segunda-feira, 27 de outubro de 2008

ENAMORADOS...


ENAMORADOS...

Enamorados como a sombra e o cipreste
os dois lados da alma aos corpos reunida
vestida como um pássaro que se reveste
como a rosa de luz e tanto amor de vida...

Enamorados de alma isenta do cansaço
por onde caminhar não seja o lado triste
da ave marinha que pernoita no regaço
dos crepúsculos desenhados sem limite...

Enamorados onde o além é o horizonte
onde ao longe cintila a noite já alunada
e onde entre as maçãs da face rutilante
reveste-se de luz o olhar da enamorada...

E de tal modo que em sua carne ardente
envolve-se a paixão na carne hirta e fria...
E como que entrementes há suavemente
que retardar a noite até que venha o dia...

A. Estebanez

DEPOIS DA FESTA


DEPOIS DA FESTA

É preciso, pelo menos uma vez na vida,
ser o último a deixar a festa...
Dispensar os convidados antes de chegar a aurora.
Exorcizar os aposentos com galhinhos de arruda.
Desligar o som, fechar janelas e cortinas,
desenlaçar os reposteiros,
varrer da memória a algazarra das crianças
na calçada...
Dissipar o perfume das adolescentes.
Dispensar as frivolidades dos últimos abraços.
Recolocar no jarro aquela rosa
que esqueceram sobre a mesa.
E, finalmente, quando a noite
trouxer de volta o silêncio numeroso,
apagar definitivamente a luz...
Depois dormir...
Sonhar...
Despertar...
Viver... Viver...
Depois dormir...
E morrer... Como quem morre
definitivamente...
Para não incomodar
ninguém...

A. Estebanez

DA POESIA


DA POESIA

Poesia não é palavra
ou o ouro ou a lavra.
Poesia é de ninguém.
Não é o elo perdido,
e o seu único sentido
é aquele que não tem.

Poesia enquanto fala
é então que ela se cala
se não é verbo de ação.
O som é só o fonema
que resvala no poema
sua força da expressão.

Poesia não é o ponto
ou o furo do pesponto
não é forno nem é pão.
Ou o ovo ou a galinha
ou a agulha ou a linha
ou o fogo ou o carvão.

Poesia é um absurdo
é o nada sendo tudo
o obscuro da sintaxe.
É o ser e é o não ser!
Impossível de nascer,
é daí que ela renasce...

A. Estebanez

DELICATESSE


DELICATESSE

A gota de orvalho
soltou-se do galho:
a gota caída.

A gota de orvalho
caída nas águas:
a gota perdida.

A gota de orvalho
da tua presença
virou minha vida.

A. Estebanez

EM TEMPO DE LÓTUS, LÍRIOS E ACÁCIAS...


EM TEMPO DE LÓTUS, LÍRIOS E ACÁCIAS...

Jamais perder o momento
de encontrar na boca
um sorriso...

Jamais perder a esperança
de encontrar na curva
um caminho...

Jamais perder a certeza
de encontrar no muro
uma porta...

O lótus pode ser
o momento de glória
da lama...

O lírio pode ser
o encontro da paz
na esperança...

A acácia pode ser
a certeza da vida
na morte...

A. Estebanez

DOM QUIXOTE


DOM QUIXOTE

Tantas paixões meu cavaleiro errante
triste figura andante em mim venceu...
De eterno amor por sua doce amante
bem mais que eternamente padeceu...

Deu expressão ao asno e ao rocinante.
Aos guerreiros do amor deu o apogeu.
Aos moinhos de vento o vago instante
da reinvenção do sonho que morreu...

Revi meu Dom Quixote de La Mancha...
O escudeiro... O cavalo e a augusta lança
contra os dragões do inferno sob o céu...

Quando uma simples chuva de verão
derreteu – qual num passe de ilusão –
a minha Dulcinéia de papel...

A. Estebanez

ENTRE LUZ & SOMBRAS


ENTRE LUZ & SOMBRAS

Coloco-me de costas para o sol nascente
a sombra me vai só na via da lembrança
e o meu amor vai só na alma indiferente
jacente na canção remota da esperança.

Lembro de sonhos do futuro no presente
de reviver amores que o esperar alcança
das rosas fugidias de um jardim ausente
a despeito dos amanhãs em abundância.

