sábado, 29 de novembro de 2008

BURACO NEGRO


BURACO NEGRO

Ser meu amor e amante
ser volúpias de meu ser
ser o lado mais distante
de meus lados de viver.

Ser o morto ainda vivo
e estar vivo sem querer
o querer morrer cativo
sem ser preciso morrer.

Ser operários sem lida
os contrários do galope
no vão do meio da vida
ou na beirada da morte.

Buraco negro do amor
sem nenhum alvorecer
como a flor a flor a flor
de Hiroshima renascer.

Ser esse fundo do poço
um chão seco de jardim
até que o meu alvoroço
não suporte nem a mim...

A. Estebanez (Falado em 21/03/2008 no Calçadão de Ipanema
em encontro de escritores do grupo Alma de Poeta
do Rio de Janeiro)

BEM-AVENTURADO


BEM-AVENTURADO

Ah! bem-aventurado o amor mesmo finito.
Ah! bem-aventurado esse infinito instante
da eternidade efêmera desse inconstante
amor eterno entre os instantes do infinito...

Ah! bem-aventurado o desditoso amante.
Oh! bem-aventurado o coração proscrito
Ô! todo o amor cativo sem a paz do grito
que entoe no infinito seu amor constante...

Ah! bem-aventurado esse pastor de rios.
Ah! bem-aventurado o som dos calafrios
do amor baldio tantas noites indormidas...

Ah! bem-aventurado o pobre de ventura.
Porque ele alcançará no vale da ternura
o amor edênico das deusas pertencidas...

A. Estebanez

BELOS & FERAS


BELOS & FERAS

Fui presidir um ciclo de
debates sobre as causas
dessa violência urbana
friamente analisada sob
a ótica imparcial dos que
passaram os dois terços
da vida com o traseiro
colado nas mais baixas
almofadinhas dos hotéis
de luxo da mais alta
baixaria...

Cordialmente me deram
o apelido de ser humano!
Hahahahahahahahahaha...

Não foi pior do que dar
no cão danado um porre
de água de matar a sede
da hidrofobia como uma
alternativa dos patéticos
disfarces das panteras...

Se ao menos isso me faz
de lobisomens solidários
animais domésticos
em vez de feras...

A. Estebanez

CANTIGA PARA RITA MALUCA


CANTIGA PARA RITA MALUCA

Trazia uma flor na boca
um beijo amargo na mão
um anjo vesgo no corpo
no silêncio uma canção
como flauta ressurgida
da memória adormecida
nas masmorras da razão...

Calava, mas seus desejos
quando deuses rebelados
abriam seus lábios mudos
com segredos revelados
invadindo seus destinos
como barcos clandestinos
por mares não navegados...

Como escrava, era rainha.
Quando livre, era cativa...
De seu olhar despontava
a luz da aurora indecisa...
Sonho perdido nos passos
e nos braços sem abraços
uma esperança imprecisa....

E só amava em desvarios
sem prazer nem amargura
como quem amava além
da razão que há na loucura...
E vencia os seus mistérios
entregando seus impérios
por um resto de ternura!

A. Estebanez

CANTIGA INOCENTE


CANTIGA INOCENTE

Construo estradas na alma
onde os sonhos vão passar
e na espera passa a calma
para o amor poder sonhar.

De alguns fios de alvorada
as cordas de um bandolim
vêm tocando pela estrada
do amor cantado por mim.

Por aqui passa a saudade
da saudade que não sinto
do meu sonho de verdade
que vivo quando consinto.

Consinto que tu me vejas
chorando porque me vais
sem sair das profundezas
de meus encantos banais.

Encantos de ser um louco
ou o eterno entre mortais.
É tão pouco! se do pouco
teu amor não tenho mais!


Afonso Estebanez

COMO A ALMA


COMO A ALMA

Cai a chuva de alma leve
nas ribeiras de alma fria.
Cala a ave o canto breve
cala a flor e o fim do dia.

Tanto faz a chuva esteja
só na aragem do jardim.
Essa brisa que me beija
fica bem dentro de mim.

Cai a noite e seu trajeto
vira alfombra enluarada
como a mágica do afeto
nos olhos da namorada.

Cai a aurora e vai a lua
no meu sonho rotineiro
de ficar minh’alma nua
no calor do travesseiro.

Cai a chuva e cai a vida
onde cai tanta saudade.
E minh’alma anoitecida
é uma eterna claridade!

Afonso Estebanez

O CORAÇÃO DO POETA


O CORAÇÃO DO POETA

Não te preocupes
com o meu poeta.
Ele está a caminho
de um pouco mais além
da perplexidade
da manhã...

Não te avexes
da alma do poeta.
Ela está como a alvorada
gentilmente despertada
no coração vip
dos pássaros...

Nem desesperes
o coração do poeta
no meio da estrada.
Ele está só encostado
na metade do destino
que vai dar em ti...

Afonso Estebanez
(Out.30.2008)

CANTIGA PARA LUÍSA M. A.


CANTIGA PARA LUÍSA M. A.


Tu podes trazer saudades
das estrelas de onde vens
das rosas que só tu sabes
do universo de teus bens.

São rosas de nosso amor
desse amor que já o tens
e o perfume de uma flor
do berçário de teus bens.

Uma estrela mensageira
via-luz de onde provéns.
Uma aurora medianeira
como fonte de teus bens.

Fonte mística do ventre
cálido orvalho da brisa
e uma rosa para sempre
no amanhecer de Luísa.

