domingo, 12 de fevereiro de 2017

SEGREDOS DA INSÔNIA


Até que a noite faça agonizar-me o sono
meu coração ainda insiste em pressentir
ruídos de batidas nos porões da insônia...
Mas sei que me é possível resistir!

São pesadelos reencarnados do passado
morto... Fantasmas de navios ancorados
nos cais abandonados das ilhas de mim...
E sei que me é possível resistir!

Até que em morte acorde e eu adormeça
ainda sinto adormecidas sensações de ti...
De um lugar assombrado em minha vida
de onde sei que é possível resistir!

Ô, mulher-menina que perdi na infância
canção de bem-querer do quanto padeci...
Uma certa saudade vadia sem distância
e ainda assim me é possível resistir!

Até que essa lembrança enfim me esqueça
há noites de desterro do amor que não vivi.
Pode ser exaustão de luz na lâmpada acesa...
E ainda assim me é possível resistir!

Contorno a direção da porta, transtornado.
Pode ser um carteiro noturno e devo abrir.
Pode ser o domingo retornando ao sábado...
E ainda sei que me é possível resistir!

Talvez um corpo astral de aeronauta ainda
meu duplo que retorna antes de prosseguir
na fé dos missionários da esperança finda...
E ainda me é possível resistir!

Porém vou levantar-me lentamente agora
e reescrever os últimos versos que escrevi.
Depois vou caminhar devagar até a porta...
Pois não é mais possível resistir!

Permitir que me banhe a claridade do luar
como a alvorada inaugural o ultimo porvir.
Por trás do reposteiro um anjo me convida
e não é mais possível resistir!

Guardo as fotografias dos parentes mortos.
Depois conforto meus sentidos sem sentir...
Os versos falam já transcritos na memória
que é quase impossível resistir!

E antes que o coração em cânticos pereça
devo afinal abrir a porta, morrer e desistir...
Como a hora desiste do relógio sonolento
sem tempo agora para resistir!

Eu me absolvo de afogar-me em lágrimas
se é para sempre que esta noite vou partir...
Vou perder-me entre a linha do horizonte
e viver e sonhar e morrer sem resistir!

Como vivem os lírios dos campos...
Como sonham os pássaros da paz...
Como ama o amor os desencantos...
E morrem os heróis sem desistir...

Afonso Estebanez

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