A noite é feita de uma luz remanescente
a beirada da aurora é que me recomeça
pela estrada de volta para o meu futuro.

Vaga-me a alma pelos restos do poente
chegar é só o sonho para quem começa
e começar é conseguir andar no escuro.

A. Estebanez

AQUELE TEMPO ERA DE AÇÚCAR


AQUELE TEMPO ERA DE AÇÚCAR

Criança,
ama com fé e orgulho
a terra em que nasceste!
Será que não verás
país nenhum como este?

Houve um tempo em que a escola
era uma casa de aprendiz de amor à pátria.
Os muros eram feitos de melado e rapadura.
A professora tinha lábios de sorvete de morango
e o hino nacional era cantado à marselhesa
ao pé do mastro onde a bandeira tremulava
como um troféu entre as muralhas da Bastilha.

O chão de nossa rua era de açúcar
as calçadas de torrões de chocolate
e a chuva no telhado era baunilha...

Não havia entrelinhas na cartilha
e cada herói jazia em seu lugar.
Nossos pais, de bem pouco suspeitavam
Nem a Voz do Brasil nada informava
sobre trilhas e ardis de vis tropeiros
caminhos das Bandeiras de piratas
e Capitães d’América e Mandrakes trapaceiros,
fazendeiros vestidos de jagunço de gravata,
lobisomens de araque e coronéis aventureiros
garimpeiros do Conde de Assumar...

Ah, nas crinas prateadas dos canaviais
a lua não se casa mais com o luar...
O vento deu lugar à brisa peregrina
fugitiva do fogo das usinas
tocadas pelo braço servil dos samurais.

Não têm nome de heróis os bóias-frias.
Nas galerias os heróis são generais.

A História apelidou de Tiradentes
o mártir solitário de certa independência
de quem jamais ouviu falar Coimbra,
cujo nome não consta nos compêndios
de Sorbonne...

Aqui onde nascemos e vivemos
a História dá nome às avenidas
e os becos-sem-saída não têm nome!

Porque este é o Mundo de Mrlboro
do cavalo furioso de fundo de quintal
do alpinismo genital do coiote extasiado...
Ah, o cacoete do nacionalismo alcoólico.
Oh, o cigarro top-model e o sexo oral...

O manifesto cívico e moral
do arquivo oficial da ditadura
nas entrelinhas da cartilha descartável
nas aulas de melado e rapadura...

O chão de nossa rua era de açúcar,
calçadas de torrões de chocolate...
A praça da matriz de caramelo
iluminada com bolinhas de sorvete...

Criança,
ama com fé e orgulho
a terra em que nasceste!
Será, será que não verás
país nenhum como este?

A. Estebanez

RAPSÓDIA DE AMOR CIGANO (Primeiro fragmento)


RAPSÓDIA DE AMOR CIGANO
(Primeiro fragmento)

Eu devo anunciar desesperadamente ao vento
aos semideuses arcanjos duendes e querubins
que um dia te encontrarei na virada do tempo..

Que nenhuma paixão desatinada é descabida
e relegar esse amor à memória dos náufragos
seria como a última tragédia em minha vida...

Te darei flores do outono que tomei do tempo
sonhos antigos retomados da esperança finda
entre sombras noturnas de lembranças tardas..

No coração perdido entre a memória perdida
tentei lembrar-me dos fragmentos da história...
Debalde! Desse amor, só o legado da partida!

A. Estebanez

RAPSÓDIA DE AMOR CIGANO (Segundo fragmento)


RAPSÓDIA DE AMOR CIGANO
(Segundo fragmento)

Querida! eu devo anunciar desatinadamente
a essas vítimas da última tragédia da paixão
– órfãos de afeto e decaídos da esperança –

que o dia por auroras e crepúsculos transita...
Que inerte padecer-me ao sonho derradeiro
seria o derradeiro entardecer de minha vida...

Ah, perdidamente o devo anunciar, querida!
que ainda há esse remoto amor desesperado
resolvido no doce padecer de reencontrar-te

como a flauta encontrada na canção perdida...
Então eu canto e desespero porque a espera
vem do compadecido amor que me convida!

