quinta-feira, 4 de dezembro de 2008

POEMETO


POEMETO


Sobre o rio da vida
uma ponte de amor.
Mas do outro lado,
a felicidade zomba
da minha indecisão...


Afonso Estebanez

cirandinha


cirandinha

não desejes
não me abraces
não me beijes
não me enlaces

eu desejo
eu te abraço
eu te beijo
eu te enlaço

pois deseja
pois me abraça
pois me beija
pois me enlaça

não desejo
não te abraço
não te beijo
não te enlaço

então finjas
que desejas
e me xingas
depois beijas

eu não finjo
que desejo
mas te xingo
com um beijo

Afonso Estebanez

CANTIGA DE FICAR...


CANTIGA DE FICAR...

Quando chego você já nem liga
disfarça e me beija fingindo agradar.
Mesmo assim, sendo tudo mentira,
eu me deito em seu colo
e me deixo enganar...

Você deixa que eu faça e aconteça
que fale da vida e do amor por você...
Mas eu sei que você não me escuta
disfarça e me abraça fingindo entender.

Já é hora de nós decidirmos
e irmos embora e parar de sofrer.
Mas se volto pro meu coração
e bato na porta,
quem abre é você...


Afonso Estebanez

ONIRIANDANTE


ONIRIANDANTE

Meu sonho de jardineiro
caminha à noite sozinho
pois estrelas podem ser
galáxia de rosas brancas
espalhadas no caminho.

Vejo nuvens navegantes
colho em rendas do luar
ando em águas infinitas
como se o lúmen da lua
fosse o caminho do mar.

É assim que teu menino
morre de tanto sonhar!
Como poeta viandante:
vivendo de tanto sonho
nunca mais vai acordar...


Afonso Estebanez

CANTIGA EM FORMA DE SONETO PARA JACQUELINE


CANTIGA EM FORMA
DE SONETO PARA JACQUELINE

Há algo de você nas leves plumas
das aves que a visitam nas janelas
como algo que flutua nas espumas
do mar quando se deita sobre elas...

Algo de luz de ondinas luminosas
asas de malva e seda das libélulas...
Algo que sonha e fala como rosas
de algum pedaço da ternura delas..

Algo tão leve quanto inamovível
como aroma de brisa imperecível
que de tão breve ao imortal ajunta...

Profano como as almas das maçãs
entre os úmidos lábios das manhãs
iluminadas que não morrem nunca...

Afonso Estebanez

ORAÇÃO JUNTO AO BERÇO


ORAÇÃO JUNTO AO BERÇO

Meu filho!
O dia em que sentires que te existes
aí terás certeza de que te perdeste.
Os caminhos aqui já foram palmilhados.
O amor é a sombra fugitiva da esperança.
Nós somos teus parentes incomunicáveis
buscando a mesma paz que não se alcança.

A vida é que também não te pertences.
Chegaste um ajo a mais em órbita da aurora
no rumo de uma estrela à margem do infinito.
Um ser que se constrói de glórias fugidias
e se explica na mesma busca indefinida
da flor na rota do crepúsculo dos dias.

É isto que dei – fruto provado
já ferido de espada porque o dei sem ódio.
Andei pelos caminhos destas mãos abertas
expondo o coração à prova do teu pranto.
Depus na tua vinda o último momento
da vida que de mim morria nesse encontro.

Aí estão tuas colinas verdes
das esperanças que nutriste sem saber
e teus caminhos se anunciam sobre os mares
destas planícies que teu sangue já inundou.
Convive agora com teu sonho inexorável
porque chegaste, mas a vida não chegou...

E então, meu filho!
Atira os braços ao mistério
da retribuição do ser que se reparte
pelas águas dos campos e nuvens e ventos
isento como as aves dos desinteresses...
E estaremos tão juntos que nos confundimos
naquilo em que morri para que tu vivesses...


Afonso Estebanez
(Poema dedicado ao meu filho Alessandro de Castro Estebanez Stael.
Composto em 23 de julho de 1970 e publicado em “Livro de Viagem
ou do Depoimento” – Livraria São José – 1971).

