segunda-feira, 3 de março de 2014

NOTURNO

NOTURNO

Prostituta, dá teu corpo
como a árvore sem fruto
dá a derradeira sombra
sobre o leito da calçada...

Teus cios, águas paradas...
Tantas lágrimas vertidas
tantas noites indormidas
tantas mágoas acordadas.

Inverno, colhe-te o frio
das rosas despetaladas...
Ô, as horas de esperança
já no tempo sepultadas...

Corações, soam-te a alma
que é a tua igreja fechada
onde os sinos em silêncio
sem amor tocam por nada...

Afonso Estebanez

NOTURNO DE MIM

NOTURNO DE MIM

Também quero a prostituta
encantada em trajes pretos
despertando meus sentidos
com a dor de seus gemidos
nos ouvidos de meus becos.

Quero a festa da penumbra
do estupro da adolescência
quero devolver-lhe a calma
com que me roubou a alma
sem levar toda a inocência.

Vou ser dela o bem-amado
pelas sem-razões do amor
com as culpas confessadas
pelo amor das mal-amadas
com os requintes do pudor.

Uma dama enquanto é dia
quando noite é depravada.
Porém tanto ela me adora
que noite pra ela é aurora
e amar é como a alvorada...

Afonso Estebanez
(Uma homenagem especial ao
Carlos Drummond de Andrade)

AMOR DE PRIMAVERA

AMOR DE PRIMAVERA

O amor como a primavera
é um estado de vida urgente
que não deve ser esperado
como chuva de verão...
Não, amor, não deve não!

É necessário levantar bem cedo
(enquanto a aurora dorme ainda)
e partir à procura do amor
nas lonjuras do coração...
Antes que chegue o verão!

Bom levar a vida bêbada
num traçado de brisa ao ponto
que ao sonho a alma se junta...
Antes que seja tão tarde
e ao amor pareça nunca!

Afonso Estebanez

DEPOIS DA FESTA

DEPOIS DA FESTA

É preciso, pelo menos uma vez na vida,
ser o último a deixar a festa...
Dispensar os convidados antes de chegar a aurora.
Exorcizar os aposentos com galhinhos de arruda.
Desligar o som, fechar janelas e cortinas,
desenlaçar os reposteiros,
varrer da memória a algazarra das crianças
na calçada...
Dissipar o perfume das adolescentes.
Dispensar as frivolidades dos últimos abraços.
Recolocar no jarro aquela rosa
que esqueceram sobre a mesa.
E, finalmente, quando a noite
trouxer de volta o silêncio numeroso,
apagar definitivamente a luz...
Depois dormir...
Sonhar...
Despertar...
Viver... Viver...
Depois dormir...
E morrer... Como quem morre
definitivamente...
Para não incomodar
ninguém...

Afonso Estebanez