A. Estebanez

RAPSÓDIA DE AMOR CIGANO (Terceiro fragmento)


RAPSÓDIA DE AMOR CIGANO
(Terceiro fragmento)

Sou pastor de teus sonhos pelo vale de minha
insônia... Nos murmúrios dos rios te conduzo
enquanto é noite ainda... e festejamos a vinda

do amor na aurora que ao amor foi prometida...
Ciranda de quimeras! Teu coração de menina
em meus abraços é o prenúncio de outra vida...

Tu pedirás que eu volte!... E voltarei, querida!
E trôpego já tarde em meus trêmulos sentidos
despertados nos lençóis febris de minha carne

– esse repasto de delírios em amálgama retida...
Ô, quantas horas e dias de exílio se arrastaram
no relógio do tempo que levou a minha vida!...

A. Estebanez

RAPSÓDIA DE AMOR CIGANO (Quarto fragmento)


RAPSÓDIA DE AMOR CIGANO
(Quarto fragmento)

Da mais alta colina dos vinhedos em floração
preciso proclamar ruidosamente a todo mundo
que é possível amar sem os arbítrios da razão...

A despeito de tudo, essa paixão foi concebida!
E ocultar mística evidência em sonho revelada
seria inconcebível tentativa contra minha vida...

No cume do meu coração tomado e pertencido
tua bandeira tremula no mastro de meus afetos...
E grito! para que todos saibam de mim próprio

o quanto o padecer por ti me condenou à vida...
Sortilégio de amor, querida! o outono nascerá
dessa esperança de jamais viver de despedida!

A. Estebanez

RAPSÓDIA DE AMOR CIGANO (Quinto fragmento)


RAPSÓDIA DE AMOR CIGANO
(Quinto fragmento)

Ah, permita-me querida
viver sonhar se possível
enlouquecer e me viver
de alma nua consumida...

E que me é dado por lei
morrer-me de desmorrer
vivendo-me de desviver
pelo fim sem despedida...

Ô, conceda-me querida
morrer-me sem padecer
ou então me adormecer
docemente em tua vida...

A. Estebanez

SER PERENE (Poema Védico)


SER PERENE
(Poema Védico)

A luz vem do olhar de uma fera acuada
que aguça os sentidos da carne que assanha...
É como galgar dentro d’alma enjaulada
a encosta escarpada de rude montanha.

Os lobos vorazes dos vãos pensamentos
são rasgos de raios num céu sem lampejos...
Mil potros selvagens no dorso dos ventos
tangidos por cães de sangrentos desejos.

Os cumes dos montes são gumes da mente
que traçam no céu azimutes perdidos...
Faróis que se acendem nos vãos da torrente
que invade a planície sem luz dos sentidos.

Voeja entre nuvens de braços abertos
conquista o infinito, degrau por degrau...
Transforma as areias de imensos desertos
num lago escorrendo entre sons de cristal.

É como um cometa luzente no espaço
que a luz abrangente de um raio devora...
O ser se dilui no infinito regaço
e Deus se revela de súbita aurora!

A. Estebanez

TEM QUE SER AGORA


TEM QUE SER AGORA

Vamos supor que deva ser agora
enquanto é tempo e o tempo subsista...
Vamos supor que esse seja o tempo
que a hora passe e o dia não resista!

Vamos supor que as luzes da cidade
apaguem na avenida da memória...
Não sei o que será desse amanhã,
vamos supor que deva ser agora...

Suponhamos que o rio altere o curso
de seu destino inevitável de correr,
e a flor não venha mais a sublimar-se
no seu inexorável destino de nascer...

Vamos supor que a espera seja tanta
que o tempo não se lembre de passar.
Que a noite durma tanto nas calçadas
que a alvorada não consiga despertar...

É necessário então que seja agora
como o dia que chega embora tarde,
suponhamos ao menos que este seja
o instante inicial da eternidade!

A. Estebanez

UM SONHO ENTRE NÓS


UM SONHO ENTRE NÓS

Põe o sonho onde te ponho
ou deixa que o leve o vento
se não te restar mais sonho
faz sonhar teu pensamento.

Nenhum sonho vai embora
que não possa mais sonhar
como a insônia é a demora
que aguarda o sono voltar.

Como a noite é a memória
do amanhã que vai chegar
nenhum sonho tem a hora
para um sonho descansar.

Põe um sonho em tua vida
e a minha deixa sem nada
mas na estação da partida
não deixa a tua espalhada.