Tu podes trazer saudade
da morada de onde vens
também toda a claridade
da alvorada de teus bens.

Afonso Estebanez

UM SONETO PARA AUGUSTO DOS ANJOS


UM SONETO
PARA AUGUSTO DOS ANJOS

Ser ou não ser é a questão da vida
que a espécie fratricida desvendou
gerando a flor do bem numa ferida
que a gênese do mal jamais curou.

Quanta pena de mim chora fingida
como se fosse pranto o que penou.
Mas é somente a dor compadecida
penando pela dor que não causou.

A luz que me acendia agora apaga
a mão que me feria inda me afaga
amor de bem-querer não é paixão.

Meu ser ainda é o lobo de meu ser
pela pátria não posso mais morrer
o amor, enterrem no meu coração.

A. Estebanez

poema em pedaços


poema em pedaços

todo dia é um dia santo
todo dia vem o pássaro
todo dia é meu encanto
todo dia é meu cansaço

todo início é de começo
todo início é de destino
todo início tem o termo
todo início tem espinho

todo resto é de epitáfio
todo resto foi de quem
todo resto é de pedaço
todo resto de ninguém

toda noite é coisa e tal
toda noite é vai e vem
toda noite com aurora
toda noite me faz bem

todo verso eu escrevia
tanto verso na calçada
a todos passei a limpo
na memória rasurada.

(mas esse ponto final
eu não havia previsto
como um vício natural
de todo verso maldito)

A. Estebanez
(Homenagem a Paulo Leminski)

BENDITA TODA (A) DOR


BENDITA TODA (A) DOR

Bendita a sensação
de estar ferido pela amargura letal
de uma paixão mal resolvida.
Porque o amor será fênix
renascida...

Maldita a sensação
de ser feliz pela doçura eventual
de uma paixão bem resolvida...
Porque o amor será causa
da ferida...

Bem-aventurada toda (a) insanidade
e toda (a) ferida que se cura pela dor
porque dela será toda (a) eternidade
que se gloria da reparação do amor...

A. Estebanez

sexta-feira, 28 de novembro de 2008

BARCAROLA


BARCAROLA

Era um reflexo de prata
de dançarina a bailar
na superfície das águas
das águas frias do mar...

Era uma nau desenhada
pelas mãos da preamar
na superfície das águas
das águas frias do mar...

Quanto mais a treva fria
encobria a luz do mar,
era luz feita das águas
impossível de apagar...

E nem a nave de guerra
que foi deixado passar
apagou a luz das águas
refletida sobre o mar...

Era luz, não se apagava
com as ressacas do mar,
já que era luz refletida
não deixava de brilhar...

Eram milhares de flores
de luz nas ondas do mar
no jardim frio das águas
embriagadas de dançar...

Era a luz de minha vida
que a noite quis apagar...
Deixei meu sonho então
espalhado sobre o mar...

A. Estebanez

AVE DE EMIGRAÇÃO


AVE DE EMIGRAÇÃO

Minha vida é o impulso da certeza
de um pássaro que emigra do deserto
e traça o vôo noturno de uma estrela
pelos mares de luzes do universo...

Pensarão que minha alma é suscetível
de um breve pouso n’algum porto adverso
onde ancoram os restos impossíveis
da loucura intangível que professo...

Mas os meus rios rolarão sem trégua
até que a paz consuma os seus vestígios
e os ventos se apascentem sobre as águas
e o mar se acalme sobre meus sentidos...

Nenhum rumor se elevará da noite
nem mesmo um sopro escapará da brisa
por onde o corpo durma e a alma escute
uma canção que nunca foi ouvida...

Serei a luz da sombra fugidia
alma emigrada de minh’alma afim...
E todos pensarão que é agonia
a exaltação do amor dentro de mim!

A. Estebanez

ARRAIAL DO CABO


ARRAIAL DO CABO

O tempo que é minha hora não é hora de ninguém.
Passo e fico como traços de meus passos a caminho
de Belém...

O vento cavalga nuvens desancoradas do mar
e o mirante contando barcos junto ao cabo do arraial
à beira-mar... O vento vergando o dorso das casuarinas
entre casas e colinas navegando no luar...

E na brisa o que se vai na brisa vem no cantar
do mar-e-vento que é seu fado regressar.
De Belém ressoam sinos na concha da madrugada...
O arraial me diz do amor sem que precise dizer nada,
que trago n’alma profunda a calma desesperada...
Deixem-me aqui sepultado num coral de águas profundas
sob a areia movediça entre as algas derramadas...
E meus sonhos entre as dunas onde jaza bem mais funda
a minh’alma apaixonada...

De tanto amor já viveram que de estrelas se fizeram tantas
horas de esperanças...Ai, quem me dera pudesse morrer
de mar aberto de amor nesse arraial de lembranças...

A. Estebanez

AMOR IMPREVISÍVEL


AMOR IMPREVISÍVEL

além de mim muito mais além de mim
muito além do que muito além de mim

onde jaz sem memória o meu anônimo
amor além do acaso onde é impossível
perecer o imperecível amor de outono

no alvorecer noturno de uma flor tardia
meu desejo insensato ainda aguardaria

que da sombra o crepúsculo emergisse
e nos cobrisse a alvorada de esperança
de reviver o amor do inevitável eclipse

A. Estebanez

AMIZADE: FLOR DE ESPERANÇA


AMIZADE:
FLOR DE ESPERANÇA

Sou louco que acredita em esperança.
Sou as sístoles e diástoles das ilusões.
Reflito luzes das auroras impossíveis
reabrindo janelas azuis nos corações...

