domingo, 5 de março de 2017

O CANTO DOS PESCADORES


Eu nunca ouvi canto mais triste
do que o cantar de pescadores.
Já cedo ao mar e o canto insiste
no adeus fugaz dos remadores.

Mesmo encrespado não resiste
o mar fremindo seus rancores,
e um remador sempre persiste
com o apesar de seus temores.

Conheço o canto dos terreiros,
o tango enfermo dos puteiros,
o samba-enredo a se encantar.

Mas eu jamais tinha que existe
mais ter tristeza sem ser triste
que o pescador devota ao mar.

Afonso Estebanez
A DESPEITO DE TUDO...


A despeito de tudo o amor existe
e o desamor faz parte do destino
que num cair e levantar consiste,
conforme meu diário de menino.

A despeito do amor a dor insiste
em confinar a paz num desatino,
a truculência humana sem limite
não permite ao amor seja divino.

A despeito da raça a cor constrói  
a humanidade em faces dividida:
areia e sangue com a mesma cor.

A despeito de tudo existe o herói
para a trégua do embate suicida,
o extraterrestre que se diz amor!

Afonso Estebanez

sexta-feira, 3 de março de 2017

DÂPHINE
(Δάφνη)




Ah, se tu não podes ser amante
e de mim não podes ser mulher
nem o eterno cântico da amada,
sejas tu ao menos meu instante
de viver do encanto se eu puder
não viver sem precisar de nada.

Ai de mim, essa árvore sagrada
carregada de meus desenganos
sonhos falsos que eu até desejo
com a alma tão só desobrigada:
viver só o amor de muitos anos
vividos do veneno de teu beijo!

Ah, do amor ferido com doçura
feliz sensação é um não ter fim
a demência em fase de ternura
que dói e me cura e fica assim...
Ai de mim!...

Afonso Estebanez
(Dáphne – poema de inspiração e forma
gregas)
DEPOIS DA FESTA


É preciso, pelo menos uma vez na vida,
ser o último a deixar a festa...
Dispensar os convidados antes de chegar a aurora.
Exorcizar os aposentos com galhinhos de arruda.
Desligar o som, fechar janelas e cortinas,
desenlaçar os reposteiros,
varrer da memória a algazarra das crianças
na calçada...
Dissipar o perfume das adolescentes.
Dispensar as frivolidades dos últimos abraços.
Recolocar no jarro aquela rosa
que esqueceram sobre a mesa.
E, finalmente, quando a noite
trouxer de volta o silêncio numeroso,
apagar definitivamente a luz...
Depois dormir...
Sonhar...
Despertar...
Viver... Viver...
Depois dormir...
E morrer... Como quem morre
definitivamente...
Para não incomodar
ninguém...

Afonso Estebanez 
AMOR DE CARNAVAL

Se de fato tu queres me encontrar
apesar de me teres transformado
na tua multidão, tu deves procurar
no alvoroço do baile triunfal
de teu tumultuado coração...

Eu sou aquele que tu vês se levantando
daquela sombra que virou teu chão.
Repara como eu engoli meu sim
para não ter que devolver teu não...

Se de fato tu queres me encontrar,
eu sou aquele que já foi embora
com uma flor na mão...

Afonso Estebanez
RASCUNHO


Vou deixar passar o trem
que te faz ficar chorando
do quanto a lua  não vem
a que tu fiques sonhando
comigo então já voltando
aos abraços de meu bem.

Vou deixar rodar o vento
onde exibes num bailado
as valsas do pensamento
que eu julgava sepultado
em teu sonho já sonhado
não capaz de sentimento.

Já desponta a primavera
vou colher flores contigo
vem o trem e não espera
para que esperes comigo
no castelo onde te abrigo
soerguido n’outra esfera.

Afonso Estebanez
EU TE AMO...

Eu te amo como o coração que grita
quando emudece a minha multidão
dentro do peito de minh’alma aflita
no anseio de entregar meu coração.

Eu te amo como a brisa que se agita
quando tocas de leve o meu portão,
e me abraças com plácida e infinita
blandícia com fragrância de paixão.

Não necessito mais transpor colina
e anunciar que “te amo” lá de cima,
se todo dom maior está no mundo.

A mim me apraz que passe o vento
e longe leve com meu pensamento
a notícia de nosso amor profundo!

Afonso Estebanez

quarta-feira, 1 de março de 2017

UM POEMA QUÂNTICO


Pudera eu me lançar do Corcovado,
vendo a vida esvair num leve pouso
num pôr do sol onde eu seria aliado
a elétrons num átomo em repouso.

Em matéria, meu ser já quantizado,
atrairia ao núcleo o amor sem gozo
talvez num sentimento inexplicado
como um quântico enigma sigiloso.

O amor é a energia em movimento,
quiçá superfluidez do pensamento
no inconsciente atávico ou maldito.

