terça-feira, 6 de dezembro de 2016

ORAÇÃO JUNTO AO BERÇO



Meu filho!
O dia em que sentires que te existes
aí terás certeza de que te perdeste.
Os caminhos aqui já foram palmilhados.
O amor é a sombra fugitiva da esperança.
Nós somos teus parentes incomunicáveis
buscando a mesma paz que não se alcança.

A vida é que também não te pertences.
Chegaste um ajo a mais em órbita da aurora
no rumo de uma estrela à margem do infinito.
Um ser que se constrói de glórias fugidias
e se explica na mesma busca indefinida
da flor na rota do crepúsculo dos dias.

É isto que dei – fruto provado
já ferido de espada porque o dei sem ódio.
Andei pelos caminhos destas mãos abertas
expondo o coração à prova do teu pranto.
Depus na tua vinda o último momento
da vida que de mim morria nesse encontro.

Aí estão tuas colinas verdes
das esperanças que nutriste sem saber
e teus caminhos se anunciam sobre os mares
destas planícies que teu sangue já inundou.
Convive agora com teu sonho inexorável
porque chegaste, mas a vida não chegou...

E então, meu filho!
Atira os braços ao mistério
da retribuição do ser que se reparte
pelas águas dos campos e nuvens e ventos
isento como as aves dos desinteresses...
E estaremos tão juntos que nos confundimos
naquilo em que morri para que tu vivesses...

Afonso Estebanez
(Poema dedicado ao meu filho Alessandro de Castro Estebanez Stael.
Composto em 23 de julho de 1970 e publicado em “Livro de Viagem 
ou do Depoimento” – Livraria São José – 1971). 

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