Tu me entranhas de bênçãos e divino
bafejo de ternura suave e comovente...
Exorcizas meus sonhos de fantasmas
como anjo que me fala complacente.

E és como um luminar sem sombras
abrindo portas trancadas pelo tempo.
Ave o amor que tira dos escombros
meu pássaro cantor sem banimento...

Cúmplice do bem que trago n’alma
e testemunha transitiva da memória!
Podes vir! Tua mão é minha palma
nos escritos de minha vaga história...

A. Estebanez

AMAR DO VERBO AMOR


AMAR DO VERBO AMOR

O amor não se conjuga no passado.
Contudo, se o amor de Deus passar...
Amor é instinto humano sublimado
e instintos não se podem conjugar...

Não amo amor que deva ser amado
segundo me convenha o verbo amar...
O amor é graça e nasce conjugado
como o fascínio que me traz o mar...

O amor é dom e nunca se ressente
do menos-que-perfeito do presente
nem do perfume se ressente a flor.

Juro por todo o amor que me doeu
que tanto que me dói ainda é meu
o presente de amar do verbo amor...

A. Estebanez

ALMA DE PÁSSARO


ALMA DE PÁSSARO

Eu não sou maior
e nem sou menor
sou apenas como
adjunto do modo
eu somente podo
o resto é o pomo.

Nada é diferente
todo dia sempre
faz o outro igual
e nem é demora
o vagar da hora
refratária ao sol.

Há a água turva
há além a curva
onde o dia vaza
há a água funda
a luz é profunda
a alma é a casa.

Às vezes me falo
às vezes eu calo
para me escutar
e sei pelo vento
e pelo momento
de como cantar.

O eu vem à tona
o amor é carona
e vaga a viagem
a flor é a espécie
na rosa acontece
o resto é aragem...

A. Estebanez

A VIDA NA CONTRAMÃO


A VIDA NA CONTRAMÃO

Não me embebedo com nada
porém me embriago de tudo
quanto mais me dão porrada
quanto mais me tenho mudo

Minha alma anda para frente
mas meu eu sempre pra trás
o que eu sonho é indiferente
quando peço o amor me traz

Minha vida anda embriagada
entre a aurora e a escuridão
bate em portas sem entrada
e quando entra é contramão

E esse mundo é tão deserto
que a noite me dorme acesa
com temor de não dar certo
meu despertar sem tristeza

E assim meus dias se calam
como as noites sobre o mar
como as rosas que só falam
quando o amor quer escutar.

A. Estebanez

quinta-feira, 27 de novembro de 2008

AMOR SAPIENS (Cena I)


AMOR SAPIENS
(Cena I)

Sinto por ti
o instinto selvagem dos rios
que percorrem a orla dos campos
e se perdem nas densas florestas
como reflexos do sexo no corpo.

Por mais que tu insistas
em desvendar o curso de minhas águas
jamais saberás onde cantam as nascentes
nem onde arrulham os seixos das fontes
nem onde as vertentes
conversam com o vento...

Nunca saberás do meu concerto de flautas
nos bambuzais nem dos bailes nas ramagens
onde os pássaros inventam
a linguagem do amor...

Nem de onde vem nem para onde vai
a brisa que te afaga sem que te percebas
cativa de uma paixão pressentida...
Mas te resta a memória perdida
entre as cinzas de uma flor...

A. Estebanez

AMOR SAPIENS (Cena II)


AMOR SAPIENS
(Cena II)

Por mais que tentes abrir as janelas
de minha vida, não verás senão fragmentos
de antigas auroras no crepúsculo de mim...
Ou de estrelas cadentes que se removeram
da via-láctea de meu destino desdobrado
em direção a horizonte nenhum...

Tudo o que sabes de mim
é o que pensas que sabes de mim.
Se me tiras o que te não dou, tiras somente
aquilo com que ficas. E o que tiras não é o amor
que permanece como o eco sufocado
na garganta da montanha...

Não podes tirar-me esse amor andarilho
que vaga noite e dia no meu vasto coração.
Não podes tomá-lo de meu peito!
Eu sou parte da comunhão dos pássaros
que tu apenas sabes de algum tempo
e nada mais...

Eu sou o reencontro
e sou o desencontro
e sou aonde vais...

A. Estebanez

AMOR SAPIENS (Cena III)


AMOR SAPIENS
(Cena III)

Vejo as flores se abrindo para o sol
e as sombras que as acolhem, nada mais.
E falo com as reses à beira do caminho
e converso com as árvores e o vento
que me respondem quando passo
e os cumprimento...

É por ti, mas não de ti
esse pressentimento de estar em mim
um pastor de sonhos que se realizam
na canção de um regato entre folhagens
na pequenina flor cativa de um abismo
ou no múltiplo instante da germinação
das orquídeas que ornam meu jardim...

O que levas de mim não está naquilo
que tuas mãos alcançam!
E o que tuas mãos alcançam não está
na ânsia de alcançar...O que não levas
de mim é o que está consubstanciado
no incógnito perfume de uma sombra
ou no código não decifrado na memória
da arrebentação da brisa nos canaviais
ou dos sonhos que de manhã
já não te lembras mais...

