis primeiro a vós mesmos.
Depois retribuireis a própria visita
num gesto contraditório em favor da paz que urinastes no horizonte perdido da infância...

Pela paz
das nossas mulheres e crianças violentadas
pela paz eventual do divino instante do desvio de trajeto da bala perdida... consentida... transmitida... retransmitida... homicida...
pela paz concebível por trás da venda inconcebível da justiça
pela paz afogada no dilúvio de lágrimas de nossos pais
pela paz que perdeu o barco da travessia humana
da corda da forca que não arrebentou na hora
da contramão da esperança sem freios
do moribundo que a morte esqueceu
do apito final do jogo perdido
da gargalhada comprada
que o palhaço devia
e não deu...



DO PRIMEIRO MANDAMENTO
(Sétima tábula)

E finalmente visitareis os mais próximos de vós mesmos
se não houver enfermos que vos peçam votos.
Então a vossa mãe e só então ao vosso pai
principalmente se já estiverem mortos.

Mas na hora da visita obrigatória
a Deus... Ah, gente! É aí que a coisa vai pegar...
A gente vai ter que ajoelhar se não puder
e implorar
e chorar
e pedir
e orar
e ir
até aonde Deus quiser!


Afonso Estebanez


DEUS GUARDA MINHA CANÇÃO

DEUS GUARDA MINHA CANÇÃO

Eu existo porque canto.
Nada sei, senão cantar...
Encanto por desencanto
ou canto para encantar.

Tenho a alma das violas
nas danças de desfastio
e beijos de castanholas
nas horas de meu estio...

É acalanto quando calo
como flauta sussurrada
no canto mudo do galo
que perdeu a alvorada...

É mudez do vasto espanto
de ver tanto amanhecer...
Não é mágoa nem é pranto
mas o encanto de nascer.

Eu trago memórias fartas
das almas dos bandolins
das guitarras e das harpas
dos corais dos querubins...

Não é magia nem fado
o louvor que me conduz
pelas veredas do prado
dos rebanhos de Jesus...

Afonso Estebanez

AMOR DE CARNAVAL



AMOR DE CARNAVAL

Se de fato tu queres me encontrar
apesar de me teres transformado
na tua multidão, tu deves procurar
no alvoroço do baile triunfal
de teu tumultuado coração...

Eu sou aquele que tu vês se levantando
daquela sombra que virou teu chão.
Repara como eu engoli meu sim
para não ter que devolver teu não...

Se de fato tu queres me encontrar,
eu sou aquele que já foi embora
com uma flor na mão...

Afonso Estebanez

HAIKAIS


HAIKAIS


HAIKAIS


HAIKAIS


HAIKAIS


HAIKAIS


HAIKAIS