Não é bem que vás agora
com o teu jeito de sonhar
teu sonho quer ir embora
mas o meu não quer ficar...

A. Estebanez

VIDENTE


VIDENTE

Tudo claro como o raio e simples como a serpente
evidente como a morte que há na sorte da vidente...
A cruz à beira da estrada, porteira que não se move
o cantar das corredeiras tão cansado me comove...

E meu corpo hirto na relva, horto de eras ao relento
pensamentos nos abrigos dos remoinhos do vento...
Cerca de arame farpado e esse entulho no jardim
milho novo replantado nas vertentes de alecrim...

Duas ovelhas no aprisco, um cão magro na cadela
dois jacintos pendurados nos dois lados da janela...
Tudo certo como a morte esperando simplesmente
evidente quanto a morte que há na sorte da vidente...

A. Estebanez

VISÕES DE ALCOVA


VISÕES DE ALCOVA


Que nossas vidas não sejam
entregá-las – mas perdê-las
nas poças sujas dos charcos
em que habitam as estrelas.

Sou o quanto é meu desejo
que à ninguém dei remover
feito um quarto de despejo
que em si coube sem caber.

Mortalhas de nossas almas
sudários de pranto e dores
nossas noites têm a calma
dessas veredas sem flores.

Sem louvor a expectativas
de quem sofre falso e-mail
por quem flores primitivas
nascem pedras de centeio.

Confiscar mágoas sem dor
é o meu jeito de vivermos:
celebrando o próprio amor
com amor pelos enfermos.


Afonso Estebanez

SONETO DO AMOR INCONSÚTIL


SONETO DO AMOR INCONSÚTIL

Às vezes a minh’alma é a mesma tua
sem que um mesmo precise ser igual.
Como os lados contrários de uma rua.
Ou margens inconsúteis de um lençol.

Quantas vezes derramo de alma nua
em tua alma encoberta de água e sal
sementes de uma aurora à luz da lua
sem que o saiba a tua aurora boreal...

As rosas em silêncio em meu jardim...
Nenhuma flor o sabe de outra assim
como as aves do cântico dos ninhos...

E meu amor – malgrado esse ciúme
é como um frasco aberto de perfume
de rosa que nem sabe dos espinhos...

A. Estebanez

SONETO DO AUTO-EXÍLIO


SONETO DO AUTO-EXÍLIO

Tormentos, pesadelos e neuroses
vampiros em noturna revoada
vão possuir meus sonhos com atrozes
rituais de tortura festejada.

Vão farejar-me como cães ferozes
até que a minha fome fatigada
sobreviva do pão de seus algozes
e a sede já não viva de mais nada.

E esses fantasmas viverão do trauma
de meus gritos ocultos na parede
da carne que o pavor cala e consome...

E como quem se apossa de minh’alma
irão saciar-se com a minha sede
e regalar-se com a minha fome!

A. Estebanez

CENA DA INFÂNCIA...


CENA DA INFÂNCIA...

Ah, aquele cacto retorcido
sugando gotas de orvalho
caídas da boca da noite...

Criar borboletas noturnas
foi minha primeira ternura...

Havia prenúncio de trégua
e a esperança da primavera
naquela borboleta branca
(uma bandeira de paz)
hasteada no mastro da flor
vermelha...

A. Estebanez

CHUVA NO MOLHADO


CHUVA NO MOLHADO


Gosto da chuva no telhado...
As goteiras me fazem pensar
nos pontos finais que deixei
de colocar na minha história.

Gosto da chuva no molhado...
Os canteiros me dão lembrar
dos jardineiros que ficaram
com sementes na memória.

Gosto de causas sem efeito...
De maus sonhos sem motivo
de morrer sem ser preciso
por ter fama sem proveito.

Gosto das coisas como são...
Da vida como um desterro
da sombra indo ao enterro
da sombra morta no chão...


Afonso Estebanez

COM A ALMA NUA


COM A ALMA NUA

Fica-me a alma estacionada
em minha sombra ancorada
entre as sombras do jardim.

Vem a lua e a noite é longa
mas por debaixo da sombra
a alvorada escorre em mim.

Cada flor me encanta tanto
que a brisa volta do campo
com as vestes dos arco-íris.

Fica-me a alma pela aurora
e o amor prendendo a hora
pra de mim jamais partires.

