quinta-feira, 13 de novembro de 2008

DA ALMA FEMININA

DA ALMA FEMININA

Deixa a alma espalhar-se pelo vento
deixa o tempo perder-te onde quiser
deixa a brisa seguir teu pensamento
e a menina encontrar-se na mulher.

Aos látegos do mar o sonho acalma
aos espinhos do só o bem-me-quer
se tu ficas no campo e pões a alma
naquela rosa em que te vês mulher.

Perder-me em ti o teu amor ensina
e tanto vou perder-me onde puder
o quanto houver tua alma feminina
de ser deusa com alma de mulher.

Afonso Estebanez

terça-feira, 11 de novembro de 2008

DESTINO DE CHEGAR


DESTINO DE CHEGAR

Uma flor só se envolve com o vento
uma rosa se envolve sem queixume
não se colhe uma flor por desalento
ou pelo assédio intenso do perfume.

Se queres teu amor refaça o tempo
vê como faz um simples vaga-lume
que gera a luz ao fado do momento
e faz que a noite sua aurora exume.

Deixo-te rosas fartas sem espinhos
esvaziando de mim tantos carinhos
para logo voltar se nem sei quando...

E quando o dia anteceder a aurora
verás assim que nunca fui embora
pois nunca paro de ficar chegando...

A. Estebanez

DESTINO


DESTINO

Eu quero seguir
teus passos
palmilhados
entre espinhos
colhendo as rosas
que deixas
como pedras
em meus caminhos...


Afonso Estebanez

CANÇÃO JUNTO AO BERÇO


CANÇÃO JUNTO AO BERÇO

Johanna veio correndo
abrindo o corpo no vento
colher a rosa do amor
plantada à beira do tempo.

Johanna chegou na voz
da canção que não havia...
O mundo todo chorava
e só Johanna se ria.

E doce fazia o pranto
aquilo que ela cantava...
Se Deus ouvia seu canto,
seu anjo comemorava.

E tudo o que traduzia
sua canção tão serena
era a voz que não se ouvia
do seu lamento sem pena.

E pus seu sonho no vento
para ver aonde ele iria,
pensando que o vento fosse
sua triste cotovia...

Mas era uma ave tão leve
e sua canção tão suave
que até quase só me lembro
da canção e não da ave...

Johanna se deu à luz
do oriente à maresia
e a aurora de seu corpo
se deu ao corpo do dia.

Passageira do infinito
que os sonhos agasalharam,
Johanna matou a fome
dos sonhos que a devoraram.

Pôs seus desejos nos rios
nos campos tanta esperança
que sua alma vive em tudo
enquanto o corpo descansa.

Há tempos me vem dizendo
palavra que não se ouvia...
Calada falava mais
do que aos gritos me dizia...

Vim devolver-te o caminho
que não foi de sombras nem sol
nas praias das mãos sem pedras
banhadas em mel e sal.

Vim devolver-te a esperança
na pousada de meus braços
sem vigília e sem pernoite
sem descanso nem cansaço...

Vim devolver-te meu pão
meu trigo meu alimento
que meus moinhos parados
deixaram passar no vento...

Mares calmos de enseadas
de meu sangue navegante...
Devolver-te o que me resta
no infinito desse instante!

A. Estebanez
(Poema dedicado à minha filha Johanna Estebanez Stael)

segunda-feira, 10 de novembro de 2008

PONTO DE VISTA


PONTO DE VISTA

Vendedor de frutas
a mangueira morta
o pomar deserto
os jardins desfeitos.
De noite surgia
a lua madura
entre os galhos
secos...

Afonso Estebanez

COISAS DO CORAÇÃO


COISAS DO CORAÇÃO

Se as pedras não sabem do instinto da flor
que sabem as sombras do instinto de mim
se pedras não guardam memória de amor
nem guardam princípios ou meios do fim?

Quem tem a certeza de algum porventura
se a brisa nem diz quando vem ao jardim,
se cá dentro d’alma há essa doce ternura
de guizos ou mantras ou sons de flautim?

Se eu mesmo não sei o que foi a ventura
dos tempos perdidos do amor em motim,
que entendem os dias de minha aventura
se a aurora só chega em finais de festim?

Se a água das nuvens não sabe da altura
e cai como o arco-íris do céu de carmim,
que sabe o teu pranto da minha candura
que cai das alturas bem dentro de mim?

