terça-feira, 28 de outubro de 2008

SEGREDOS DA INSÔNIA II


SEGREDOS DA INSÔNIA
II

Até que essa lembrança enfim me esqueça
há noites de desterro do amor que não vivi.
Pode ser exaustão de luz na lâmpada acesa...
E ainda assim me é possível resistir!

Contorno a direção da porta, transtornado.
Pode ser um carteiro noturno e devo abrir.
Pode ser o domingo retornando ao sábado...
E ainda sei que me é possível resistir!

Talvez um corpo astral de aeronauta ainda
meu duplo que retorna antes de prosseguir
na fé dos missionários da esperança finda...
E ainda me é possível resistir!

Porém vou levantar-me lentamente agora
e reescrever os últimos versos que escrevi.
Depois vou caminhar devagar até a porta...
Pois não é mais possível resistir!


Afonso Estebanez

SEGREDOS DA INSÔNIA III


SEGREDOS DA INSÔNIA
III

Permitir que me banhe a claridade do luar
como a alvorada inaugural o ultimo porvir.
Por trás do reposteiro um anjo me convida
e não é mais possível resistir!

Guardo as fotografias dos parentes mortos.
Depois conforto meus sentidos sem sentir...
Os versos falam já transcritos na memória
que é quase impossível resistir!

E antes que o coração em cânticos pereça
devo afinal abrir a porta, morrer e desistir...
Como a hora desiste do relógio sonolento
sem tempo agora para resistir!

Eu me absolvo de afogar-me em lágrimas
se é para sempre que esta noite vou partir...
Vou perder-me entre a linha do horizonte
e viver e sonhar e morrer sem resistir!

Como vivem os lírios dos campos...
Como sonham os pássaros da paz...
Como ama o amor os desencantos...
E morrem os heróis sem desistir...


Afonso Estebanez

PROCURA-SE UMA ROSA


PROCURA-SE UMA ROSA

A rosa de que preciso
é flor nativa de mim.
Eu quero a rosa precisa
princípio
meio e fim.

A rosa de que preciso,
não a rosa dos poetas...
Mas a rosa imponderável
dos loucos
e dos profetas.

A rosa de que preciso,
não das mãos dos jardineiros...
Quero a rosa padecida
das feridas
dos romeiros.

A rosa de que preciso
vem do olhar dos passarinhos.
A rosa para ser rosa
não precisa
dos espinhos.

Eu quero a rosa votiva
dos vitrais e reposteiros
entre preces conspirada
no conluio
dos mosteiros.

A rosa de que preciso
não é a rosa-dos-ventos...
Quero a rosa irresoluta
biruta
dos cata-ventos...

A rosa de que preciso
vem de abismos e desertos
como a palavra perdida
reencontrada
em meus afetos.

Às vezes mais que loucura!
Às vezes mais que razão...
A rosa de que preciso
é amor
mais que paixão...


Afonso Estebanez

SONETO DA VIGÍLIA


SONETO DA VIGÍLIA


Não tenho estantes e não tenho livros.
De sábios pouco sei do que ensinaram
e tantos sonhos que eu sustento vivos
foram por mim apenas que sonharam.

Houve sonhos de impulsos instintivos
houve contos de fadas que passaram.
Houve os casos de amores impulsivos
que as vigílias da insônia me falaram.

Reteso meu amor e amor me acalma
embriago-me de sonho e dou à alma
momentos de prazer que ela merece.

Não preciso de nada além do instinto
de me saber de amor um ser faminto
e lúcido do amor que me enlouquece...


Afonso Estebanez

UM SONETO DE AMOR POSSÍVEL


UM SONETO DE AMOR POSSÍVEL


Vou ficar te esperando como espera
transpor o sonho a vida passageira
como a passar sem flor a primavera
entre as pedras na flora da pedreira.

Vou ficar te aguardando como a era
tem os beijos da brisa companheira
pela espera do amor não desespera
que espera ser eterna a vida inteira.

Devo ser como o vento adormecido
nos penedos noturnos como abrigo
resto de alma de mágoas padecida.

Mas verás os remansos do meu rio
e entre gerânios tu entrarás no cio
fazendo da esperança a nossa vida...


Afonso Estebanez

VERSOS TERNURENTOS


VERSOS TERNURENTOS


Quero mesmo é desembarcar no instante
de perplexidade da alvorada ao deflagrar
de teu sorriso em meus campos beirados
de alfazemas...

Abrir suavemente as portas dos sentidos
como quem abre os lençóis dos arco-íris
e se deixa embriagar num cálice infinito
de poemas...

Como quem ouve histórias de venturas
escritas na penúltima página do fôlego
da alma extremada de ternuras e versos
amorentos...

Como quem toma do pomar de outonos
as flores sazonadas e os maduros pomos
da brisa rarefeita de abraços e de beijos
ternurentos...


Afonso Estebanez

DESENCONTRO


DESENCONTRO

Foi do esperado
que o ter perdido
me fez ter sido
desesperado.

O ter perdido
foi de viver
do haver morrido...

