terça-feira, 7 de outubro de 2014

LA CUISINE EN FLEUR


Pega as rosas do ciúme
e os espinhos do jardim
e os refoga no perfume
dos ramitos de alecrim...

Coração ao fogo brando
para a alma me aquecer
vai em breve refogando
meus desejos de viver...

Espera chegar ao ponto
em que a liga dê prazer
onde tudo seja encanto
pelo encanto de viver...

E de noite à luz da vela
em cada prato uma flor
eu tomo dos lábios dela
um sobrebeijo de amor...

Afonso Estebanez
(Poema dedicado à generosa
Conceição Bentes) – 20/04/08)

LÁGRIMA



Lágrima é um brilhante lapidado
pela luz da manhã ao despontar
uma gota de orvalho perfumado
no frasco de cristal do teu olhar.

É nascente de um rio represado
que te chora na face sem penar
o epílogo de um livro já fechado
com um ponto final para chorar.

E vejo com o teu olhar de Shiva
que doer é a forma compassiva
de uma lágrima gotejar perdão.

Repousa-me na dor de tua cruz
e me cubra com lágrimas de luz
no calvário de paz do coração...

Afonso Estebanez
(Para Anna Ortiz com o meu carinho)


ADÁGIO COM SENTIMENTO


Ah, os dedos entre as pétalas de rosas brancas
sentimento da alma em todo o amor do mundo
nas teclas de um piano as flautas doem tantas
quantas doem as mágoas de meu ser profundo.

Cantata ou fuga entre crepúsculos em quantas
semibreves de outono vai-me o amor fecundo
esse cantar de sonho com que tu me encantas
segundo o nunca mais de apenas um segundo.

O compassado amor – em dor menor – talvez
enquanto a noite for meu lume inda que tarde
o compensado amor – em dor maior – jamais!

Que toda aurora é o anoitecer de alguma vez
meu dia é essa canção composta de saudade
e minha noite quase sempre é um nunca mais...

Afonso Estebanez
(Homenagem ao amigo Juarez Santos)

A CANÇÃO DA ESPERA


Quando deixares meu desavisado coração
não esqueças de deixar a luz da lua acesa.
Deixa a chave da esperança sobre a mesa
do quarto onde dormiu teu último verão.

Não te esqueças das romãs do teu outono
só porque as sombras do inverno te virão
como lembranças de um amor de ocasião
que não conciliava mais o próprio sono.

Talvez eu me adormeça aqui para sonhar
com o outro lado temporão da primavera
onde eu sonhar me seja estar à tua espera
doendo de um retorno de qualquer lugar.

Estarei dividindo com as águas do riacho
uma breve canção de prazer e sofrimento
sobre a vida refeita de pena sem lamento
o coração envolto no seu próprio abraço.

Afonso Estebanez

CRÔNICA POÉTICA DOS HERDEIROS DE GARVAIA (Modo 12)


Meninos, eu vi!...

O rio caudaloso onde todos vêm beber:
o quilombo e a nobreza apeada do poder...
da ermida a esguia sombra e a noite na mortalha...
o abutre da casa-grande e o cordeiro da senzala...
o falcão da catedral e a andorinha campesina...
a pomba do espírito santo e a ave de rapina...
a serpente rastejante e o condor – fênix do céu...
o descontente do rei e os contentes do bordel...
o escravocrata lapidado a golpes de melodrama...
o burguês bayroniano literomaníaco de spleen...
o cangambá morossoca tedesco-sorobacana...
o corvo republicano do golpe de Aberdeen...

O dia da lembrança de morrer...
Deixar a vida como deixa o tédio
do deserto o poente caminheiro...
A pálpebra demente
o delirium tremens
o longo pesadelo
a face macilenta
esse infinito anelo
o desespero pálido
o anêmico azevedo
o lati-sem-fúndio
a placidez do lago
a solidão do ermo
o tremedal profundo...

Afonso Estebanez


CRÔNICA POÉTICA DOS HERDEIROS DE GARVAIA (Modo 11)


Meninos, eu vi!...
Meninos, eu li!...

Eu vi a Breve Crônica
de Como Dom Paio Correia tomou este Reino de Algarve aos Mouros
sem que os Errantes Encavalgados da Cruzada Santa tombassem
de tão exaustos ou de Mau Súbito Ante a Visão do Cavaleiro Túndalo.

Eu li o “Poema Americano Dedicado à Magestade
do Muito Alto e Muito Poderoso Príncipe e Senhor Dom Pedro II,
Venerável Grã-Imperador Constitucional
e Defensor Perpétuo do Brasil”...

? Meninos, e quem não leu...
? Meninos, e quem não viu...
Subir tanto que desceu...
Oh, meninos do Brasil!...

Afonso Estebanez