Afonso Estebanez

sábado, 8 de novembro de 2008

BOA NOITE MEU AMOR...


BOA NOITE MEU AMOR...

Boa noite, meu amor!
O mar acalma na brisa
essa é a hora de voltar...
A brisa acalmar o vento
os sonhos o pensamento
que não cessa de gritar
nessa noite numerosa
entre as ondas sinuosas
dos caminhos do luar...

Boa noite, meu amor!
Sem os muros dos rochedos
sem nenhum setembro negro
sem mistérios nem segredos
sem os medos de voltar...

Boa noite, meu amor!
É destino o amanhecer
para a noite descansar...
Bom sonhar enquanto é tempo
bom de morrer ao relento
bom de renascer no mar...

A. Estebanez

GRITO ABAFADO


GRITO ABAFADO

O meu grito é sufocado.
Não parece que é grito.
Parece um grito falado.
Mas ele nunca foi dito.

É a pedra sob as águas
é mágoa de sentimento
é um grito de palavras
retidas no pensamento.

Corpo a corpo desafia.
É faca que cai da mão.
É como pedra que afia
os punhais do coração.

Como resto de festins
sobrevive dos jejuns...
Ele é a fome de todos
e mesa farta de alguns.

Sob a mira dos fuzis
é muralha de granito.
Ressoa a bala no eco
e retorna como grito.

E se me tiram a voz
é daí que me revolto...
O que se fala calado
ecoa muito mais alto.

A. Estebanez

FAZ DE CONTA

FAZ DE CONTA

Faz de conta que é setembro
que setembro sempre espera
pelo amor de que me lembro
se em setembro é primavera.

Faz de conta que é alvorada
com auroras sempre abertas
e que a minha alma fechada
transponha a aurora deserta.

Se meu deserto é sem água
sou meu setembro sem flor.
Flor que rego com a lágrima
dos meus espinhos de amor.

Só faz de conta que lembro
que teu coração me espera
regressar como o setembro
para a tua primavera...

Afonso Estebanez

ITAOCARA...

ITAOCARA...

Itaocara.
Itaocara tem.
Itaocara tem uma ponte.
Itaocara tem uma ponte de concreto.
Itaocara tem uma ponte de concreto armado.
Itaocara tem uma ponte de concreto armado no poente.
Itaocara tem uma ponte de concreto armado no poente refletido.
Itaocara tem uma ponte de concreto armado no poente refletido sobre as águas.
Itaocara tem uma ponte de concreto armado no poente refletido sobre as águas serenas.
Itaocara tem uma ponte de concreto armado no poente refletido sobre as águas serenas do rio.
Itaocara tem uma ponte de concreto armado no poente refletido sobre as águas serenas do rio Paraíba...

Afonso Estebanez

MENINA DA BICA (cantiga à moda gaulesa)

MENINA DA BICA
(cantiga à moda gaulesa)

Mal surgia a madrugada
como à noite o dia afora
tão cheia a vida de nada
e a alma cheia de aurora.

Minha menina da bica
vai buscar água lavada
levando a sua alma rica
da vida quase sem nada.

Ah, se eu pudesse diria
para a menina intocada
que aquela fonte podia
ter sua água encantada.

Oh, menina tão amada
se soubesse eu contaria
daquela água encantada
que ainda te encantaria.

Essa cantiga é contada
sobre a menina da bica
que a água da alvorada
acabou deixando rica...

A. Estebanez

LUDMILA

LUDMILA

Por mais que pareça tão leve
lembrança de um breve momento
é mais do que um pássaro almado
num sonho sem paz nem tormento...

É como se dentro de mim
assim como flauta no vento
uma voz que não sei bem onde
vivesse cantando tão perto
de uma dor que estava tão longe...

No peito já bronze fundido
antigo intocado na noite
perdida no rumo da aragem
como sons de cordas caladas
de alguma canção em viagem...

Na tênue plumagem da lua
seminua sobre a campina,
uma voz que não sei bem onde
talvez no rumor da neblina...
Uma dor que estava tão longe
na brisa que tange a cantiga...

Abriga minh’alma e acalanta
sem mágoa a esperança perdida!
E é tudo o que resta – uma sombra
de mim do outro lado da vida...

A. Estebanez
(Poema dedicado à minha filha do outro lado da vida)