quinta-feira, 20 de abril de 2017

REFLEXÕES NO QUARTO DE ALUGUEL


Aqui de dentro do quarto lá fora é ausente e baldio
mas lá de fora ao relento aqui dentro é mais vazio.

Sem flores e sem retrato de tão nada me angustio.
Lá de fora onde pernoito aqui dentro é noite e frio...

Aqui de dentro do quarto lá fora é um barco no rio
e lá de fora mar à vista aqui dentro é o meu navio...

No leito deita teu corpo feito cais para o meu cio...
Teu barco entra no porto e no corpo o meu navio.

E como um dia no barco lá fora é tarde e erradio
aqui de dentro do quarto sobre o mar do casario...

Lá fora não me conforta nem importa esse fastio
é o barco que transporta o ser no mundo sombrio.

Aqui de dentro do quarto lá fora é tempo de estio.
Entre sonhos me reparto, que viver é um desafio...

Entre ciprestes me deito e entre lençóis me alivio
aqui dentro sobre o leito em teus beijos me sacio...

Aqui de dentro do quarto lá fora há o vento vadio
lá de fora aqui de dentro não é triste nem tão frio...

Lá fora é apenas o barco de meu fantasma arredio
navegando nos telhados de meu fado em desvario...

O corpo preso no quarto a alma farta e o ser vazio
o mar vasto leva o barco num sonho vago e tardio...

O vento quase me diz e não ouço por um fio
como é quase ser feliz no quarto quase navio.

Afonso Estebanez