Vai-me a lua embora enfim
mas o amor de tu’alma nua
já escorreu dentro de mim!

A. Estebanez

PASTOREIO III


PASTOREIO III

Não é apenas sua voz que apascenta
meus dispersos rebanhos de sentidos
e faz correr dentro de mim as águas
das ribeiras com sorrisos flutuantes
de um concerto de flautas e flautins...

É também sua face voltada para onde
e como a flor se inclina ao ser tocada
pelas mãos da manhã em seu jardim...

Nem são apenas as veredas alunadas
por seu destino de amada passageira
que fazem de mim pastor de sonhos...

São todos os caminhos contornados
pelos rebanhos de suas esperanças
reencontradas entre vales e colinas
e nos bosques tingidos de alfazema
para repousar a lembrança da volta...

Ah, os anjos desenhados no espaço
de seu corpo e os risos precursores
das palavras que nunca foram ditas...

É esperança que só o adeus revela
quando o seu coração agita a alma
para alcançar os sonhos fugidios...

Pássaro liberto pelas mãos da vida
borboleta com sua dimensão exata
desse perder-se sem ficar perdida...

A. Estebanez

PASTOREO II


PASTOREO II

A viagem de tua alma
terá como roteiro
minha alma de menino.

Teus pés caminharão
pelos meus pés descalços
sobre os liquens e seixos
dos leitos dos riachos.

Raios de sol surgirão da campina
como pássaros das águas de coral.
Suas asas de luz vibrarão na manhã
como brisa entreabrindo janelas
esparsas nas sombras fugidias...

Percorreremos os rumos serenos
das águas fluentes e amenas
das fontes brotadas na relva
como flautas tocadas a esmo...

Abandonaremos por vezes o curso
dos rios e navegaremos o campo
como barcos de nuvens embriagadas
de ventos repentinos.

Iremos para além de onde
nada mais exista
qual pensamento obstinado
num gozo sem motivo.

Reconheceremos rostos amigos
lembrar-nos-emos de coisas esquecidas
e nossos olhos se tocarão num sorriso
sem sofrimento como plácidas mãos
que compartilham pão e vinho
num velho convívio,,,

A. Estebanez

PASTOREIO I


PASTOREIO I

Depois que aqui for deixado
e todos tiverem ido
vou ser vento libertado
pelas mãos dos desvalidos
espalhando flor e pólen
no solo fertilizado
com o pranto dos oprimidos...

Vou soltar as estribeiras
cavalgar nuvens em pêlo
e aboiar as corredeiras
de meus rios represados...
Vou montar a liberdade
fingida das carpideiras
na pena dos condenados.

Sob os lábios comprimidos
dente por dente calado
olho por olho cerrado
na masmorra dos sentidos...
Vou virar redemoinhos
e girar pelos caminhos
como pássaros banidos.

Meus sonhos pagens de ninfas
luzes sombras sobre os lagos
prado em flor de claras tintas
e mistérios desvendados...
Vou apascentar meus mortos
na paz de ovelhas famintas
entre lobos saciados...

A. Estebanez

"ALMA DE ORKUT"


"ALMA DE ORKUT"


Todos os dias são meus dias de manhã
e toda face são meus olhos nas janelas
algumas delas como as flores da romã
coroam-se do amor fiel das cinderelas...


Minhas almas virtuais das primaveras
meus amores dos ontens reinventados
ressurreição dos sonhos das quimeras
sexo de scraps dos sentidos intocados...


Ô, sorrisos perfis da nova renascença
corpos d’arcos triunfais da esperança
olhos verdes nos ramos da inocência
ou deuses imortais da minha infância...


Ôrkut! olhar de encantos deflagrados
em janelas online como o sol na flor...
Quero essa luz de amigos encantados
entre as faces cosmográficas do amor...


A. Estebanez

PORTA DE SONHOS


PORTA DE SONHOS

Fiz uma porta de sonhos
com duas partes viradas
para as portas do jardim
os dias foram tamanhos
e de todos fiz os sonhos
que vivi dentro de mim...

Naquelas partes viradas
para as rosas do jardim
inventei uma esperança
de viver de quase nada
e minha vida inventada
do nada restou assim...

A alma nua e penitente
com a calma da manhã
e a memória do jardim
no sonho da primavera
convivendo de quimera
as duas partes de mim...

A. Estebanez