sábado, 28 de agosto de 2010

POEMA MELANCÓLICO

Não fora a vida imensurável desafio,
viver só por viver não valeria a pena
eis é preciso ouvir e ver passar o rio
entoando com a solidão da lua cheia
uma canção amena.

É necessário reinventar cada jardim
e ver o reflorir que tem a primavera
um se redefinir como princípio e fim
e o que, de súbito, no cio da manhã
se vê pela janela.

Gasto dias sob os arco-íris da garoa
liberado de mágoas em decantação
eis é preciso retornar a quem entoa
esta canção de paz e de melancolia
no vasto coração.

Quantas vezes perdi o último navio,
e vi o cais vazio, o que vivi desfeito.
Mas a despeito desse cântico tardio
meu coração por desafio ainda vive
cantando no meu peito.

Afonso Estebanez

ERVAS SEM JARDIM

Às vezes penso em atear fogo
nas urtigas para que não brotem mais
entre as indefesas anêmonas da vida...
Mas quantas sementes não queimariam
na relva da esperança?... Quantas
à minha imagem e semelhança...

Já tive a infeliz oportunidade
de sepultar muitos amores...
Mas o amor não é instinto que se mate!
Então eu sepulto o meu próprio amor
num canteiro de ervas secas e baldias
das que morrem para sempre
e renascem todos os dias...

Como vivem as heras frágeis
entre as pedras que há em mim...
Pelo menos elas têm o sol da manhã
com o qual confortam suas vidas
sem jardim...

Afonso Estebanez

COMO ENTRE GIRASSÓIS

Devo morrer de lágrima de encanto
não quando toda dor tenha cessado
mas enquanto for pena todo pranto
e o meu amor um canto inacabado.

A vida às vezes cruza o desencanto
com um sonho por vezes sepultado
mas deste luto é que se faz o canto
depois de tudo pronto e terminado.

Ninguém pode olvidar os pesadelos
razões dos fios brancos dos cabelos
ocultos entre as dobras dos lençóis.

Eis neles vão os sonhos docemente
morrendo como morre o sol poente
no horizonte do olhar dos girassóis.

Afonso Estebanez