terça-feira, 15 de novembro de 2016

UMA ROSA PARA LUNA

Como a doce namorada
magia do bem-me-quer
parte sua é uma fada e
a outra parte é mulher...

Metade sua é o sonho
da metade despertada
nas veredas alunadas
de um paraíso qualquer...

A metade enamorada
é paixão feita sem dor
é o lume da alvorada
na corola de uma flor...

Afonso Estebanez
SER PERENE
(Poema Védico)

A luz vem do olhar de uma fera acuada
que aguça os sentidos da carne que assanha...
É como galgar dentro d’alma enjaulada
a encosta escarpada de rude montanha.

Os lobos vorazes dos vãos pensamentos
são rasgos de raios num céu sem lampejos...
Mil potros selvagens no dorso dos ventos
tangidos por cães de sangrentos desejos.

Os cumes dos montes são gumes da mente
que traçam no céu azimutes perdidos...
Faróis que se acendem nos vãos da torrente
que invade a planície sem luz dos sentidos.

Voeja entre nuvens de braços abertos
conquista o infinito, degrau por degrau...
Transforma as areias de imensos desertos
num lago escorrendo entre sons de cristal.

É como um cometa luzente no espaço
que a luz abrangente de um raio devora...
O ser se dilui no infinito regaço
e Deus se revela de súbita aurora!

Afonso Estebanez 
SENHORA MINHA

Navegai-me em vosso sonho
que é o meu pássaro cativo 
da certeza de que eu morro
docemente por quem vivo...

Levai-me ao fim do destino
de vossos mares inquietos
afogando em vossas águas
meus prantos e desafetos...

Menina, Senhora minha!
por quem é vossa enseada
que se meus sonhos liberta
detém-me a alma ancorada?

Aportai em vossas praias
meu barco rude sem velas
ao vento de nossas almas
navegando paralelas...

Dizei-me se o vosso olhar
como a luz do navegante
quer singrar meu coração
em vosso doce semblante!

Menina, Senhora minha!
Eis-me um pássaro cativo
da loucura de que morro
da razão de estar eu vivo...

Afonso Estebanez
FACE TO FACE

De todos os momentos insondáveis 
mais bonitos da vida de uma mulher
– aquele em que ela toma a bandeira
sacode a poeira da breve amargura
e faz vibrar na alma as armas doces
de todo o encanto e formosura 
na defesa ou conquista do amor 
fundamental de sua vida... 

Esse é o mais belo de todos.

Face a face, a alma de um homem 
que tem as portas e janelas abertas 
para o amor mais simples e fraterno,
sempre sabe quando esse momento 
o encontra... E talvez o faça eterno...

Andar pelo mundo de vida pronta 
e alma completa bem poderia ser, 
a despeito de todas as melancolias
das prontas filosofias de plantão, 
a maior e mais sábia recomendação 
para os que acreditam ser possível
viver com a cabeça nas estrelas 
e os pés no chão... 

E não é tão complicado assim 
caminhar num chão de estrelas... 

Afonso Estebanez
COM O AMOR NA MEMÓRIA
Amar deve ser um perder da memória
dos muitos amores que nunca esqueci
pela vida levada à margem da história
da memória do amor que nunca perdi.

Deve ser da esperança 
minha vaga lembrança
dessas vidas passadas
ao meu lado de ti... 

Amar deve ser como a luz da centelha
no pólen das rosas num gozo sem fim
no início da vida da luz que te espelha
no amor da centelha na flor do jardim.

Deve ser da esperança
de tua vaga lembrança
dessas vidas passadas
ao teu lado de mim...

Afonso Estebanez
(Dedicado à doce e fiel amiga
Verluci Almeida)
DO PÁSSARO RETIRANTE

No dia em que o destino interromper
meu tempo de andarilho pela aurora
qual pássaro em silêncio vou morrer
ao desígnio mais triste de ir embora.

Se o crepúsculo ouvisse já de agora
meus cantares de paz e amanhecer
nem mesmo a noite perderia a hora
de ouvir os cânticos do entardecer...

No reino dos ciprestes que governo
vou refazendo a ardor do cio eterno
infenso aos vendavais em desatino.

É por isso que vivo meus instantes
no eterno amor das aves retirantes 
porque a morte é cilada do destino.

Afonso Estebanez 
DEVANEIOS DA INSÔNIA

O que faz eterno o instante 
em que você ressurge da noite
coroada a face de sorrisos
é o que me diz o amanhecer 
dos lírios de como já nasci 
de braços abertos.

Já falei a você das folhas que caíram
e do sofrimento levado pelo outono
deixado em cada sombra de seu rosto.

Já mostrei como do fruto renovado
o renascimento da vida é infinito
como o cio das cigarras é o destino
que se cumpre no silêncio da resina.

Você consome o canto e os sonhos 
e os mistérios a esmo desvendados
e deixa esse sinal de impenetrável 
ausência nas minhas mãos vazias...

