quarta-feira, 30 de novembro de 2016

SONHO COSTUMEIRO

Eu sonho-te nas ramas das videiras
como frutos dos vinhos de venturas
em rebentos de graças costumeiras
que me lavam de brisas e ternuras.

E vejo como em sonhos de pastora
tanges de mim sentidos já remidos
e me levas em sombras protetoras
à ravina de amor dos teus abrigos.

E tenho-te nas heras dos penedos
meu pássaro cantor que a ti visita
nos jardins de secretos arvoredos
onde teu sonho de mulher habita.

E fico em ti como o destino antigo
tocado para mais além da história 
onde soubeste que sonhar comigo
seria o amor deixado na memória.

Afonso Estebanez 
(Poema dedicado à doce amiga
Renata de Oliveira Marques)  
‘ROSAS DO ORIENTE’, POR QUÊ?


Segundo historiadores, estudiosos, eruditos e pesquisadores, o nome ‘rosa’ vem do latim “rosa” e do grego “rhodon”. As rosas estão entre as flores mais antigas do mundo conhecido. Acredita-se que a primeira rosa teria aparecido nos jardins asiáticos há cerca de cinco mil anos. Mesmo na sua forma selvagem mais antiga que aponta para os trinta e cinco mil anos de nascimento, a rosa foi, é e sempre será, a flor mais amada do mundo, por sua beleza, atração, suavidade, perfume ou misteriosas qualidades medicinais, místicas e espirituais. Pessoalmente, acredito que as rosas têm o irresistível poder dos elementos multissensoriais que incitam e comovem a alma humana fascinada pela criação artística.

Há cerca de mil anos antes de Cristo, a rosa foi levada da Ásia para a Grécia. Na sua Ilíada, descrevendo as lutas pela conquista de Tróia, Homero escreveu que o escudo do rei Aquiles era ornado de rosas. Do mesmo modo, um pouco mais tarde, Confúcio deixou registrado que na biblioteca do Imperador da China existiam cerca de seiscentos livros sobre rosas. E que a nobreza chinesa apreciava muito o óleo feito a partir dessa flor. E aliás, este óleo só podia ser usado pelos nobres e dignitários da corte. Se um plebeu fosse eventualmente encontrado com a menor porção deste óleo, era condenado à morte. Jesuítas trouxeram a rosa para o Brasil.

A primeira referência à famosa frase de que a "rosa é a rainha das flores" foi feita pela poetisa grega Safo, que viveu seis séculos antes de Cristo. Na história da humanidade, as rosas, principalmente as vermelhas, são o símbolo do amor. Não há quem resista a uma dúzia de rosas vermelhas. Shakespeare, em ‘Romeu e Julieta’, com uma única frase definiu bem aquilo que sentimos por esta flor: "Aquilo que chamamos rosa, com outro nome seria igualmente doce". Os romanos acreditavam que ao decorar os seus túmulos com rosas, apaziguariam os Manes (os espíritos dos mortos) e os ricos incluíam em seus testamentos, que jardins inteiros de rosas fossem mantidos para fornecer flores para suas sepulturas. Durante a Idade Média, as rosas eram muito cultivadas nos mosteiros. Era regra que pelo menos um monge fosse especialista em botânica e estivesse familiarizado com as virtudes medicinais da rosa.

Por que o meu amor extremado pelas rosas ou, no caso inspirador, pelas flores em as “Rosas do Oriente”?

As rosas, para o poeta, têm o amor, a formosura, a suavidade, a beleza, a aura, o perfume, a sensibilidade, o instinto, a pureza, a sensualidade, a luz, a virtude, a graciosidade, a forma, a força moral, o gênero, a sedução, a origem, a atração, o destino e outros patamares de existência dualista da alma de uma mulher ou da alma feminina! Em estrito senso, o que mais me tocou a alma levando-me à composição das “Rosas do Oriente” foi o conhecimento que tomei a partir do fato histórico conhecido no mundo como o “Massacre de Nanquim”, ocorrido em 1937, também registrado como o “Estupro de Nanquim”, que deixou sequelas e marcas indeléveis de repugnantes iniquidades praticadas contra as mulheres, minhas rosas do oriente. Estabeleci a tríplice relação entre as “Flores do Oriente”, as mulheres violadas e as rosas que convivem em harmonia com os espinhos da vida.