A. Estebanez

AMOR SAPIENS (Cena IV)


AMOR SAPIENS
(Cena IV)

Não é verdade o que te dizem
as palavras que eu te não disse.
O travesseiro que à noite dividimos
não guarda vestígios de meus sonhos emigrados.
Por trás de cada porta devassada de meu sono
há sempre outra ainda não ultrapassada
como horizontes sucessivos das manhãs
que o sol deixa intocadas...

E tu me amas como tens amado
a todos os teus amores através de mim...
Então eu sou o cordeiro de tuas culpas,
remidas na ternura onde germinam as sementes
que meus impulsos desesperados derramam
nas veredas secretas de tuas pastagens
de amor comprometido...

Tu me acolhes em tuas entranhas
e eu me vejo renascer num pomar de romãs
onde o canteiro de teu sangue ameniza
com flores de antecipada primavera
o outono de meu sonho não cumprido...

A. Estebanez

AMOR SAPIENS (Cena V)


AMOR SAPIENS
(Cena V)

... E no entanto, sei tudo de ti
como sei de teus segredos obscuros
revelados através da escura sombra
de teus amotinados pesadelos...
Com quem andas, com quem te perdes
com quem te encontras
para te desencontrar...

Sei tudo de ti...
Como a luz do sol o sabe de sua flor
oculta em cada canto do jardim...

O meu amor contudo
é como o gamo assustado
que sempre procura o abrigo
nos bosques de teu ventre...
Ô, alcova que me aquece!

Vencido o imenso vale da noite,
emigrará nos claros raios da aurora
deixando a relva quente e macia
como lembrança de um sonho
que o tempo adormece...

A. Estebanez

terça-feira, 25 de novembro de 2008

CANÇÃO DE KÉDMA


CANÇÃO DE KÉDMA

A Kédma chegou-me aqui
do lado esquerdo do peito
e deixou-me uma canção...
Foi tão suave o que ouvi:
o canto do amor-perfeito
entre o peito e o coração...

Nem precisei entendê-la!
Era a voz do cancioneiro
que há nas harpas do luar...
Foi o dom de conhecê-la
e a canção do jardineiro
que escuta a rosa cantar...

E ela é tão doce e louçã
como a fada concebida
no perfume do jasmim...
Kédma acorda de manhã
como quem entra na vida
pela porta de um jardim...

Docemente me convida
pra viver dentro de mim...

A. Estebanez

ANJO MEU


ANJO MEU

Nem alegre nem tristonho
nem chegada nem partida
anjo meu leva meu sonho
mas me deixa minha vida.

Anjo chora quando canta
anjo canta quando chora
anjo meu me desencanta
se me fica ou vai embora.

Algumas vezes me acena
como se estivesse vindo...
Mas é um anjo com pena
da pena de estar partindo.

Quase nunca compreendo
anjo quase compreendido
Mas às vezes não entendo
porque anjo anda perdido...

A. Estebanez

A MENSAGEM


A MENSAGEM

Desliza um pingo de chuva
na folha do pessegueiro...
Na maré do olhar vazante
o horizonte mensageiro...
Descendo a encosta do monte
o cavalo e o cavaleiro.

Um arcanjo a toda a brida
ou um raio perdigueiro...
Rumor de brisa nas águas
o cavalo e o cavaleiro...
O vento em plena algazarra
liberto do cativeiro.

Escorrem pela planície
o cavalo e o cavaleiro
transpondo portal adentro
soergue o punhal guerreiro...
Serpentes relampejando
nos olhos do cavaleiro...

Desliza um pingo de sangue
na folha do pessegueiro...
Na maré do olhar vazante
o horizonte traiçoeiro...
E a noite devora o monte
o cavalo e o cavaleiro...

A. Estebanez

domingo, 23 de novembro de 2008

PERCURSO DE AMOR

PERCURSO DE AMOR

Meus olhos
são praias rasas
de um profundo
mar de amor
que derrama
suas mágoas
no rumor vasto
das águas
na areia e morre
sem dor...

Dos teus navios
de sonhos
sou mais
que o navegador.
Meus olhos
são escotilhas
entreabertas
para as ilhas
do teu percurso
de amor...


Afonso Estebanez

sábado, 22 de novembro de 2008

MARIANA


MARIANA

Do quarto de Mariana
(Mariana a empregada)
não levarei esta santa
na parede pendurada...

Nem aquela falecida
rancorosa do pecado
nem aquela pecadora
de desejo hipotecado...

Levarei o retrato 3x4 de Mariana,
a que foi mártir muito mais
do que todas essas santas
funcionárias da religião...

A que entregou a própria carne
ao martírio de todos os pecados
e sofreu a calúnia pelos que não cometeu...
Malgrado o tudo
o porém contudo
o nada sobretudo
do insensível eu...

Mariana também fez um milagre:
um homem amava Mariana...
(O nome dele era o meu!).

Afonso Estebanez

ENCONTRO MARCADO


ENCONTRO MARCADO

Teu futuro é o meu agora
do teu tempo despertado
o chegar antes da aurora
de teu encontro marcado

o que chega vai embora
em pedaços de passado
o presente não tem hora
só meu agora esperado

meu amor estava longe
e nem Deus sabia onde
teu amor o encontraria

foi preciso então morrer
e esperar meu renascer
para ver se eu te veria...

Afonso Estebanez

AMIZADE – FLOR DE ESPERANÇA


AMIZADE – FLOR DE ESPERANÇA

Sou louco que acredita em esperança.
Sou as sístoles e diástoles das ilusões.
Reflito luzes das auroras impossíveis
reabrindo janelas azuis nos corações...

