quinta-feira, 8 de dezembro de 2016

SONETO À SOMBRA DE NIETZSCHE 


Hoje não quero nada de ninguém!
Nem compaixão, nem flores, nada enfim...
Tudo se esquece ou é ilusão. Porém,
eu sei que Deus vai-se lembrar de mim.

Passa o amor e fica esse desdém
nas sombras fugidias do meu fim...
Ah, pássaros que emigram para além
do amor que é gêmeo, mas não é afim...

Não quero nada. Nada! Nem lembrança
nem presente ou promessa ou esperança
nem vago instante que pareça festa...

Quero apenas que Deus me dê a graça
de brindar em silêncio numa taça
a glória de viver do que me resta!

Afonso Estebanez 

UM SONETO 
PARA AUGUSTO DOS ANJOS


Ser ou não ser é a questão da vida 
que a espécie fratricida desvendou
gerando a flor do bem numa ferida
que a gênese do mal jamais curou.

Quanta pena de mim chora fingida
como se fosse pranto o que penou. 
Mas é somente a dor compadecida
penando pela dor que não causou.

A luz que me acendia agora apaga
a mão que me feria inda me afaga
amor de bem-querer não é paixão.

Meu ser ainda é o lobo de meu ser
pela pátria não posso mais morrer
o amor, enterrem no meu coração.

Afonso Estebanez
BEM-AVENTURADO


Ah! bem-aventurado o amor mesmo finito. 
Ah! bem-aventurado esse infinito instante
da eternidade efêmera desse inconstante
amor eterno entre os instantes do infinito.

Ah! bem-aventurado o desditoso amante. 
Oh! bem-aventurado o coração proscrito
Ô! todo o amor cativo sem a paz do grito
que entoe no infinito seu amor constante.

Ah! bem-aventurado esse pastor de rios.
Ah! bem-aventurado o som dos calafrios
do amor baldio tantas noites indormidas.

Ah! bem-aventurado o pobre de ventura.
Porque ele alcançará no vale da ternura
o amor edênico das deusas pertencidas.

Afonso Estebanez
A MAGIA DA EXPRESSÃO LITERÁRIA
OFICINA – MÓDULO 07
DA ARTE DE ESCREVER SEM MEDO
*UMA FORMA POÉTICA DE VER A VIDA*


“FORMA poética de ver a vida” é um texto de grande utilidade cultural, postado em 02/07/2009 por Kelly de Souza – exuberante analista da arte literária – no amplamente conhecido Blog da Cultura. Apresentamos o referido texto integralmente, pois nele o talento de Kelly de Souza nos parece um feliz resumo da matéria focada no módulo anterior. Uma forma poética de ver a vida é tudo o que estamos tentando incutir na mente dos que ousam fazer poemas, numa ATITUDE DA ALMA SEM MEDO dos mitos e tabus das regras técnicas petrificadas ou de quaisquer outros bloqueios culturais inadequados à arte contemporânea. Senão, vejamos:

“VOCÊS já devem ter ouvido: ‘Batatinha quando nasce espalha rama pelo chão’ (sim, essa é a forma correta, e não ‘esparrama pelo chão’). Esse verso, ungido pelo dito popular, que ouvimos e aprendemos desde a mais tenra infância, talvez tenha sido para muitos o primeiro contato com a poesia. E para alguns, como eu, ela, poesia, nunca mais se afastou.

AO LONGO da vida a poesia sempre nos acompanha. Está presente nos livros, na fala, em nosso discurso formal, em nossos relacionamentos amorosos, em nossos momentos de tristeza, de alegria e até em nossas explicações existenciais. A poesia esteve em nossos diários de adolescência, nos cadernos da faculdade, nas cartas, e-mails, fotos e até em nossas esperanças sobre a eternização da humanidade. Ela também está nas canções que nos acompanham ao longo do tempo, está nas artes plásticas, na arquitetura, na flora, na fauna, na natureza morta, na viva, no sorriso da criança ou no lamento dos oprimidos e aflitos. A forma poética, para muitos, é quase uma forma natural, orgânica, um símbolo de expressão, de diálogo e de comunicação com o outro. Todos os dias fazemos uso dela, com mais ou menos intensidade e inspiração.

OCTAVIO PAZ dizia que “o poema é um caracol onde ressoa a música do mundo, e as métricas e rimas são apenas correspondências, ecos da harmonia universal”. Para ele, o poema é mistério, ao mesmo tempo que é fusão de tudo com tudo. “Ensinamento, moral, exemplo, revelação, dança, diálogo, monólogo. Voz do povo, língua dos escolhidos, palavra do solitário. Pura e impura, sagrada e maldita, popular e minoritária, coletiva e pessoal, nua e vestida, falada, pintada, escrita, ele ostenta todas as faces, embora exista quem afirme que não tenha nenhuma: o poema é uma máscara que oculta o vazio, bela prova da supérflua grandeza de toda obra humana”.