QUEM QUER QUE SEJA...


QUEM QUER QUE SEJA...

Quem quer que seja vem vindo
mar adentro ao ventre afora...
Lua cheia num crepúsculo
navegando rumo à aurora...

Quem quer que seja vem vindo
como a flor recém-nascida
na parte reencontrada
de minha parte perdida.

Vem vindo do lado alegre
de meu lado descontente
vivendo do instante eterno
de viver eternamente...

Como canção pressentida
num leve roçar do vento
na superfície das águas
serenas do pensamento.

Qualquer semente cativa
na flor do ventre a pulsar...
Qualquer estrela cadente
nas águas fundas do mar...

Quem quer que seja vem vindo
dos meus instintos secretos
como um anjo reencontrado
no exílio de meus afetos...

Maior que o reino de mim
por quem sonhado me iludo
a mim pode vir sem nada
que em mim é dono de tudo...


Afonso Estebanez
(Dedicado ao meu filho Mark R. Estebanez Stael)

FILHO DO SER OU NÃO SER


FILHO DO SER OU NÃO SER

Não importa de qual profundo lago
emergiu-te o destino rumo à aurora...
Importante é que tenhas ao teu lado
um anjo que sorri enquanto chora.

Sou teu vale de esperas e ternura
que te virá do mar ou do deserto.
Se te vier amarga, é com doçura.
Se te vier de longe é de tão perto.

Não importa desatem as amarras
desse barco aportado no meu peito...
O amor pode singrar águas esparsas
sem afastar-se nunca de seu leito.

Não importa se praias adormecem
e sonhos se desfazem quando venta...
Importa é que os portos acontecem
pesar dos vãos açoites da tormenta.

Não importa as origens dos afetos
se a manhã e o crepúsculo se beijam
como as noites e os dias são trajetos
dos extremos da luz que se desejam.

Não importa a questão ser e não ser
quando o amor não precisa de razão...
Tu és meu filho! E basta-me saber
que meu cio há também no coração!

Afonso Estebanez
(Poema dedicado a Maykel Rodrigues
– meu filho de alma e criação)

FIINDA DE AMOR À PAAY CHARINHO


FIINDA DE AMOR À PAAY CHARINHO

Eu, senhor, d’amor coitado
por voss’alma fremosia
foi de tan enamorado
qu’eu chorand’assi dizia:

Suidade, suidade minha,
quando, quando vos veria?

Procurei-te pelos montes
pelas grutas santuários...
(dedos aflitos nas contas
profanas de meus rosários)
Ai, Deus! as águas das fontes
como as ninfas flutuantes
choravam nos estuários...

Quem viss’assi com’eu vi
com tal coita e tan velia,
ness’amor que padeci
de mi (n) tormenta diria:

Alma gêmea de mi (n)’alma,
quando, quando vos teria?

Mays estaveis na cidade
que dos campos não se via
no asfalto da puberdade
dos anjos da mais-valia...
Ai, Amanda de Saudade,
minha vasta claridade
aos poucos se apagaria...

Fremosura d’alvorada
mui louçana senhor mia
e tan muit’enamorada
que, partind’assi dizia:

Barqueiro do meu destino,
quando, quando vos veria?

Não enquanto morra tanta
a esperança conselheira
dos enforcados na ponta
do pau-brasil da bandeira...
Ai, cruzado em terra santa
o Amadis não se alevanta
de chorar a companheira!

Senhor mia, fin rosetta,
non me metta em romaria,
tanto amor em Leonoreta
de suidad’eu morreria...

Que baixinho perguntava:
quando, quando vos veria?

O remate da cantiga
foi à fonte e logo vem,
que cantiga sem remate
já nenhuma graça tem...

Dess’amor de mim senhor,
tendes voss’essa meestria...
Mas a vós, senhor, d’amor!
quando, quand’eu vos teria?


Afonso Estebanez