Tu me entranhas de bênçãos e divino
bafejo de ternura suave e comovente...
Exorcizas meus sonhos de fantasmas
como anjo que me fala complacente.

E és como um luminar sem sombras
abrindo portas trancadas pelo tempo.
Ave o amor que tira dos escombros
meu pássaro cantor sem banimento...

Cúmplice do bem que trago n’alma
e testemunha transitiva da memória!
Podes vir! Tua mão é minha palma
nos escritos de minha vaga história...

Afonso Estebanez

ESSE AMOR QUE MORA EM MIM...


ESSE AMOR QUE MORA EM MIM...

Eu sei do amor como do mar as quilhas
dos barcos como o leme dos barqueiros
ancorados no sonho das remotas ilhas
do destino onde ancoram marinheiros...

Deus não desliga o amor de seu destino
se o destino do amor é o de ficar ligado.
Vem a esperança e traz no amor o hino
de louvor pelo amor de mim anunciado...

É místico labor fazer do amor o outono
em sortilégio de esperança e ser assim
como esse mágico viver além do sonho
da verdade do amor que mora em mim...

Afonso Estebanez

CENTELHA


CENTELHA

Nunca espero desta vida
o que a vida não me deu
minh'alma compadecida
é do amor que renasceu.

Corações a toda a brida
o meu nas beiras do teu
mas tu amavas dividida
sem saber qual era meu.

Montanhas a fé remove
e o amor é que comove
a centelha dessa chama

que me dói e não apaga
e me diz que não acaba
que o amor inda te ama.

Afonso Estebanez

LIVRO DE VIAGEM OU DO DEPOIMENTO


LIVRO DE VIAGEM OU DO DEPOIMENTO

PRIMEIRO
que tudo aceito a tirania da saudade
que levo como prova de amor envergonhado:
minha gente submetida da América deBaixo
é a puta rendida da América deCima.
As gaivotas negras da paz estão pousadas
nas sombras das pedras machucadas pelo tempo
– a decidir caminhos que vão não sei pra onde
gritando liberdade de não sei o quê.

O que humilha mesmo é essa guerra de muletas
onde a vergonha da derrota nos obriga
a colher restos de louro jogados pelo chão.
Acostumamo-nos a estender as nossas mãos estradas
e os nossos braços trilhos às locomotivas
que colidem todo o dia com o nosso coração.

E vamos passando em nós uma cidadezinha antiga
onde o Rei um dia prometeu passar...
– E não passou!

Não sei onde arranjei essa coragem de dizer
que nossas guerras são de auroras
renascentes na paz do sangue verde matutino
da criança que ainda acordará dentro de nós...

SEGUNDO
a prova do tempo
o irmão cosmoascencionário
não tem ódio nem amor...
Apenas curte a cobiça
do enteu bdélio e formal
– o degas imperador.

Morra a flor, mas guerra é guerra.
Nos bate-bocas da paz
make tecnic of love!
Desde que inventou a fome,
das primas virgens não há
uma só que ele não prove.

Fora, faz praças de sangue
para mostrar na cozinha
aos irmãos que é o mais forte...
No momento da partilha,
se quiser levar a vida
que leve também a morte.

Fraternidade promíscua!
Faz pensar que o beijo seja
a arma com que se apossa...
No entrevero da conquista,
desfralde a sua bandeira...
Mas nunca defraude a nossa!

TERCEIRO
mundo ou planeta
ou cortina de montanhas
onde as mãos que não semeiam
tiram flores das entranhas...
Onde o canto se constringe
com mil facas na garganta
que pra viver em que ouve
precisa matar quem canta.

Ninguém sabe a leite ou mel
estrangeiras ilusões
sob a terra prometida
as sementes dos canhões.
Torne ao chão o que é do chão
cada um tem seu processo
e ninguém condene a falta
quando peca por excesso...

Terras, máquinas, nem sempre
põem coroas em quem vence...
Pelo homem haja quem faça,
não haja nunca quem pense.
A semântica da língua
é reserva do senhor...
– Amados, não sejais mudos,
envenenai-vos de amor!

QUARTO
de família. Odor de gasolina na floresta.
Mulheres cheirando a flor de arroz
chapéus-de-palha na cabeça.

Ah, crianças morrem
porque não sabem que há flores
que são napalms.

Os homens voltam dos pântanos
os alvos dentes camuflados
pelo silêncio premonitório da família.

Quando estiverem todos dormindo
o profundo sono da tragédia
os passarinhos inventarão a guerra...

QUINTO
milênio de paz e mistério
nos alvos vultos de voláteis vestes
onde vem leve o vento flautear.

Na pachemina em sândalo na seda
que vão cantando músicas de vidro
purificando os dedos no tear.

Um rebanho se move lentamente
como um rio tangido pelo canto.
Nos braços da mãe um anjo levita...

Ouvem-se passos de velhos amigos
e tece em silêncio toda a família
o pão de amor com que se comunica.

Sáris brilhantes teares incenso...
Aurora policrômica de um deus
que nos fala como antigo parente.

É o segredo da paz que não sentimos
quando nós sem amor lhe desvendamos
o mistério da fome que não sente.

SEXTO
continente sem amor amado
comprado a peso de ouro
no mercado inflacionário dos brancos.

Os guetos são o sexto sentido
da liberdade currada.

Os mercadores da guerra acreditam
que o amor odiado morre com a morte.

Mas o preço do ódio vendido
é ser vermelho o sangue dos negros...
– Livre, há de querer provar o quanto é forte!