Trata-se de um trágico episódio bélico que materializou um crime de guerra genocida cometido pelo exército imperial japonês em Nanquim, então capital da República da China, após a cidade ter sucumbido ao ataque japonês em dezembro de 1937. Não há consenso sobre a duração do massacre, embora a violência tenha perdurado por seis semanas, até o início de fevereiro de 1938. Durante o período em que houve a ocupação de Nanquim, o exército japonês cometeu numerosas atrocidades, como saques, incêndios criminosos, execuções de civis e de prisioneiros de guerra, justificando tratar-se de militares disfarçados. Desse modo, milhares de pessoas foram obrigadas a se dirigir a uma pedreira – dentro de uma imensa vala - local que ordinariamente se transformaria em suas próprias sepulturas. Quando já estavam no interior do local do martírio, soldados japoneses cercaram o local e atearam fogo provocado por saraivadas de tiros de metralhadoras e fuzis, verificando-se, inclusive, a possibilidade de haver sobreviventes e então executá-los. A brutalidade tomou formas ainda piores, como métodos de vivissecção, além de “práticas esportivas” na qual soldados japoneses disputavam entre si o mérito de ser o mais rápido e eficiente em decapitar prisioneiros ou, ainda, usavam prisioneiros como alvos vivos em exercícios de assalto com baionetas. A menção ao evento conhecido como “Estupro de Naquim”, refere-se ao número de mulheres e adolescentes - alguns apontam para cerca de vinte mil - estupradas coletivamente e repetidas vezes, além de sofrerem humilhações públicas, crueldades e violências sexuais frequentemente seguidas de morte, sendo outras “exportadas” como escravas sexuais, para os mais de dois mil bordéis militares criados pelo Japão.

Há que se destacar que referidas práticas de genocídio e abuso sexual eram realizadas em qualquer lugar, inclusive nos templos, cenário que ainda hoje guarda constrangedoras e dolorosas lembranças do massacre das mulheres, ‘minhas rosas do oriente’. Obviamente, tendo em vista o antagonismo dos grupos envolvidos, imperam inúmeras diferenças e desentendimentos entre os beligerantes, porém, esperanças, sonhos, atitudes, passados e experiências de vida são deixados de lado quando surge uma única expectativa para elas: uma oportunidade frustrada para umas no passado, mas possível no futuro para outras. Muito embora a história narrada neste período tenha um vasto e macabro cenário bélico, referidas práticas não são abordadas com clareza para nós outros analistas e observadores, quando o relato dos fatos ao público se restringe apenas aos grupos de meninas e mulheres, que mesmo sendo antagônicos, foram capazes de se unir através de suas qualidades adequadas ao gênero, à alma e ao espírito grandioso das mulheres, ‘minhas rosa do oriente’.

Comoveu-me nessa tarefa a admiração de como o contato real com a morte, com a dúvida e o medo são capazes de despertar reações inesperadas em alguns seres humanos, demonstrando atitudes solidárias memoráveis. Atualmente os próprios chineses comparam o episódio ao abominável holocausto adotado mais tarde pelos alemães, os ‘campos de concentração’, e questionam o fato de o governo nipônico não assumir o massacre e de sequer mencionar em seus livros didáticos e manuais escolares, procurando esconder e ou minimizar a responsabilidade de seu país pelas violências cometidas contra a humanidade, destacando-se, como pano de fundo, aquelas praticadas contra estudantes cristãs católicas e, mais tarde, contra um grupo de prostitutas refugiadas, também ‘minhas rosas do oriente’, mesmo que praticamente sem identidade individual. Mas ‘minhas rosas do oriente’! Tais momentos históricos estão generosamente baseados num romance de Geling Yan, em que, transformado em filme intitulado de “As Flores do Oriente”, o autor estende sua mensagem de culpa e redenção.

Desta forma, dedico a minha coleção de as ” Rosas do Oriente” ao amor, à formosura, à suavidade, à beleza, à aura, ao perfume, à sensibilidade, à pureza, à sensualidade, à luz, à cordialidade, à virtude, à graciosidade, à forma, à força moral, ao gênero, à sedução, à origem, à atração, ao destino e a outros patamares de existência dualista da alma da mulher! A razão é única: nunca vou desistir do amor nem dos sonhos nem das rosas!


Afonso Estebanez