PARA ARISTÓTELES, a poesia está mais compartimentada: “nada há de comum, exceto a métrica, entre Homero e Empédocles; e por isso, com justiça, se chama de poeta o primeiro e de filósofo o segundo”. É claro que é no poema que a poesia melhor se acolhe, melhor se ilustra, instala-se e se torna plena. O poema não é apenas uma forma literária, mas o lugar de encontro entre a poesia e o ser humano. O poema é um organismo verbal, uma ideia sensitiva que contém, que desperta e que emite poesia.

E O QUE SERIA O VERSO? É a unidade rítmica em cujos limites se acham as “unidades de sentido” que compõem o poema (“sentido” aqui, significando o efeito produzido pelo enunciado). Há poemas que têm forma fixa, e que são submetidos a regras especificas quanto à combinação de versos, rimas e estrofes. Um exemplo seria o soneto, que possui longa e profunda vitalidade na literatura, mas existem outros, como o rondó, o rondel, a balada, o canto real, o vilancete, a vilanela, a sextina, ou a quadra popular.

EXISTEM obras versificadas, que contam com todas as concessões de metro e ritmo, mas que não foram escritas como poesia. Ainda segundo Octavio Paz, obras como Alice no País das Maravilhas (de Lewis Carroll), ou o conto El Jardín de los Senderos que se bifurcam (de Jorge Luis Borges), poderiam ser chamadas de poemas, embora tenham sido escritas para ficarem fora do catálogo destes. Nelas, as frases não obedecem a uma ordem conceitual ou narrativa, mas são necessariamente orientadas pelas leis da imagem e do ritmo poético. Nesse sentido, é de se pensar que existe muito mais poesia no mundo do que poemas. E é verdade. Como salienta Friedrich Schlegel, autor de ‘Conversa sobre a poesia e outros fragmentos’: “há tanta poesia, e, no entanto, nada é mais raro que um poema. E isto inclui a enorme quantidade de esboços poéticos, estudos, fragmentos, etc. Assim como uma criança, que um dia se tornará um homem, um poema é apenas o produto da natureza que um dia poderá se tornar uma obra de arte”.

O FILÓSOFO e poeta francês Paul Valéry, autor de ‘Discurso Sobre Estética, Poesia e Pensamento’, por exemplo, compara a prosa a uma marcha e a poesia a uma dança.

NO POEMA, ao contrário do que ocorre na prosa, a frase não é o sentido ou o significado da narrativa, mas é, principalmente, o seu ritmo, a sua pulsação, a sua energia. Segundo a pedagoga Sílvia Regina Pinto, doutora em Letras pela PUC do Rio de Janeiro e autora de ‘Tramas e Mentiras’, há poesia sem poemas, pois, paisagens, pessoas e fatos podem ser poéticos, e, portanto, podem ser poesia sem ser poema. Quando a poesia acontece como uma condensação do acaso, ou quando é a cristalização de poderes e circunstâncias, estamos diante do poético, do “algo poético”, de alguma coisa que contém em si a alusão poética. Assim, podemos fazer poesia fora do poema, e dentro da prosa, por exemplo, ou dentro de um romance, ou de uma crônica, ou mesmo dentro de uma simples carta. Podemos ter poesia, enfim, na dança, na musica, na arte, em qualquer arte, no dia a dia e na vida em geral. Nada é necessariamente um poema, embora possa ser poético. Isso talvez explique porque o primeiro livro que eu saque da estante, em geral, não é um poema, mas se nele não houver fluídos poéticos, volta para a prateleira, quiçá sem a minha completa leitura.

NÃO QUERO mais o que algo de poético não tenha. Não quero mais escrever sem me acumpliciar com algum fraseado lírico alinhavado ao pensamento poético. Não sei se quero tudo em poema, mas não quero nada sem poesia. Quer seja um filme, uma peça teatral, um livro, uma escultura, uma gravura, uma postura, que nada me venha sem franjas poéticas, sem arestas de poesia, sem um soslaio dessa maravilhosa “forma” de ver a vida. Quero vê-la através da beleza, da elegância, da leveza e da mágica apoteose poética de sentir cada momento como se fosse o último, e por isso mesmo, como se fosse o melhor” (Kelly de Souza).

NO BLOG DA CULTURA – onde veicula o texto em estudo – há sensível comentário de uma seguidora, expresso nos seguintes termos:
“Aprendi a gostar de poemas no dia que percebi que era possível fazer poesia na prosa e que a poesia vai além daqueles versinhos que eu nunca gostei de fazer quando as professoras da escola pediam. POESIA PARA MIM TAMBÉM É UM JEITO DE VER A VIDA, uma maneira diferente e reveladora de entender o mundo. Existe um livro do qual eu gosto muito - Quando nem Freud explica, tente a poesia - em que Ulisses Tavares seleciona poemas que passam por temas estudados pela psicanálise. É fascinante ver que, às vezes, mesmo antes da criação da psicanálise, os poetas conseguem expressar em versos conceitos tão difíceis de entender racionalmente ou logicamente”. 


Afonso Estebanez