CIRANDA cirandinha
vamos todos cirandar
nossa paz saiu de casa
mas um dia vai ficar...
ou foi dar uma voltinha
para nunca mais voltar...

A. Estebanez
(Prêmio “Troféu Casimiro de Abreu” do III Torneio Nacional da Poesia Falada de 1970 – Governo do Estado do Rio de Janeiro – Secretaria de Educação e Cultura – Departamento de Difusão Cultural. O poema foi cassado sob censura do Departamento de Ordem Política e Social (Polícia Federal) para apresentação pública pela Tv Globo durante a repressão do regime militar instalado no país em 1964, sob os veementes protestos de Cassiano Ricardo, então presidente da Comissão Julgadora do concurso, que nem assim conseguiu passar pela mordaça da censura federal)

quinta-feira, 20 de novembro de 2008

VOZES E ESTRELAS


VOZES E ESTRELAS

Ah, como poeta
eu tenho, Senhora,
perdidos meus olhos
na viagem noturna
de tantas estrelas...
Mas diga, Senhora,
que estrelas são essas
na luz dos teus olhos?
Seriam perguntas?
Irei respondê-las?
Que estrelas são essas,
são essas estrelas
de vagas promessas?
Responda, Senhora,
que estrelas são essas?

Tenho na alma milhões de madrugadas
levo músicas dessas nunca ouvidas e outonais...
Mas só não sei que vozes serão essas
que em tua boca são gotas musicais...

Responda, Senhora,
que vozes são essas
tão meigas na boca?
Reflexos celestes
de ânsias atrozes?
Que vozes são essas,
serão essas vozes
de vagas promessas?
Senhora, responda,
que vozes são essas?

A. Estebanez

SONHO ANDARILHO


SONHO ANDARILHO

O sonho é o andarilho da memória
e minha alma é apenas sua estrada
onde o amor recomeça a trajetória
por atalhos de acesso sem entrada.

Nem sempre há personagem numa história.
Nem sempre uma lembrança é relembrada.
Mas quase nunca o pesadelo é uma aurora
para alguns sonhos dissipados na alvorada.

Ai de mim, tua rota de lembrança...
Ai de ti, meu roteiro de esperança
remida pelo olhar dos passarinhos...

Contorno os rios tortos e consulto o mapa
para chegar, inda que morto, àquela etapa
onde morrer seja melhor em teus carinhos...

A. Estebanez

SUAVE É A ESPERA...


SUAVE É A ESPERA...

Deixa tua alma numa rosa
e um sonho no amanhecer
para ver minha esperança
que hoje espera te rever...

Tu não precisas do tempo
quando o amor acontecer.
O amor te chega na brisa
quando o sonho alvorecer.

Deixa o coração na porta
e um arco-íris no jardim...
A esperança se comporta
como flor dentro de mim.

Que suave é toda espera
para quem quer renascer
num sonho de primavera
que renasce sem morrer...

A. Estebanez

“SPLEENBORED”


“SPLEENBORED”

Chorar por todo o bem que se perdeu
choro por mim que se perdeu de mim
por quem eu fui que nunca aconteceu
o mesmo que sou eu chorando assim.

Chorar por quem até já me esqueceu
chorar por nada, ah! nem é tão ruim!
Chorar só por chorar também sou eu
desde o início dos meios de meu fim.

Então me deixem bêbado de espanto
desse mar na ressaca de meu pranto
que essa paixão é amor em desatino.

Ô, me deixem chorar por minha rosa
e pensar que o orvalho é a lacrimosa
semente de esplendor de seu destino...

A. Estebanez

SONETO DE SAUDADE


SONETO DE SAUDADE

Em minh’alma chove tanto
que não há como esconder
entre os olhos tanto pranto
que meu pranto faz chover...

Por encanto ou desencanto
em minh’alma é anoitecer
com saudade do teu canto
no encanto do amanhecer...

Num jardim sem claridade
mora em mim tua saudade
com o meu modo de viver...

E a saudade não consegue
esquecer que me persegue
para eu nunca te esquecer...

A. Estebanez

ALEGRETO


ALEGRETO

não é festa
ou romaria
ou sombra
virando luz
na fogueira
do clarão...

é a noite
chegando
cedo para
o baile de
verão...

A. Estebanez

O ASTRONAUTA


O ASTRONAUTA

10...9...8...7...6...5...4...3...2...1...0...
Sobre o veludo negro do infinito
em argilácea pedra de brilhante
a Terra dos Homens era azul...
Eu quis comunicar-me com o mundo
por que a grande resposta estava nele
(meu corpo poluía o firmamento
e quebrava a harmonia do Cosmo)
por que não tinha sentido conquistar
além-de-nós a flor que prova a vida.

Mas os Homens só escutam o que querem
e a vasta câmara cósmica do vácuo
repelia meu corpo estranho e sestro
de impuras ambições desintegradas.
E o estado-puro do espaço-nada
coibia-me o plano da conquista,
sendo o infinito é a total ausência
da noção que nos faz deuses,
sendo escravos.

Eu não devia nunca ter partido
com grave densidade de memória
sobre guerras miséria e desamor.
Eu devia fingir não-ser humano
para enganar a Deus que o amor habita,
mesmo na argila que se via ao longe
no conjunto harmônico do Universo:
origem da vida azul envolta
em nebulosa branca de paz
(ou num crepúsculo de sangue).