O ter vivido
foi de morrer
de haver sonhado.

Foi do encontrado
que o ter vivido
me fez ter sido
desencontrado...

Afonso Estebanez

ERVAMOR


ERVAMOR

Do paralelepípedo
a planta
plúrima
parapétala
pulou
o parapeito
do primeiro
pavimento.

Púnico plágio plástico
ponta por ponta
espetou
espinhos
apopléticos
na parede.

Depredou a prumada
do telhado
tomou
um porre
de chuva
de prata.

Onde o braço do homem
não alcança
a planta
pôs o pólen
na concha
da calha
por conta
do amor

E deu à luz uma flor!

Afonso Estebanez

FLAUTA DOCE


FLAUTA DOCE

Teu amor me vem e toca
como flauta o entardecer
de alguma aurora remota
que ainda sonha renascer.

E me sonhas como flauta
que reinventa o alvorecer
tocando o sonho de volta
na canção do amanhecer.

Tu me fazes a alma doce
como se minh’alma fosse
um prenúncio de desejo...

E minh’alma enamorada
vai no lume da alvorada
ao encontro de teu beijo...


Afonso Estebanez

ENCONTRO MARCADO


ENCONTRO MARCADO

Teu futuro é o meu agora
do teu tempo despertado
o chegar antes da aurora
de teu encontro marcado

o que chega vai embora
em pedaços de passado
o presente não tem hora
só meu agora esperado

meu amor estava longe
e nem Deus sabia onde
teu amor o encontraria

foi preciso então morrer
e esperar meu renascer
para ver se eu te veria...

Afonso Estebanez

EU SEI QUANDO TU VENS


EU SEI QUANDO TU VENS

Não preciso sondar os pensamentos
nem consultar meu vasto coração
para saber os dias e os momentos
em que me vens trazer consolação...

A mim me basta olhar pela janela
e abraçar a manhã no meu jardim
e sei que a claridade que vem dela
é a luz do teu amor dentro de mim...

Deixo a brisa tocar a minha face.
Ouço as aves que vêm me visitar
e sei de cada rosa que renasce
o teu instante eterno de chegar...

Converso com o vento no telhado
onde o tempo costuma te esperar
de um futuro presente antecipado
por anjos que me vêm te anunciar...

No canteiro de beijos e jacintos
o odor suave de uma flor qualquer
inflama de desejos meus instintos
com o perfume virgem de mulher...

Então eu sempre sei quando tu vens
sem que precises avisar-me quando...
O amor proclama quando tu me tens
e me prepara quando estás chegando...

A. Estebanez

ROSAS DE SAROM


ROSAS DE SAROM

Toma posse dos frutos do teu amor
ainda na tenra idade, como quem colhe
as rosas que primeiro desabrocharam
na orla do teu jardim...

Toma posse dos frutos da esperança
como o fazem os jardineiros de Sarom
que aguardam a floração das rosas
entre as sarças do Hebrom...

Toma posse dos frutos de teus sonhos
ainda que estejam verdes, como as aves
retomam entre os ciprestes do deserto
o seu ninho de esmeraldas...

Toma posse dos frutos de teu perdão
antes que seja tarde, como os pássaros
que reconstroem seu último refúgio
entre as pedras atiradas...

Toma posse de tuas ocasiões perdidas
mesmo que nunca reencontradas
como o fazem os lírios dos campos
que não precisam de nada...

Toma posse de teus ingênuos devaneios
como as rosas de Sarom o resplendor
e dos botões-de-ouro de teus seios
nas dunas do teu formoso amor!

A. Estebanez

MENINA & MULHER


MENINA & MULHER

É algo de mulher que me fascina
nesse teu jeito etéreo de me amar
como nuvem que a lua descortina
no corpo dos lençóis entre o luar...

É algo de mulher que me alucina
perene amor que mata sem matar
uma parte mulher e outra menina
ditoso amor de meu eclipse lunar...

É algo que me encanta de tal jeito
e sangra sem doer dentro do peito
e alegra-se do sim na dor do não...

E me ama no regresso do menino
homem feito na linha do destino
já transcrito a punhal no coração...

A. Estebanez

NA PALMA DE TUAS MÃOS


NA PALMA DE TUAS MÃOS

Tuas mãos duas vidas dois instantes
dois caminhos de margens paralelas
dois destinos tão perto tão distantes
como os cantos opostos das janelas...

Dois destinos escritos numa estrela
dois extremos dois lados da paixão,
outros amores vão e vêm sem tê-la
como o elixir dos sonhos de verão.

Não há destino prévio neste mundo
senão amor na lei de causa e efeito.
Há os lírios do campo e o profundo
enigma de um encanto não desfeito.

O dia vem de cinzas do crepúsculo
acende a aurora no teu lado escuro
e o fruto temporão é tão minúsculo
como é o amor de parto prematuro.

Desperta a alma e olha para o céu,
o amor não anda só de carruagem...
Na ânfora das mãos cintila ao mel
tua estrela de amor nessa viagem...

A. Estebanez