E, na quantização dos semoventes,
a presunção desdiz os conviventes
aos quais o amor divino é infinito!

Afonso Estebanez

terça-feira, 28 de fevereiro de 2017

A MAGIA DA EXPRESSÃO LITERÁRIA
OFICINA – MODULAÇÃO INTERATIVA - 10
*REVELAÇÃO DA TRANSITIVIDADE DO SER*


“FIAT LUX” – E a Luz se fez! Agora podemos continuar... Temos aguardado durante semanas até que venham a nós oportunas expressões de atitude, ânimo e coragem que possam servir de parâmetro ao ENTENDIMENTO de nossa proposta inicial, no sentido de que compor um poema (através de qualquer forma de expressão) é ‘REVELAR AO MUNDO EXTERIOR, SEM MEDO, UMA ATITUDE DA ALMA HUMANA, EQUIVALENTE À AÇÃO DE TRANSITIVIDADE DO SER, DO UNIVERSO ESPIRITUAL ATÉ O MUNDO EXTERIOR. Sem nenhum induzimento de ordem técnica, filosófica ou científica, as observações implícitas ou curiosas estão a nos prestar esse transparente testemunho, de grande auxílio para todos nós. É assim que pretendemos usar nossos próprios recursos, sem nos apegarmos demasiado às teorias acadêmicas já quase perdidas na neblina dos séculos precedentes. Com permissão, pois, tomemos como base algumas experiências de relevante valor literário e, com elas, devemos iniciar, desde logo, os módulos seguintes de nossa série. Já estamos preparados para isso... Poderíamos dizer que o nível de instrução e de conhecimento magníficos de muitos interessados pode ser usado não somente para nós iniciantes em literatura, como pode ser usado em nossas próprias vidas. O medo é um dos piores sentimentos, medo de errar, de não ser ‘aceito’, de desagradar. Ouvimos de uma poetisa quase pronta para desafiar as páginas de sua primeira experiência autoral: “Minha alma não tem medo. Eu escrevo com receio, como dizem alguns. No meu caso, receiava que eu tivesse que justificar o medo por falta de cultura. Quando eu lia os perfis de escritores , geralmente mestres em literatura, batia um medo terrível... a tal exclusão que o senhor explica bem. Mesmo assim eu escrevia porque eu sentia que perante meus amigos, eu era uma verdadeira escritora e com tempo deixei a timidez de lado e tudo que escrevo é com minha alma. Tudo que faço na vida é com o coração desperto desde menina e era motivo de criticas . Convivi com isso a vida toda, tentei ser diferente e aprendi que não me pertencia a opinião de pensadores, e assim eu não penso, eu sinto e ajo. Hoje depois de ler este módulo estou vendo que sempre caminhei pela maneira certa e ler que tenho ternura foi meu maior presente. Obrigada. Denise Taveira” (05/09/2009)”. Obrigado, em nome da Oficina. Com isso passamos a utilizar alguns textos que exaltem algum compromisso com a poesia, para situar, no texto, algo do que temos orientado até agora a respeito da psicodualidade da expressão poética material. É a trilha pela qual devemos tomar o rumo do que chamamos de ‘ESTILO’...

Afonso Estebanez 
DO TEMPO PARA AMAR
(Relendo Kohelet em Ec 3)


Espere o amor que traga mais amor
quando chegar o tempo de esperar.
Não plante espinhos no lugar da flor
quando ocorrer o tempo de plantar.


Restaure sem rancor a um desamor
quando assomar o tempo de chorar
e quando houver o tempo de louvor
louve o amor que reviva de exaltar.


Tudo chega a seu tempo concebido
como o relógio embora adormecido
desperta com as luzes da alvorada.


E se chegar o tempo de andar triste
expõe crer que a tristeza não existe
até que acabe o tempo da jornada.


Afonso Estebanez

segunda-feira, 27 de fevereiro de 2017

DESCARNAVALIZAÇÃO

Quarta-feira de cinzas a euforia
deve sair de luto e pés no chão,
despojada do enredo à fantasia
que insiste na magia do refrão.


Há que de ofício efêmera a folia
se extasia no escárnio da ilusão 
de cáustico sarcasmo se inebria
e protesta de tanta indignação.


É hora de atirar cinzas ao vento
poupar o carnaval do desalento,
qual último clamor da multidão.


A mim, vou-me descarnavalizar
e me encantar feliz de repousar
naquela rosa que caiu da mão!


Afonso Estebanez
CERTAMENTE


Tu te apegas a mim
por sutil compaixão
certamente que sim
certamente que não


 Tu me afagas assim
por cordial devoção
certamente que sim
certamente que não


Meu amor vive afim
vive o teu do senão
certamente que sim
certamente que não


Teu olhar de jardim
não vê lírio no chão
certamente que sim
certamente que não


Meu amor é um fim
fixo em teu coração
certamente que sim
certamente que não


Afonso Estebanez