Queria dar a grande resposta,
mas sempre há torres mudando a trajetória.
A guerra é campo de gravidade
do planeta Morte
onde se cumpre em noites e sombras
o claro sol das manhãs
e ventres geram centauros
e mercenários defecam ouro
no nome monstro de Deus.

Mas era impossível.
(No espaço a Terra girava
a fome numa redoma
e o coração se esquecia
de que era festa em meus olhos).
O contato estava interrompido.

E enfim cheguei à vida e ao pericíntio.
Pisei cascalhos penetrei cavernas
transpus em vão agudas cordilheiras
e tudo eram silêncio amargo e nada
como um sapato vazio na janela do Natal.
Enclausurada nessa ausência cósmica
das indevidas invasões armadas
fui cidadela super-habitada
por invisíveis monstros abissais...

Estava aí que a Liberdade
é poder escutar uma canção...

E o mundo mudo-de-amor já falava
em “flor espacial” que tudo prova (!).
Por isso caminhei sobre as feridas
de um campo estéril de só flores mortas.
Vi purulentas chagas de crateras
segregando poeira e me prostrei
sobre as cinzas dos “Ai de vós Jerusaléns!”

Mas eu queria a flor que alucinava
esses sarcófagos humanos,
a rosa filha do fogo e da água
a prova científica do amor
resposta para a fome dos irmãos.

Não era flor o que eu queria
– era o Universo.
E essa rosa só existia
na argila azul do infinito.

Reverti os motores e a vida
no corredor de entrada dos dias
e assim que amerissei no azul regaço
da prostituta que chamam de Esperança,
a humanidade toda estava dentro dela
e seu olhar morria como a luz desiste
de brilhar no céu da guerra contra a flor
que além da Terra não existe.

Em suma, eu vos devolvo o mapa simples
do amor que se debruça em sua espera.
Dou-vos ferida a carne para o corte
e a fronte ao golpe da sabedoria.
Necessária a inocência dos cordeiros
pelos caminhos da resposta exata.
Somente com os pés sobre o seu chão
e quando a argila não cheirar à guerra
e a flor voltar a ser apenas flor
é que seremos DEUSES sobre a Terra.

Afonso Estebanez
(Prêmio “Troféu Casimiro de Abreu” do II Torneio Nacional da Poesia Falada –1969 – Governo do Estado do Rio de Janeiro – Secretaria de Educação e Cultura – Departamento de Difusão Cultural)

A ALMA SONHA SOZINHA


A ALMA SONHA SOZINHA

Anda a minh’alma sonhando
tão sozinha e acompanhada,
que às vezes vivo pensando
que a alma sonha acordada.

Mas sonhar é um fio d’água
que sozinho entrega ao mar
muitos afluentes de mágoa
que se escoam sem passar.

Sejam simples como a flor
que sonha sonhos calados
dos que perecem do amor
dos sonhos não realizados.

Somos a curva da estrada
dos sonhos que vão além:
sonhar sozinha sem nada
é tudo o que a alma tem...

Afonso Estebanez

quarta-feira, 19 de novembro de 2008

CANTO DE ABRIÇÃO (Folclórico de Folia Reis)


CANTO DE ABRIÇÃO
(Folclórico de Folia Reis)

Tempo haverá em que
o canto ficará
completamente mudo.

A lágrima será como semente
da palavra salgada
que os olhos plantarão
entre os lábios...

Meu senhor dono da casa
escuta prest’atenção
vem abrir as vossas portas
pra esse nobre folião...

Devastarão casa por casa
cada palmo de chão será salgado
arrancarão todas as portas
e janelas dos sentidos
como o corpo num ritual
de sucessivos fluxos menstruais.

Sempre a história se repete
como a fábula inventada
por um rei que tem de tudo
e um povo que não tem nada...

Mas eu atirarei minha canção
no telhado da minha casa
e a chuva arrastará meus versos
pelas calhas esgotos e canais
e os desaguará em mar aberto
como barcos que despertam
na restinga da manhã...

As noites se perderão
para sempre de seus dias
mãos cheias virar-se-ão
sobre o chão das mãos vazias.

Transmitirei meu canto
boca a boca
como flor que germina
pelo olhar.

Espalharei meus barcos no vento
e minhas asas no mar...

No banquete solidário
da miséria consentida
só não morre quem não come
porque a fome é dividida...

Cada grito renascerá
no som do apito de fábrica
cada pranto reprimido
será chuva derramada.

Meu pai se chama João Caco
minha mãe Caca Maria
juntando Caco com Caca
sou filho da cacaria...

De verde as folhas lavadas
nos arbustos das colinas
aos pingos encharcarão
as ramagens de resina...


A sobra que cai de cima
não se bebe nem se come...
Como água não mata a sede
como pão não mata a fome...

Nossa voz terá o calor da luz
no interior de uma choupana
na floresta.
A chuva correrá por claros vales
como fios de lã levados pelo vento.
Os pássaros imigrarão de seus mistérios
e as flores da manhã se regozijarão
como sinos diáfanos de luz
que não se ouvem senão com o coração...

Não quero toda a farinha
somente um pouco do pão
com que vossa mãe Maria
esposou meu pai João...

Os pés dos pequeninos pisarão lá fora
não como as botas que hoje pisam
a relva da esperança
fecundada pelo orvalho...
Eles terão o seu caminho certo
como as reses os sulcos dos campos.

Quem sobreviver verá
em passos desencontrados
o diabo passar no rastro
sob as cinzas dos reisados...

Todos entoaremos
uma canção que não se ouvia mais.
Os olhos verão coisas inacreditáveis...