Mas onde houver a paz dos rios 
tangidos pelos caminhos bebidos 
de minha boca, eu irei beirando
as margens inventariadas no rol 
dos padecimentos...

Só me resta esperar que esta noite
você volte a embalar com beijos
meu sono perdido...

Afonso Estebanez 
DEITEI MINHAS ROSAS 
DEITEI MINHAS ROSAS DE LIBERDADE ENTRE OS LENÇÓIS DAS CASTAS FLORES-DO-CAMPO, PARA QUE FICASSEM DISTANTES E REFRATÁRIAS AOS ESPINHOS TRUCULENTOS DAS AGAVES BELICOSAS E TRAIÇOEIRAS... HÁ FARTA ESPERANÇA DE PAZ E CONCÓRDIA... MAS SEM A DITADURA ARMADA DAS AGAVES NAUSEANTES, CUJAS ESPADAS DESPROVIDAS DA BRANDURA DE MINHAS ROSAS, DEVERÃO SER DESARMADAS... BRASILEIROS, NÃO VAMOS DESISTIR DOS SONHOS NEM DAS ROSAS NEM DO AMOR NEM DE DEUS!... ISSO É UM POEMA-DE-CONVOCAÇÃO... A POESIA COMO AS ROSAS PODEM TUDO, PRINCIPALMENTE RENASCER DAS CINZAS DO FEITIÇO DAS DITADURAS. E SEMPRE FOI ASSIM. NÃO ACEITAR NENHUM TIPO DE DITADURA, SENÃO A DITADURA DO AMOR!... E NISTO RESIDE A UNIVERSALIZAÇÃO DE NOSSA PARTICULARIDADE HUMANA: ESSE AMOR IMENSO... Afonso Estebanez. 
NA BEIRADA DO CAIS

Embarcado o poema,
o mar diz ‘nunca mais’...
Solto ou não as amarras
toco ou não meus navios
para longe do cais...

Desembarco o poema,
o mar cala os meus ais...
Assim deixo a saudade
rebocar meus navios
para perto do cais...

Feliz é a hora desmarcada
de pena da dor embarcada
no adeus da beira do cais!

Afonso Estebanez
(Dedicado ao notável poeta fluminense
Rodrigo Octávio Pereira de Andrade – 
Cônsul de Poetas del Mundo para Cabo Frio/RJ 
e Membro da Academia Cabista de Letras, 
Artes e Ciências de Arraial do Cabo-RJ)
NÃO ACORDEM MINHA MORTE
Não acordem minha morte
que descansa adormecida...
E que à alma não importe
se a morte é sono da vida.

Minha carne não acordem
e nem do sangue exaurido
o fluído que em desordem
deixa-me o corpo esvaído.

Dêem pó para minh’alma
que de mais nada precisa
senão do canto da calma
que de amor não agoniza.

Não acordem minha vida
que está só desacordada 
e que a alma amortecida 
só me acorde despertada.

E da morte não desperte
a minh’alma adormecida
e da vida ainda me reste
o outro lado desta vida...

Afonso Estebanez 
CUPIO DISSOLVI

È più necessario che nella carne resti:
o amor ardente sob a cinza do desejo
à alma cúmplice no céu inda me reste
a vida eterna do milagre de teu beijo.

È più necessario che nella carne resti: 
o amor a termo revivido num lampejo
a alma rediviva e a graça que reveste 
o dom da luz original que em ti revejo.

Amor é agonia em transe e dadivoso 
estado primitivo em cânticos de gozo
a fonte de poder do amor da criação. 

Amor é dom insuperável que só ama
e cria-te mulher e deusa te proclama 
esse cupio dissolvi da imortal paixão...

Afonso Estebanez
CANÇÃO DE BEM-QUERER

Ensina-me a ser assim
com tuas asas tão leves
tão breves quanto suaves
como aquelas semibreves
do canto de minhas aves... 

Fica perto do meu céu
como a flor encabulada
na beirada de um jardim
ou no fim da caminhada
que acaba dentro de mim...

Fica como se tivesses
teus sentidos acordados
no meu calvário sem cruz
e nossos corpos pregados
com cravos feitos de luz...

E me vem como se vai
fingindo que vai embora
teu agora é o nunca mais
como quem sabe da hora
mas ir embora jamais...

Afonso Estebanez
CAMPO DE MEDITAÇÃO

As estradas que sempre iam,
continuam indo, a despeito de mim 
que por hora estou voltando... 

Mas quando não houver
mais estradas para quem vai,
suave será a caron a dos riachos
que são estradas feitas de lágrimas
de saudade dos amores viajados.

Continuarão, como os dias e as noites,
na direção do reino do nunca mais...
E como as rosas num leito de orvalho,
é possível que eu me reencontre comigo
em qualquer curva do crepúsculo 
para o vasto espanto das manhãs
que terei deixado para trás...

E não posso evitar que seja assim:
as estradas levando a memória
do quanto eu ando de rosas
nas veredas do meu jardim...