E os homens se tornarão
mais unidos por amor
como irmãos num só rebanho
pela voz de um só Pastor!

Nosso ódio não tem mais ira.
Andamos de pés trocados
festejando os desmomentos
dos remates acabados...

Meu senhor dono da casa
escuta prest’atenção...
Vem abrir vossa loucura
pro meu canto sem razão.

A. Estebanez

terça-feira, 18 de novembro de 2008

ZUMGROPOEM


ZUMGROPOEM

Aqueles dias foram dos abdias
foram os dies irae dos zumbis.
Eu vi... os gnomos elementais
e ouvi a fala suaili... Eu ouvi!
Eu revi os cabelos prateados
a lua branca sobre os altares
dos lombos negros açoitados
e vi a escuridão de Palmares.

Um quilombo de denúncias...
Os atanásios das montanhas
encachoeiradas de além dali
o desafio do dente-de-sabre
do Kilimandjaro! Ah, gente!
Eu vi! a face do tigre nobre
e um príncipe das tanzânias
a Amazônia da renascença
Nagôiorubrasileiro... Eu vi!...

Eu vi Deus saudar o Afoxé
sagrados badauês aiyêsd
Deus dizia “ – Meu Oxalá!”.
Deus dizia “ – Salve!, Axê!”
O bem maior é a liberdade
– essa é a única ideologia
faz o homem ser solidário
diferente Deus não faria!...

Afonso Estebanez

segunda-feira, 17 de novembro de 2008

LIBERDADE


LIBERDADE


Será liberdade
aquele vôo de águia
de uma simples
folha seca?

Que poder tenho eu
sobre o dom da liberdade
de uma simples
borboleta?

Liberdade é assim:
sai o perfume da flor
mas a flor não sai
de mim...


Afonso Estebanez

EMPRESTA-ME A TUA ALMA


EMPRESTA-ME A TUA ALMA

Já sei por onde escoam as águas da fonte
desse sorriso de cristal que me entorpece
de sonhos o rebanho de minhas emoções.

Ecoa-me a canção destas amenas águas
que te escorrem das pedras derramadas
na ânfora do corpo em cálice de outono.

E os teus sorrisos são libélulas de beijos
tangidas pelas flautas doces das ribeiras
do impulsivo destino de lavar o coração.

Então me empresta a alma de alvorada
para tirar de ti as pedras dos caminhos
e apascentar as águas do meu ribeirão.

Benditos sejam os clarins da primavera
benditos sejam os que viverão de rosas
porque de espinhos eles não perecerão.

Afonso Estebanez
(Poema dedicado à minha mais recente
amiga: Fátima Sizilio)

sábado, 15 de novembro de 2008

SONHO COSTUMEIRO


SONHO COSTUMEIRO

Eu sonho-te nas ramas das videiras
como frutos dos vinhos de venturas
em rebentos de graças costumeiras
que me lavam de brisas e ternuras.

E vejo como em sonhos de pastora
tanges de mim sentidos já remidos
e me levas em sombras protetoras
à ravina de amor dos teus abrigos.

E tenho-te nas heras dos penedos
meu pássaro cantor que a ti visita
nos jardins de secretos arvoredos
onde teu sonho de mulher habita.

E fico em ti como o destino antigo
tocado para mais além da história
onde soubeste que sonhar comigo
seria o amor deixado na memória.


Afonso Estebanez

CORPO DE DELITO (Inventário & Conclusão)


CORPO DE DELITO
(Inventário & Conclusão)

Tudo o que me cumpre registrar agora
é o cadáver de uma doméstica despida
concluindo o relato de corpo de delito
de uma mulher aparentemente suicida...

Uma vela acesa no fundo de um prato
raso e um punhado de rosas vermelhas
num vaso e um cigarro barato apagado
no cinzeiro junto a um copo de vinho
sobre a mesa. Uma foto de um menino
louro ausente e uma traça na bainha
de um vestido. Essa pobreza presente
e um bilhete escondido entre as flores...
Mais um caso de amor mal resolvido.
Suicídio? O veneno na pia do banheiro
uma cômoda, uma moringa, um pente
o espelho partido, um velho chaveiro.
Um colchão, um lenço, uma foto 3x4
e um beijo de batom no travesseiro...

E, assim, o instante esperado
do inesperado acontecimento
o mistério profundo no fundo
da lama
da chama
da cama...
E seu maior milagre do mundo:
a esperança da vida inteira
desesperada num segundo...

A. Estebanez

MARAMOR ABERTO...


MARAMOR ABERTO...

Muito perto de tua vida
em mar aberto perdida
a minha vida é sozinha

ai de minhas caravelas
eu pareço a vida delas
vivida dentro da minha

e essas velas arriadas
suas almas ancoradas
nessa agonia marinha

amor e cravo e canela
tua brisa e uma janela
reaberta para a minha

oh quando dia já morto
ancorado no teu corpo
vôo leve de andorinha

vou vivendo revivendo
e minha vida trazendo
a tua dentro da minha...

A. Estebanez

A FOTO NA PAREDE


A FOTO NA PAREDE

Meu retrato na parede
só traz uma novidade:
o fundo tinto de verde
ficou tinto de saudade.

O olhar pálido de sede
no poço da eternidade
é a luz filtrada na rede
da grade da liberdade.

Uma ruga me comove
de ter restado na vida
do nada que me ficou.

E só o sonho se move
na retina amanhecida
desta foto que restou.

A. Estebanez