Afonso Estebanez
(Poema dedicado à notável amiga 
Kátia Caetano – “Kátia Pérola”)
CAMINHO DE CHÃO

Minha vida foi de pedra
meu caminho foi de chão
batido no leito seco
dos rios sem direção...

Não tive nenhum destino
nem o quis saber em vão
senão o rumo das pedras
do meu caminho de chão.

Fui timoneiro de nuvens
naveguei a solidão
nas pedras da calmaria
do meu caminho de chão...

Minha vida foi de pedra
meu caminho foi de chão
como sombra fugidia
da esperança sem razão.

Fui profeta de meus sonhos
sem nenhuma explicação
como uma esfinge de pedra
no meu caminho de chão.

Uma flor qualquer no vale
um som qualquer de canção
são restos de minha vida
no meu caminho de chão...

Afonso Estebanez 
BOA NOITE MEU AMOR...

Boa noite, meu amor!
O mar acalma na brisa
essa é a hora de voltar...
A brisa acalmar o vento
os sonhos o pensamento
que não cessa de gritar
nessa noite numerosa 
entre as ondas sinuosas
dos caminhos do luar...

Boa noite, meu amor!
Sem os muros dos rochedos
sem nenhum setembro negro
sem mistérios nem segredos
sem os medos de voltar...

Boa noite, meu amor!
É destino o amanhecer
para a noite descansar...
Bom sonhar enquanto é tempo
bom de morrer ao relento
bom de renascer no mar...

Afonso Estebanez 
BAILIA – 3 

Na angústia da insônia
eu me conto minha vida
e durmo de tédio...

A noite acomoda-se
à beira de um riacho
e as águas cantam para ela
uma canção remota...

É assim 
que ainda me conto
a história
de minha vida
escrita nas estrelas...
A lua é o ponto
final...

Afonso Estebanez 
BAILIA - 2

Com um lenço branco
tuas mãos acenam-me
o primeiro adeus...

Frágeis borboletas
entre os arabescos 
da paz desatinada
nas mãos trêmulas
do vento...

Com um lenço branco
tuas mãos acenam-me
o último adeus...

Afonso Estebanez 
BAILIA - 1

O sol se põe 
em seu corpo
e se trança 
em seus cabelos
como arco-íris 
derramado 
em campos
dourados 
de arroz....

Afonso Estebanez 
ALEGRETO

não é festa 
ou romaria
ou sombra
virando luz
na fogueira 
do clarão...

é a noite
chegando
cedo para
o baile de
verão...

Afonso Estebanez 
ALLEGRO MA NON TROPPO

Fica a paz de um canto triste
dos riachos que vão embora,
vem a tarde e o canto insiste
nos meus ouvidos de aurora.

Resta uma chama encostada
numa sombra sem memória,
fica a noite e um quase nada
do que fora a minha história.

Não sou mais aquela infância
debruçada em teus terraços.
Vais!... E deixas a Esperança
desmaiada nos meus braços.

O homem nasce e vira glória
quando é pedra e vira a flor:
Deus então mais comemora
quando é barro e vira amor.

Afonso Estebanez
ADÁGIO COM SENTIMENTO 

Ah, os dedos entre as pétalas de rosas brancas
sentimento da alma em todo o amor do mundo
nas teclas de um piano as flautas doem tantas
quantas doem as mágoas de meu ser profundo.

Cantata ou fuga entre crepúsculos em quantas
semibreves de outono vai-me o amor fecundo
esse cantar de sonho com que tu me encantas
segundo o nunca mais de apenas um segundo.

O compassado amor – em dor menor – talvez
enquanto a noite for meu lume inda que tarde 
o compensado amor – em dor maior – jamais!

Que toda aurora é o anoitecer de alguma vez
meu dia é essa canção composta de saudade
e minha noite quase sempre é um nunca mais...

Afonso Estebanez
ABRIR OS BRAÇOS NÃO BASTA

Não adianta só abrir os braços
para o mundo e uivar ao vento
como lobo num cio sem razão.

Isso é somente abrir os braços
para o mundo e uivar ao vento
como lobo num cio sem razão.

É necessário fechar os braços
ao redor dos próprios abraços
numa oferta própria da razão.

Abrir os braços para o mundo
e fechar com o amor profundo
do abraço no próprio coração.

Afonso Estebanez
A VIDA NA CONTRAMÃO

Não me embebedo com nada
porém me embriago de tudo
quanto mais me dão porrada
quanto mais me tenho mudo

Minha alma anda para frente 
mas meu eu sempre pra trás
o que eu sonho é indiferente
quando peço o amor me traz

Minha vida anda embriagada
entre a aurora e a escuridão
bate em portas sem entrada 
e quando entra é contramão

E esse mundo é tão deserto
que a noite me dorme acesa
com temor de não dar certo
meu despertar sem tristeza

E assim meus dias se calam
como as noites sobre o mar
como as rosas que só falam
quando o amor quer escutar.

Afonso Estebanez